Ocidente x russos: Como Gorbachev mudou o curso da história
Mikhail Gorbachev, que morreu nesta terça-feira (30) aos 91 anos, mudou o curso da história ao desmantelar a União Soviética (URSS), o que rendeu a ele respeito no Ocidente e o desprezo de muitos russos.
Ao lançar reformas para alcançar a "glasnost" (abertura) e a "perestroika" (reestruturação), Gorbachev desencadeou inadvertidamente as forças que levaram à dissolução da URSS e à sua destituição do poder.
Reverenciado no Ocidente por defender a liberdade e a mudança em uma época em que muitos pensavam que a Guerra Fria nunca terminaria, Gorbachev tornou-se uma figura odiada por muitos russos que o consideravam responsável pela destruição do outrora poderoso império soviético.
Enquanto estava no poder, muitas vezes optou pela paz ao invés do confronto, acelerando o degelo dos laços com o Ocidente graças às suas estreitas relações com líderes como o chanceler alemão Helmut Kohl e o presidente americano Ronald Reagan.
Uma lembrada frase da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher resume como era visto do outro lado da Cortina de Ferro: "Gosto de Gorbachev. Podemos fazer negócios juntos".
Mas quanto mais ele afrouxava as rédeas durante seu mandato (1985-1991), mais foi ofuscado pelo enérgico Boris Yeltsin, então um comunista em ascensão.
Quando a URSS entrou em colapso em 1991, Gorbachev já era irrelevante.
Ventos de mudança
Nascido em 2 de março de 1931 em uma família de camponeses na região de Stavropol, no sul da Rússia, Gorbachev cresceu com as dificuldades da Segunda Guerra Mundial e o governo repressivo do ditador Joseph Stalin, cujo regime condenou seu avô a nove anos em um campo de trabalho.
Desde pequeno, Gorbachev era brilhante e trabalhador. Aos 16 anos, recebeu a Bandeira Vermelha do Trabalho por ajudar com uma colheita recorde e, em 1950, conseguiu uma cobiçada vaga na Universidade Estatal de Moscou para estudar direito.
Cinco anos depois, o ambicioso graduado e sua jovem esposa Raisa retornaram a Stavropol, onde iniciou uma rápida ascensão nas fileiras do Partido Comunista, tornando-se o membro mais jovem do Politburo, aos 49 anos, em 1979.
Seis anos depois, assumiu o maior Estado do mundo e a segunda superpotência ao ser eleito secretário-geral do Partido Comunista em 1985.
Aos 54 anos e cheio de novas ideias, Gorbachev era um contraste marcante com os anciãos ideológicos que até então controlavam o Kremlin.
Sua política externa abalou a ordem mundial. Ele desativou o conflito nuclear entre os Estados Unidos e a URSS com acordos de desarmamento, retirou as tropas soviéticas do Afeganistão e afrouxou as rédeas dos países satélites do Leste Europeu.
Na Rússia, a perestroika e a glasnost provocaram ondas sísmicas. Dezenas de milhares de presos políticos foram libertados, entre eles o cientista e dissidente Andrei Sakharov.
Fim de uma era
Mas Gorbachev foi acumulando nuvens cinzentas. Sua tentativa em 1985 de reprimir o abuso crônico de álcool foi um desastre, minando o orçamento do Estado e ganhando o ódio dos camponeses amantes da bebida.
Seu incentivo à liberdade acelerou a desintegração do multiétnico império soviético.
Das repúblicas bálticas ao Cáucaso e à Ásia Central, movimentos de independência e lutas interétnicas abalaram a aparentemente invencível estrutura soviética, enquanto a glasnost trouxe uma onda de revelações vergonhosas sobre o passado sombrio da União Soviética.
Em 1989, os países do Leste Europeu derrubaram seus governos comunistas e o Muro de Berlim foi ao chão.
Em 1990, Gorbachev foi eleito o primeiro e último presidente da União Soviética, mas em poucos meses teve que enfrentar uma revolta dos comunistas linha-dura.
Um golpe de Estado em agosto de 1991 falhou, mas foi o desafiador Boris Yeltsin quem enfrentou os rebeldes e virou um herói nacional, enquanto Gorbachev estava sob prisão domiciliar na Crimeia.
Pouco depois, a União Soviética desapareceu e com ela o poder de Gorbachev.
Em um artigo publicado em 2016, ele admitiu sua parcela de responsabilidade pelo colapso do mundo soviético.
"Mas minha consciência está limpa", escreveu ele em um jornal russo. "Defendi a União até o fim por meios políticos."
Diante do ostracismo na Rússia, ganhou o Nobel da Paz em 1990, percorreu o mundo dando palestras, apoiou causas ambientais e realizou campanhas de arrecadação de fundos para sua fundação.
Sentimentos mistos com Putin
Em 1996, ele concorreu à presidência, mas recebeu apenas 0,5% dos votos nas eleições vencidas por Yeltsin. No entanto, manteve alguma influência através do jornal Novaya Gazeta, do qual era um dos proprietários.
Enquanto Putin se afirmava no poder, Gorbachev parecia dividido entre a preocupação pela repressão às liberdades civis sob o antigo agente da KGB e o respeito pelo ressurgimento da Rússia na cena internacional.
Ao completar 80 anos, em 2011, Gorbachev criticou o que considerava uma "imitação" da democracia na Rússia.
Mas em 2014 apoiou Putin na anexação da península ucraniana da Crimeia e reprovou o Ocidente por sua "euforia e triunfalismo" após o colapso da URSS.
Ao longo dos anos, foi reduzindo suas aparições públicas, mas continuou defendendo as causas que defendeu por toda a vida.
Foi contundente quando Donald Trump anunciou em 2018 que os Estados Unidos se retirariam do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário que Gorbachev negociou com Reagan em 1987.
"Um grande perigo (...) agora paira sobre tudo o que conquistamos nos anos desde o fim da Guerra Fria", escreveu ele no jornal Vedomosti. No entanto, permanecia esperançoso.
"A política, não as armas, é a chave para resolver os problemas de segurança", afirmou Gorbachev.
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