Novo tratamento coloca quem ouve vozes para conversar com elas
Algumas das vozes na cabeça de Caroline White têm sido um conforto em sua vida, tão protetoras quanto uma tia querida. Eram as outras – "você não é nada, estão vindo pegá-la, vão matá-la" – que a levaram a uma sequência de tratamentos fracassados e a mais de uma década de internações, terapia e medicações, todas destinadas a silenciar essas ameaças internas.
Em um grupo de apoio para quem ouve vozes, no entanto, ela tentou algo radicalmente diferente: permitiu que outros membros do grupo falassem diretamente com a voz.
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"Depois que pensei a respeito, vi que a voz valorizava minha segurança, queria me ver respeitada e contando com maior apoio dos outros", diz Caroline, 34 anos, que, desde aquela sessão em 2014, se tornou uma líder da aliança crescente desses grupos, uma rede de quem ouve vozes.
Agora que o Congresso dos Estados Unidos debate medidas para ampliar o alcance da psiquiatria convencional – principalmente para os severamente psicóticos, que costumam terminar na prisão ou sem-teto –, um tipo alternativo de saúde mental bastante anticonvencional ganha força. Ele é em grande medida não médico, concentrado na recuperação holística e não no tratamento de sintomas, sendo cada vez mais acessível por meio de uma série de serviços em domicílio, centros residenciais e grupos como a rede a que Caroline recorreu, nos quais os membros se ajudam a compreender cada voz, como uma metáfora, em vez de tentar acabar com ela.
Segundo especialistas, pela primeira vez no país, os críticos à psiquiatria estão criando uma iniciativa ampla e sustentada para oferecer opções práticas às pessoas, em vez de simplesmente alegar abusos como excesso de medicação e contenção involuntária.
"O motivo de esses programas estarem se proliferando agora é a negligência vergonhosa da sociedade aos gravemente enfermos, o que cria um vácuo de grande necessidade", diz o Dr. Allen Frances, professor emérito de Psiquiatria da Universidade Duke.
O Dr. Chris Gordon, que dirige um programa com uma abordagem para tratar a psicose chamado Diálogo Aberto, na Advocates, em Worcester, Massachusetts, chama as abordagens alternativas de um "caminho colaborativo para a recuperação e uma mudança de paradigma no tratamento". A abordagem do Diálogo Aberto envolve uma equipe de especialistas em saúde mental que visitam lares e discutem a crise com a pessoa afetada – sem recorrer a rótulos diagnósticos nem à medicação, pelo menos no começo.
Alguns psiquiatras estão cautelosos já que a medicação pode mudar a vida de muitas pessoas com problemas mentais, e a pesquisa rigorosa dessas alternativas é um artigo raro.
"Eu aconselharia qualquer pessoa a ser cuidadosamente avaliada por um psiquiatra com experiência no tratamento de distúrbios psicóticos antes de embarcar em qualquer um desses programas alternativos", afirma o Dr. Ronald Pies, professor de Psiquiatria da Universidade SUNY Upstate, em Syracuse, Nova York. "Muitos, embora não todos, pacientes com sintomas psicóticos agudos estão doentes demais para ficar sem medicação imediata, e falta o apoio da família" de que esses programas costumam se valer.
Todavia o tratamento alternativo parece ter vindo para ficar. Doações particulares para esses programas já passaram dos US$ 5 milhões, segundo Virgil Stucker, diretor executivo da CooperRiis, comunidade residencial para tratamento na Carolina do Norte. Uma organização sem fins lucrativos criada recentemente, a Fundação para a Excelência no Tratamento da Saúde Mental, fez várias doações, incluindo US$ 160 mil para dar início ao programa Diálogo Aberto na Universidade Emory e US$ 250 mil para estudar o efeito dos grupos de apoio às pessoas que ouvem vozes, segundo Gina Nikkel, presidente e diretora executiva da Fundação. Os dois programas têm um longo histórico na Europa.
Segundo estudos, aproximadamente três quartos das pessoas que tomam remédios para psicose abandonam o tratamento em 18 meses por causa de efeitos colaterais ou outras questões. Algumas se dão bem com algumas drogas, outras, não.
"Quando eu tinha uns 13 ou 14 anos, um psiquiatra me disse que se eu não tomasse os remédios, meu cérebro ficaria a cada dia mais danificado. É claro que eu acreditei nisso. E fiquei desesperançada, pois as drogas só me faziam me sentir pior", conta Caroline, que começou a ouvir vozes durante a escola primária.
Há poucos dias, ela e sete outras pessoas que escutam vozes se reuniram no Centro Holyoke, centro comunitário em Massachusetts que oferece sessões semanais de 90 minutos
para pessoas que apresentam esse quadro, para conversar sobre o que acontece nesses encontros. Guiadas por uma pessoa que escuta vozes, às vezes acompanhada por um terapeuta, às reuniões são abertas a familiares, mas não à imprensa.
A cultura é claramente não psiquiátrica: Ninguém usa a palavra "paciente" nem se refere às sessões como "tratamento".
"Nós precisamos tomar todo o cuidado para que esses grupos não se tornem medicalizados", diz Gail Hornstein, professora de Psicologia da Faculdade Mount Holyoke e figura central dos grupos norte-americanos para pessoas que escutam vozes, que triplicaram de número nos últimos anos, somando mais de 80 em 21 estados.
A maioria das pessoas na sala tinha longa experiência em ser tratada pelo sistema convencional. "Disseram que eu era uma bomba-relógio armada, que nunca terminaria a faculdade, nunca teria emprego, nunca teria filhos, e sempre tomaria remédios psiquiátricos", diz Sarah, estudante da Mount Holyoke que escuta uma voz há anos – uma criança chorando – e, na faculdade, começou a ter pensamentos suicidas. Ela ouviu o diagnóstico de transtorno de personalidade limítrofe e tomou remédios que causaram efeitos colaterais graves. Sarah pediu que seu sobrenome não fosse divulgado, para preservar sua privacidade.
No grupo, outros membros a incentivaram a ouvir o choro da criança, a perguntar quem ela era e por que chorava. Essas perguntas levaram, após algumas semanas, à recordação de uma experiência assustadora na sua infância, e a uma tentativa de tranquilizar a criança. Sarah conta que isso alterou sua relação com a voz e, às vezes, a criança agora ri, sussurra e até canta.
"É assim que funciona aqui. No grupo, a experiência de todos é real, e as pessoas dão sugestões baseadas no que funcionou para elas", conta Sarah, que vai se formar com honras na faculdade.
A exemplo de muitos outros modelos alternativos de tratamento, a rede não é explicitamente contrária à medicação. Muitas pessoas que frequentam têm receitas, mas algumas reduziram a dose.
"Eu comecei a usar clorpromazina e pensei que não tinha como ficar melhor. Tudo que eu podia fazer era deitar no sofá, e os médicos diziam: 'Você está se saindo muito bem – não está arrumando problemas'", relata Marty Hadge.
Hadge agora é um dos líderes de um grupo que forma outras pessoas para esse papel. Ele não toma mais clorpromazina nem outro antipsicótico.
De acordo com terapeutas, nem todos se beneficiam desse processo. A dor e a confusão que as mensagens internas provocam podem derrotar qualquer tentativa de compressão e interação.
"As pessoas vêm ao nosso programa porque estão determinadas a não tomar a medicação. Mas isso nem sempre é possível. A ideia é dar a elas o máximo de opções possíveis, a permitir que criem um programa que funcione", diz Gordon, o diretor médico da Advocates.
Para fazer isso, os defensores do tratamento alternativo têm muito trabalho a fazer. Os programas são tímidos e, para ganhar forças, eles muito provavelmente terão de deixar de lado a desconfiança natural em relação à psiquiatria convencional para formar alianças com clínicas. Em países da Europa, incluindo Grã-Bretanha e Dinamarca, tais integrações ocorreram, com os grupos de pessoas que ouvem vozes e programas semelhantes ao Diálogo Aberto sendo amplamente disponíveis.
Nos Estados Unidos, existe pouquíssima colaboração. Caroline cuida de um grupo na unidade de psiquiatria forense de um hospital em Springfield, Massachusetts, e existem algumas clínicas médicas que trabalham com os grupos de vozes. Mas o abismo cultural entre as abordagens convencionais e alternativas em relação à psicose e outros problemas mentais continua enorme, e a maioria dos psiquiatras e das seguradoras precisará de provas antes de formar parcerias. No mês passado, o influente periódico "Psychiatric Services" publicou o primeiro estudo do programa Diálogo Aberto nos EUA, liderado por Gordon e pelo Dr. Douglas Ziedonis, da Universidade de Massachusetts.
Os resultados são encorajadores: nove de 14 rapazes e moças participantes do programa durante um ano após um episódio psicótico ainda estavam na escola ou trabalhando. Quatro estão se saindo bem sem medicação; os outros começaram ou deram continuidade aos antipsicóticos. Os planos de saúde cobriram 25 por cento dos custos totais.
"É um minúsculo estudo piloto, mas é um começo", diz Gordon.
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