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'A autoridade somos nós', 'cidade sem controle' e pedidos de paz: Moradores de Pacaraima falam da violência

19.ago.2018 -  Venezuelanos observam os restos de suas roupas, alimentos e objetos que foram queimadas por moradores de Pacaraima (RR) durante protesto que expulsou temporariamente os imigrantes venezuelanos - Avener Prado/Folhapress
19.ago.2018 - Venezuelanos observam os restos de suas roupas, alimentos e objetos que foram queimadas por moradores de Pacaraima (RR) durante protesto que expulsou temporariamente os imigrantes venezuelanos Imagem: Avener Prado/Folhapress

Em Pacaraima, Roraima

21/08/2018 12h17

Roupas, livros com "relatos bíblicos", pedaços de bicicleta e macarrão: pouco restou de um dos acampamentos de venezuelanos montados nas ruas de Pacaraima, em Roraima, na fronteira. O local é um dos que foi atacado sábado passado, durante uma explosão de fúria da população local. 

"Não nos arrependemos de nada, fizemos o que era certo", diz Edson Sanchez parado sobre os destroços de um dos acampamentos. "Temos que esperar que as autoridades façam algo?! Não estão fazendo nada. A autoridade somos nós" - diz Cristina Gomes, que também defende a expulsão dos imigrantes.

Após os ataques, ao menos 1.200 venezuelanos fugiram cruzando a linha de fronteira de volta ao seu país. Pacaraima, com apenas 12.000 habitantes, tem sofrido intensamente o impacto da onda migratória nos últimos três anos, com um aumento de 10% da população, a maioria em situação em rua.

"A cidade se transformou, ficou sem controle", reclama Sanchez, um jovem de 21 anos que afirma que desde que os imigrantes chegaram aumentaram os assaltos e outros crimes violentos.

A ação coordenada pela população local foi deflagrada na manhã de sábado, após a notícia de que um comerciante da cidade teria sido agredido em um assalto atribuído a imigrantes venezuelanos.

“Daqui não foram expulsos quem não estava atrapalhando, só vagabundo, porque a maioria que foram para lá, escarrados, era puro malandro, vagabundo!” 

Questionado sobre as acusações de xenofobia contra os habitantes de sua cidade, Sánchez responde: "aqui não há xenofobia, apenas um povo cansado".

Ataque com garrafas, paus e facões

"Vieram com garrafas, com paus, gritando 'Fora!'. Tivemos que correr para as montanhas com as crianças enquanto queimavam nossas coisas, a comida, a roupa, documentos, colchões", relata a jovem venezuelana Nayelis García, de 17 anos, dentro de uma das barracas do posto de fronteira, protegido por militares brasileiros.

Com seu bebê de um ano nos braços e cercada por seu marido, tia, prima e irmã, Nayelis e os parentes esperam para obter novamente um protocolo de pedido de refúgio que lhes permita viver regularmente e procurar trabalho no Brasil.

A poucos metros, na beira da estrada que liga o Brasil à Venezuela, Eleiser Balza recorda a "avalanche" de pessoas com "paus e facões" que bateram em muita gente, até em crianças.

"São um grupo de pessoas agressivas querendo nos tirar daqui com armas brancas, com paus, machados e essas coisas. Todo mundo correu, as crianças choravam, as pessoas foram agredidas pisoteadas, alguns com os pés na cara. Foi muito feio".

"Passamos duas noites na montanha sem comida ou água", até escutarem que a situação tinha se acalmado.

Com os documentos na mão, Balza e sua mulher planejam viajar para Boa Vista, e de lá para Belo Horizonte, com a esperança de refazer a vida com a ajuda de um cunhado que já se estabeleceu na capital mineira.

"Pagamos os justos pelos pecadores. Nós não temos culpa de que nosso governo esteja agindo mal", lamentou Jorge Idrogo, um venezuelano de 22 anos, que sustenta sua família vendendo comida do lado brasileiro.

O ataque de brasileiros a venezuelanos em Pacaraima

AFP

"Queremos viver em paz"

Mais próxima de Miami do que de Brasília (4.400 km), nas ruas de Pacaraima se escuta tanto espanhol quanto português, muitos automóveis têm placas dos dois países e a coca-cola que se bebe é "fabricada na Venezuela".

No meio do caminho entre quem quer expulsar os imigrantes e os que defendem sua acolhida sob qualquer condição, muitos habitantes afirmam que a população de Roraima está desatendida e é dever do governo melhorar a qualidade dos serviços para evitar que os ataques se repitam.

"As pessoas se revoltaram porque sentem que perderam seus direitos por causa dos venezuelanos, então a violência pode ter surgido disto", avalia o comerciante Fabio Quinco, cujo armazém fica diante de um dos acampamentos destruídos.

Quinco entende a angústia de seus vizinhos de Pacaraima, mas é "totalmente contrário à violência".

Uma caravana de moradores com cerca de 30 carros percorreu o centro de Pacaraima na noite desta segunda-feira distribuindo balões brancos e mensagens de paz.

"Queremos viver em paz, sem agressões", dizia uma voz feminina em um alto-falante.