SP tem ao menos 1,4 milhão de casos de covid a mais do que diz gestão Doria
Os maiores municípios do estado de São Paulo registraram ao menos 1,4 milhão de casos a mais de covid-19 do que os números oficiais divulgados pela Secretaria Estadual da Saúde desde o início da pandemia.
Essa defasagem, que começou em 2021, se intensificou neste ano, segundo informações de 89 municípios nos 22 DRS (Departamentos Regionais de Saúde) monitorados pela Info Tracker, plataforma de dados das universidades estaduais USP e Unesp que colheu as informações a pedido do UOL.
Essas 89 cidades somam 34 milhões de habitantes, ou 74% da população do estado, estimada em 46 milhões pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Enquanto esses municípios contabilizaram 4,7 milhões de casos de covid desde o início da pandemia, o governo estadual divulgou 3,3 milhões de casos nessas mesmas cidades até o dia 4 de fevereiro, uma diferença de 43%.
As informações do governo estadual estiveram corretas até meados do ano passado, quando foi identificada defasagem de 5,4% dos casos.
Desde o começo do ano, essa diferença cresceu ainda mais. Os municípios apontaram 693.667 casos entre 1º de janeiro e 4 de fevereiro, contra 156.493 relatados pelo estado, uma defasagem de 343%.
Também há diferença na divulgação de óbitos nessas 89 cidades: foram 124 mil mortes desde o início da pandemia, segundo os municípios, contra 121 mil informados pelo governo estadual —diferença de 3%.
Em 2022, já são 3.240 mortos, dizem as cidades, contra 2.991 óbitos divulgados pelo governo, 8,3% menos.
Procurada, a Secretaria Estadual de Saúde atribui a diferença à duplicidade de casos e afirma em nota que a comparação de "somente alguns municípios" serviria para "alarmar subnotificação dos dados".
A reportagem, no entanto, restringe sua comparação apenas às 89 cidades. O total de casos informado por elas (4.791.904), no entanto, também supera as notificações divulgadas pelo governo para todos os 645 municípios do estado: 4.782.249 casos até o dia 4 de fevereiro.
"A Secretaria de Estado da Saúde informa que os dados divulgados pela pasta estadual são os notificados e inseridos em sistema oficial pelos 645 municípios. O estado faz apenas a extração para a consolidação do informativo", diz o governo, que alega seguir as diretrizes do Guia de Vigilância do Ministério da Saúde, que define o regramento para a classificação e inserção de dados para todos os municípios do país.
Segundo a pasta, as vigilâncias municipais já foram notificadas "para que insiram a totalidade de dados nos sistemas federais e encerrem os casos de acordo com os documentos oficiais".
"O Governo do Estado de São Paulo tem como premissa fundamental a transparência em todas as suas ações, inclusive com relação às estatísticas e medidas de enfrentamento à covid-19", diz a pasta.
Diferença de 770 mil casos na capital
A maior defasagem foi identificada na capital paulista, mas em outros grandes municípios o problema é parecido:
Capital - Diferença de 770 mil casos, ou 76%
Araraquara - Diferença de 83 mil casos, ou 69%
Franca - Diferença de 21 mil casos, ou 55%
Ribeirão Preto - Diferença de 59 mil casos, ou 50%
Notificações duplicadas?
O governo atribui a inconsistência nos dados à duplicidade de notificações. A assessora de Saúde Pública da secretaria, Olivia Ferreira Pereira de Paula, disse ao UOL que o governo paulista extrai as notificações diariamente de dois sistemas federais antes de iniciar "um processo de higienização dos dados, que retira as duplicidades".
Ela diz que o governo analisa coincidências de notificações como, por exemplo, um mesmo caso registrado no mesmo dia e horário em duas cidades vizinhas. "As informações são as mesmas. Como houve registro duplicado, a gente faz a higienização", afirma.
Vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor de infectologia, o médico Alexandre Naime critica a demora na consolidação dos dados pelo governo.
"Não é factível que a totalidade dessa diferença seja por inconsistência na base de dados primários", afirma. "Não dá para explicar essa imensa diferença somente porque os dados são duplicados ou digitados errados."
Pesquisadora da Info Tracker, a matemática Marilaine Colnago concorda que a diferença de 1,4 milhão de casos não pode ser atribuída apenas à duplicidade de casos.
"Concordo com o médico. A diferença passou de 500 mil novos casos só em 2022", afirma. "Além disso, a discrepância era mínima para a maioria das cidades antes de setembro de 2021."
"Não sabemos ao certo o motivo, mas achamos que se trata de uma defasagem de casos não detectados pelo algoritmo do governo estadual", diz a matemática, que é pós-doutoranda na USP.
É uma inconsistência gravíssima. Pode haver demora na auditoria dos dados, mas é inconcebível essa demora diante de uma emergência de saúde pública."
Alexandre Naime, professor e infectologista
Para o infectologista, a defasagem afeta tanto as políticas públicas contra a pandemia quanto a percepção da população em relação a ela.
"Se o gestor estadual não tem uma ideia real do que está acontecendo, ele não tem condição de estabelecer políticas públicas de prevenção, como restringir a circulação de pessoas", diz. "Se não tem esses dados totalizados, a população não consegue ver a gravidade do problema."
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