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Nova sociedade civil emerge em Cuba e desafia seis décadas de unanimidade

19/03/2019 10h34

Havana, 19 Mar 2019 (AFP) - São críticos, irreverentes, mas não necessariamente opositores. E, com internet nos celulares, os mesmos saem em ajuda de necessitados que encaram alguma autoridade. Em Cuba, uma nova sociedade civil emerge em uma ilha acostumada com a unanimidade.

Com a estratégia do "voto unido", o líder da Revolução de 1959, Fidel Castro, enfrentou o inimigo imperialista. Assim, conseguiu 97,7% de apoio para a Constituição de 1976, e 99,3%, para a reforma que tornou o socialismo "irrevogável".

Os tempos mudam, porém, e economia se abre. A Internet, que não está disponível na maioria das casas, chegou em dezembro aos celulares com o 3G, e o 4G está em teste.

O presidente Miguel Díaz-Canel, de 58 anos, que assumiu há quase um ano, não tem a autoridade histórica de seus antecessores Fidel e Raúl, irmão do "comandante". Em contrapartida, está em permanente contato com a população e lidera a presença de seus funcionários no Twitter, promovendo a aproximação e a divulgação de informações sobre todas as atividades oficiais.

"Essa confluência de pessoas entrando nas redes (sociais), com os dirigentes ao alcance do teclado e poder lhes dizer o que pensam, mudou a dinâmica da sociedade cubana", disse à AFP Camilo Condis, um pequeno empresário. De sua conta @camilocondis, ele busca respostas das autoridades para situações domésticas.

"Sou bastante crítico, mas faço isso com respeito e com um mínimo de sensatez", explica.

Seus comentários lhe custaram o bloqueio no microblog por parte do ministro das Comunicações, Jorge Luis Perdomo. O governo admite que seus funcionários ainda estão aprendendo a lidar com esse tipo de interação.

Desde que o monopólio estatal das telecomunicações lançou o 3G, inscreveu-se mais de 1,8 milhão de clientes, de um total de 5,4 milhões, em uma população de 11 milhões.

- Mudanças de opinião -As opiniões do cidadão comum geraram mudanças no projeto da nova Constituição, elaborada no coração da única sigla permitida na Ilha, o Partido Comunista de Cuba (PCC).

Durante o debate, a maioria se opôs, por exemplo, à modificação que abria as portas para o casamento homossexual. Também conseguiram modificar normas que regem a atividade cultural e outras que limitavam o trabalho privado.

"Mostra-se que as forças políticas não organizadas, dispersas, que eram contrárias a essas medidas conseguiram impor uma retificação ao governo", explicou à AFP o acadêmico Carlos Alzugaray.

"Acredito que essa sociedade civil já estivesse ali. O que não tinha era como se organizar e como se comunicar e, agora, está conseguindo isso, graças aos dados móveis", acrescentou Condis.

- A nova Cuba -O governo chama de "sociedade civil" os sindicatos, ou os comitês de bairro, enquanto a atomizada oposição também quer representá-la. Esta massa espontânea não toma lados, porém.

"Embora não esteja organizada, embora não haja partidos políticos, tem gente com opinião e com critério que agora tem a oportunidade de mandar um tuíte para um ministro, ou presidente, ou ter uma plataforma onde discutem e debatem. Essa é a nova Cuba", considera Alzugaray.

Os emergentes tuiteiros se agrupam com a hashtag #AldeaTwitter, onde enfatizam seu caráter "apolítico".

A nova Constituição, que reconhece o papel do mercado na economia, foi aprovada no final de fevereiro com o "sim" de 78,3% do total de eleitores, enquanto 8,11% votou no "não".

"Não é (uma sociedade) contrarrevolucionária. (...) Não vê o governo como algo que tem que derrubar, mas tampouco o vê como reagindo adequadamente. E agora pode dizer isso pela Internet", completa Alzugaray.

Segundo o analista, hoje "tem uma sociedade civil que o governo não reconhece como tal, mas que está ali. E tem páginas na web, e pressiona, e fala (...) É um desafio para o aparato estatal cubano que nunca jogou esse jogo".

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