Topo

Em decisão inédita, STJ autoriza plantio de maconha para uso medicinal

Paulo Roberto Netto

do UOL, em Brasília

14/06/2022 17h19Atualizada em 14/06/2022 17h54

A 6ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, por unanimidade, conceder salvo-conduto para a plantação de maconha para fins medicinais a três pacientes de São Paulo. A decisão é restrita somente aos casos julgados, mas é inédita no tribunal e abre precedente que pode ser usado em decisões sobre o tema no futuro.

Uma das ações era um recurso do MPF (Ministério Público Federal) contra autorização concedida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região para o cultivo da planta por uma mulher e seu sobrinho. Ambos usariam a cannabis para o tratamento de doenças psiquiátricas.

A segunda ação é de um paciente que tem diversas condições físicas e psiquiátricas, como diabetes, transtorno depressivo, fobia social e estresse pós-traumático. No caso deste rapaz, a 15ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o salvo-conduto, o que motivou o recurso ao STJ.

O ministro Rogério Schietti, relator de uma das ações, afirmou que o tema precisa ser debatido como uma questão de saúde, e não criminal. O magistrado criticou ainda o fato de não haver uma regulamentação sobre o tema, tanto pela Anvisa como pelo Ministério da Saúde, o que tem levado pacientes a recorrer à Justiça para obter permissão para o cultivo.

Para Schietti, enquanto não houver regulamentação, os pacientes vão continuar a passar por uma "ordália medieval" para obter autorizações.

"O discurso contrário a essas possibilidades é um discurso moralista, um discurso que muitas vezes tem um cunho religioso, baseado em dogmas, baseado em falsas verdades, em estigmas de que tudo que é derivado de uma planta maldita pela comunidade, porque quando se fala o nome maconha, é como se tudo que há de pior advém dessa palavra, quando ela é uma planta medicinal

Paremos com preconceitos, paremos com esse moralismo que atrasa o desenvolvimento do tema no âmbito do poder legislativo e que muitas vezes obnubila o pensamento de juízes brasileiros que não enxergam a necessidade de preencherem essa omissão do Estado"
Rogério Schietti Cruz, ministro do Superior Tribunal de Justiça

Sebastião Reis Júnior, relator do segundo processo, acompanhou o colega e disse que é preciso "acabar" com o preconceito envolvendo o plantio de cannabis para fins medicinais.

"Nós não podemos ficar no estado de inércia. A doutrina discute, o Judiciário tem medo de enfrentar a questão", disse. "Como o ministro Rogério falou, simplesmente tachar de maldita uma planta porque há preconceito contra ela, sem um cuidado maior em se verificar os benefícios que seu uso pode trazer, é de uma irresponsabilidade total".

Inédita, a decisão da 6ª Turma cria um precedente que pode ser usado em casos semelhantes no futuro. Até então, havia somente o entendimento da 5ª Turma do STJ, outro colegiado do tribunal, que considerava que cabia à Anvisa definir sobre o plantio de maconha para fins medicinais.

A advogada Gabriella Arima de Carvalho, que defendeu um dos casos, afirmou que sem a autorização, os pacientes vivem "iminente risco" de serem presos em flagrante, terem as plantas derrubadas e, consequentemente, perder o remédio derivado da cannabis.

"Não são poucos os casos em que usuário e mais especificamente a pessoa que faz uso do medicamento são erroneamente confundidos com traficantes e enfrentam duros processos criminais, além de terem seus tratamento bruscamente interrompidos. Indago se é esse o conceito de justiça que temos", disse.