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Covid-19 causa estragos nas zonas rurais da Índia, pobre e sem remédios

Mulher chora ao ver o corpo de seu filho que morreu devido à covid-19, fora de um necrotério de um hospital em Nova Delhi, Índia - Adnan Abidi/Reuters
Mulher chora ao ver o corpo de seu filho que morreu devido à covid-19, fora de um necrotério de um hospital em Nova Delhi, Índia Imagem: Adnan Abidi/Reuters

Da AFP, em Unnao (Índia)

14/05/2021 12h56Atualizada em 14/05/2021 13h27

Nas áreas rurais da Índia, castigadas pela pobreza e pela escassez de medicamentos, o coronavírus está causando estragos, obrigando muitos a abandonarem seus mortos nos rios, enquanto os doentes tentam se curar com infusões de ervas.

Kidwai Ahmad, da aldeia de Sadullahpur, no grande estado de Uttar Pradesh (norte), conta que a situação é "desastrosa" em seu distrito, duramente atingido pela pandemia da covid-19.

"Cercadas por tanta pobreza, as pessoas sequer conseguem se permitir ter cremações decentes. Então, muito frequentemente, amarram grandes pedras nos corpos e os jogam no rio", relata Ahmad em conversa com a AFP por telefone.

"Outros nem se preocupam em fazê-los pesar com pedras e jogam como estão. Virou algo comum aqui", acrescenta.

"[Outros] se contentam em enterrar seus mortos em covas rasas e nem se preocupam em esperar para ver se os corvos, ou os cães apareceram para comê-los", completa.

No mês passado, nenhuma equipe médica foi à sua aldeia.

Os doentes ficam em casa, curando-se com "infusões de ervas", diz ele.

E, quando têm condições de ir a uma das clínicas, descobrem, ao chegar lá, que não há leitos e que também faltam oxigênio e remédios.

"Deixamos as pessoas morrerem", desabafa. "Esta é a Índia que escondemos de todos".

Na falta de médico, funcionários de farmácia

Nos últimos dias, mais de 100 corpos acabaram nas margens do Ganges, o que leva a crer que a situação em outras partes do país é igualmente desastrosa.

Em Unnao, também em Uttar Pradesh, dezenas de mortos foram enterrados em sepulturas de areia muito rasas, às margens deste rio, sagrado para os hindus.

As autoridades negam que haja falta de madeira, e o governo estadual insiste em que está conduzindo uma "campanha implacável e agressiva para encontrar, submeter a testes e tratar os doentes de covid-19".

No distrito de Bhadohi, Vinod Pandey, um funcionário público de 45 anos, que ainda se recupera da covid-19, lamenta "a bagunça" nos estabelecimentos médicos. Em sua aldeia, o número de mortos cresce sem parar.

"Todo mundo [...] parece estar doente", afirma ele.

Ajay Singh Yadav, de 40 ano, comenta que, em sua aldeia, eles tratam a covid-19 como se fosse "uma infecção viral banal".

"Não tem nenhum médico disponível no estabelecimento médico e, em grande medida, são os funcionários das farmácias que tratam a doença nas aldeias", explicou à AFP.

"As pessoas descrevem seus sintomas, e os balconistas das farmácias lhes dão remédios com base no que deduzem", completa.

"Vivemos com medo"

No estado vizinho de Bihar, Guddu Khan tinha febre, tosse e dores no corpo. Por quase uma semana, foi atendido por um médico "jhola chhapp" ("amador"), que não tinha um único equipamento médico.

De acordo com Arman Khan, um parente seu, "centenas de pessoas de dezenas de aldeias vizinhas que apresentam sintomas de covid-19 consultam [um curandeiro]".

Nas regiões rurais da Índia, é muito comum que as pessoas confiem sua saúde a centenas de milhares de médicos não credenciados, que exercem a prática sem titulação.

Pela falta de testes e por um diagnóstico errado, agora Guddu Khan, na casa dos 40 anos, encontra-se em estado muito grave no hospital.

De acordo com Anant Bhan, um pesquisador de saúde pública e bioética em Bhopal, porém, quando as equipes médicas visitam as aldeias, muitos dos moradores se mostram desconfiados em relação aos testes de diagnóstico.

"Temos que intensificar os exames de detecção, fazer uma campanha de informação e que as comunidades cooperem com os profissionais de saúde", defende o pesquisador.

Enquanto isso, um desses moradores, Umesh Yadav, declara à AFP com voz trêmula: "vivemos com medo".