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Argélia entra na era pós-Bouteflika em meio a incertezas

03/04/2019 16h11

Argel, 3 Abr 2019 (AFP) - A Argélia entrou na quarta-feira (3) em uma nova era cheia de incertezas, depois de mais de um mês de protestos e da renúncia do presidente Abdelaziz Bouteflika.

Um dia depois do terremoto político e de algumas celebrações noturnas, Argel, a capital, estava tranquila hoje. Uma nova manifestação está prevista para esta sexta, como vem acontecendo todo final da semana desde 22 de fevereiro.

Diante do inédito movimento popular, Bouteflika, de 82 anos, tentou se manter no poder até o fim, mas acabou renunciando na terça à noite, poucas horas depois de o Exército desafiá-lo abertamente.

Em carta publicada nesta quarta pela agência oficial APS, o presidente pediu perdão aos argelinos, embora tenha assegurado que governou com "sinceridade e lealdade".

"Deixo a cena política sem tristeza, nem medo pelo futuro do nosso país", explica Bouteflika na carta, na qual pede aos seus concidadãos a "seguirem unidos, a não se deixarem dividir".

Nesta quarta, o Conselho Constitucional da Argélia aceitou sua renúncia e constatou o "vácuo de poder definitivo na Presidência da República", noticiou a televisão nacional.

Ontem à noite, a emissora havia divulgado imagens de um Bouteflika aparentando cansaço e que entrega sua carta dentro de um envelope com os símbolos da Presidência ao presidente do Conselho Constitucional, Tayeb Belaiz.

Esta decisão "se destina a contribuir para o apaziguamento dos corações e dos espíritos dos nossos compatriotas, para lhes permitir projetar juntos a Argélia para um futuro melhor", disse o chefe de Estado em sua carta, publicada pela agência oficial de notícias APS.

A Constituição estabelece que deve substituir como presidente Abdelkader Bensalah, de 77 anos, o atual presidente do Conselho da Nação (Câmara Alta), por um período máximo de 90 dias. As eleições deverão ser organizadas nesse intervalo.

Bouteflika "nunca teria imaginado sair de cena de uma maneira tão desoladora", escreveu o jornal "O Watan", segundo o qual o Exército "não tinha outro remédio" a não ser deixar de apoiá-lo.

"O Tsunami do movimento popular restitui o poder do povo", afirma o jornal "O Khabar", acrescentando que a Argélia "vira uma longa página de sua história contemporânea".

- Buzinas e comemorações -Na noite de terça-feira, ouviam-se, em Argel, as buzinas dos carros para celebrar a saída de Bouteflika. Os manifestantes se reuniram no Grande Poste, um emblemático prédio da cidade.

Durante mais de um mês, milhões de manifestantes de todo país pediram, pacificamente, que o presidente deixasse o poder e, progressivamente, a de todo seu entorno e do que chamam "sistema".

A maioria dos argelinos, com os quais a AFP conversou, reiterou sua determinação em continuar protestando, apesar da renúncia do presidente.

"Temos que continuar atentos. Aproveitamos o momento, mas não nos esquecemos do essencial. O sistema e seus tentáculos mafiosos têm que ir embora, por isso, as manifestações vão continuar", disse Fadhéla Amara, de 69 anos, acompanhada de seu neto de dez anos.

Outros prestaram uma homenagem a Bouteflika, mas lamentaram sua tentativa de se manter no poder a qualquer preço. Muitos atribuem essa postura a seu irmão e principal conselheiro, Said.

Na segunda-feira, a Presidência havia assegurado em um comunicado que o chefe de Estado deixaria o cargo antes do fim de seu mandato, em 28 de abril, após ter tomado "medidas para assegurar a continuidade do funcionamento das instituições".

Na terça, porém, depois de uma reunião de alto comando do Exército, o chefe do Estado-Maior, o general Ahmed Gaid Salah, disse que esse comunicado não era iniciativa do chefe de Estado, mas de "entidades não constitucionais e não habilitadas", uma alusão ao entorno do presidente.

"Esta aceleração dos acontecimentos (...) mostra a quebra de confiança entre o Exército e o setor presidencial", explica Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisa do Mundo Árabe e Mediterrâneo, em Genebra.

"A saída de Bouteflika deixa o campo livre para dois atores: a instituição militar e as ruas (...) É uma primeira vitória [para o Exército] mas não é definitiva porque a transição política é o desafio mais importante", acrescentou.

Ontem, a França, que foi potência colonial na Argélia, disse confiar "na capacidade de todos os argelinos de seguirem esta transição democrática com o mesmo espírito".

Já a Rússia, um aliado próximo da Argélia, garantiu nesta quarta que espera que a transição não tenha "nenhuma repercussão" em suas relações com o país e advertiu contra qualquer tentativa de "ingerência" externa.