'Levem o que puderem': o que explica onda de saques que apavora a Argentina
Uma série de saques a supermercados e lojas na Argentina, supostamente organizados por grupos de bairros populares, deixou quase 200 detidos e alimenta o debate político em meio a uma disparada inflacionária a 60 dias das eleições gerais de outubro.
O que aconteceu?
Os incidentes ocorreram na semana passada. Grupos supostamente convocados pelas redes sociais forçaram a entrada em supermercados e outros estabelecimentos. Roubaram e causaram destruição nas províncias de Buenos Aires, Mendoza, Córdoba, Neuquén e Río Negro.
Uma loja na capital também foi alvo de um ataque, que conseguiu ser repelido por vizinhos. De acordo com relatórios oficiais divulgados em entrevistas coletivas, foram 150 tentativas de saques e 94 pessoas detidas em bairros da periferia da capital.
Em Mendoza, foram 66 presos. "São criminosos que agem de forma organizada, com a participação de menores de idade", segundo o comunicado do governo. O promotor de Córdoba, Ernesto de Aragón, informou que "foram presas 23 pessoas por diversos ataques a comércios".
Também foram registradas mais de uma dezena de detenções em Neuquén e Río Negro.
A quem atribuem os ataques?
Raúl Castells, antigo dirigente de movimentos sociais grevistas e pré-candidato presidencial, disse ao canal TV Crónica: "Eles estão saindo em busca de comida e se não encontrarem comida, nós, que somos os que estamos convocando isso (saques), estamos dizendo a eles que, sem roubar dinheiro ou quebrar nada, levem o que puderem para trocar por comida".
Embora isolados, os acontecimentos remetem aos saques violentos registrados durante os governos dos social-democratas Raúl Alfonsín, em 1989, e Fernando de la Rúa, em 2001.
Segundo o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, "moradores e moradoras não participaram em massa nisso", destacando que "muitos moradores tentaram impedir que os violentos realizassem essas ações". A equipe de checagem da AFP também identificou a circulação de vídeos, nas redes sociais, de saques que não correspondem ao momento atual.
Qual foi a reação do governo e da oposição?
"Preservem a paz social". O presidente peronista Alberto Fernández, que não concorre à reeleição, considerou os saques "fatos organizados", pediu para "cuidar da convivência democrática" e prometeu cuidar "dos problemas dos argentinos e suas rendas", mas lhes pediu "que preservem a paz social, por favor".
"Democracia". Sua porta-voz, Gabriela Cerruti, disse à imprensa que os candidatos opositores Javier Milei (extrema direita) e Patricia Bullrich (direita) "constroem seu discurso público com base no desejo que têm de que a democracia se desestabilize".
"Trágico". Já para Milei, o candidato mais votado nas primárias de 13 de agosto (30% dos votos), "é trágico ver novamente depois de 20 anos as mesmas imagens de saques que vimos em 2001. Pobreza e saques são duas faces da mesma moeda", compartilhou nas redes sociais. Bullrich, que ficou em segundo lugar (27%), disse à rádio Rivadavia: "Precisamos de ordem e restaurar a autoridade".
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Inflação e índice de pobreza. Com uma das inflações mais altas do mundo — mais de 100% em comparação ao mesmo período no ano anterior —, a Argentina vê o índice de pobreza chegar a 40%.
Uma desvalorização de 21% foi acordada com o Fundo Monetário Internacional para desbloquear os desembolsos de um programa de crédito de US$ 44 bilhões (R$ 217 bilhões na cotação atual), disse o ministro da Economia e candidato presidencial pró-governo, Sergio Massa.
Seguiu-se também uma enxurrada de reclamações da população após a revisão dos preços em 30%. O custo de vida também deve se elevar entre agosto e setembro.
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