Irã suspende alguns compromissos do acordo nuclear
Teerã, 8 Mai 2019 (AFP) - O Irã anunciou nesta quarta-feira que deixará de aplicar alguns compromissos do acordo internacional sobre seu programa nuclear de 2015, em resposta à decisão unilateral dos Estados Unidos de abandonar o pacto no ano passado e restabelecer sanções.
Teerã ameaçou renunciar a outros compromissos caso os demais países signatários do acordo não encontrem uma solução em um prazo de 60 dias para aliviar os efeitos das sanções americanas contra o Irã, em particular nos setores petroleiro e bancário.
O anúncio acontece em um momento de grande tensão entre Irã e Estados Unidos, que anunciou na terça-feira o envio de bombardeiros B-52 ao Golfo.
Washington transformou Teerã em seu inimigo número um no Oriente Médio. O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, fez uma visita surpresa a Bagdá na terça-feira e acusou o governo do Irã de preparar "ataques iminentes" contra as forças dos Estados Unidos.
A partir desta quarta-feira, o Irã suspende o compromisso de limitar seu estoque de água pesada e urânio enriquecido estipulado no acordo concluído em Viena em 2015, que limitava drasticamente seu programa nuclear.
"A República Islâmica do Irã não se considera neste momento obrigada a respeitar as restrições que dizem respeito às reservas de água pesada e urânio e enriquecido", afirmou o Conselho Superior de Segurança Nacional em um comunicado.
O presidente Hassan Rohani destacou que as medidas estão em conformidade com o acordo de Viena, que permite às partes suspender parcial ou totalmente alguns de seus compromissos em caso de descumprimento por outra parte.
- "Operação cirúrgica" -O acordo "precisava sofrer uma operação cirúrgica depois que um ano de sedativos não produziu nenhum efeito", declarou Rohani em uma metáfora médica.
"Esta operação cirúrgica pretende salvá-lo, não destruí-lo", insistiu.
A decisão foi informada oficialmente nesta quarta-feira aos embaixadores dos países que ainda integram o acordo: Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha.
O emissário americano para o Irã, Brian Hook, alertou que seu país "nunca será refém da chantagem nuclear do regime iraniano".
Ele também destacou que os anúncios de Teerã sobre um possível aumento de seu plano nuclear é "contrário às normas internacionais".
O presidente russo Vladimir Putin denunciou nesta quarta-feira a "pressão irracional" sofrida pelo Irã em consequência das "decisões impensadas e arbitrárias", que provocam "medidas irritantes", afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Ele ressaltou que a Rússia permanece "comprometida" com o acordo nuclear iraniano.
A China considera que "manter e aplicar o acordo é responsabilidade de todas as partes", segundo o porta-voz da diplomacia chinesa, Geng Shuang.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, espera que o acordo nuclear com o Irã possa ser preservado, disse nesta quarta-feira seu porta-voz, Farhan Haq.
Ele lembrou que Guterres sempre elogiou o acordo, considerado "uma conquista importante em não-proliferação nuclear e diplomacia e (que) contribuiu à paz e segurança regional e internacional ".
Guterres "espera fortemente que o (acordo) possa ser preservado", acrescentou.
Israel, grande inimigo de Teerã e do acordo, afirmou que não permitirá que o Irã produza armas nucleares.
"Esta manhã, em minha caminhada até aqui escutei que o Irã pretende continuar com seu programa nuclear. Não permitiremos que o Irã produza armamento nuclear", afirmou o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu durante um evento em memória dos israelenses mortos em guerras e em atentados.
Também validado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, o acordo permitiu ao Irã obter uma suspensão parcial das sanções internacionais contra o país.
Em troca, Teerã aceitou limitar de maneira drástica seu programa nuclear e se comprometeu a nunca tentar produzir armamento atômico.
Mas por considerar que o acordo não oferecia garantias suficientes, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retirou seu país do acordo há exatamente um ano e restabeleceu as sanções contra Teerã.
A medida afetou duramente a economia do país e as relações comerciais da República Islâmica com os outros países envolvidos.
Os europeus, a China e a Rússia decidiram manter o compromisso, mas se mostraram incapazes de respeitar a promessa de permitir que o Irã se beneficiasse das vantagens econômicas do acordo.
O Conselho Supremo de Segurança Nacional iraniano estabeleceu prazo de 60 dias a estes países para que "cumpram com seus compromissos, em particular nos setores petroleiro e bancário".
A União Europeia tentou criar um mecanismo para permitir ao Irã que continuasse fazendo negócios com suas empresas.
- Pouco tempo -"Se ao final deste prazo estes países não forem capazes de responder às exigências do Irã, Teerã deixará então de respeitar as restrições que se impôs sobre o nível de enriquecimento de urânio, assim como sobre as medidas relativas à modernização do reator de água pesada de Arak", na região central do país.
O Conselho afirmou que as medidas anunciadas podem ser revisada "a qualquer momento", caso as exigências do Irã sejam levadas em consideração.
"Mas se após 120 dias não chegarmos a um resultado, tomaremos outra medida", disse Rohani, sem revelar detalhes.
"A janela que está aberta agora para a diplomacia não permanecerá deste modo por muito tempo. A responsabilidade do fracasso e suas prováveis consequências recaem por completo aos Estados Unidos e às outras partes do acordo", acrescentou Teerã.
O anúncio do Irã não munda o regime de inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no país.
A AIEA, órgão da ONU com sede em Viena, é responsável por supervisionar a aplicação do acordo por parte de Teerã através de importantes meios técnicos e humanos na República Islâmica.
Este regime de inspeções segue essencialmente o Protocolo Adicional ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que Teerã aceitou assinar novamente no âmbito do acordo, depois de sua saída em 2006.
Enquanto o Irã não modificar sua posição a respeito deste protocolo, as inspeções dos especialistas da AIEA não mudarão, segundo o texto.
A AIEA certificou até o momento que Teerã respeitava seus compromissos, segundo o acordo.
Neste sentido, o Irã limitou seu estoque de água pesada ao máximo de 130 toneladas e suas reservas de urânio enriquecido (UF6) a 300 kg. Além disso, o país deixou de enriquecer urânio em um percentual superior a 3,67%.
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