Multinacionais e paramilitares: uma aliança pouco investigada na Colômbia

Em um julgamento histórico, a justiça dos Estados Unidos responsabilizou na segunda-feira (10) a empresa de bananas Chiquita Brands por financiar paramilitares na Colômbia. O veredicto contrasta com o pouco progresso da justiça colombiana sobre as supostas relações entre multinacionais e esses esquadrões de extrema direita.

O júri convocado por um tribunal federal da Flórida concedeu uma indenização de US$ 38,3 milhões (cerca de R$ 205 milhões) aos familiares de oito vítimas das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), responsáveis por centenas de assassinatos na região de Urabá (noroeste).

Embora a Chiquita Brands afirme que foi vítima de extorsões, com seu dinheiro os paramilitares semearam terror durante os anos 90 e início do século na Colômbia.

Coca-Cola, a petrolífera BP e a mineradora Drummond são algumas das empresas denunciadas por possíveis vínculos com esses grupos armados, embora todas rejeitem essas alegações.

"Por que a justiça dos Estados Unidos pôde determinar em verdade judicial que a Chiquita Brands financiou o paramilitarismo? [...] Por que a justiça colombiana não pôde?", questionou na rede social X o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que denunciou insistentemente as atrocidades cometidas pelos paramilitares em sua luta contra as guerrilhas de esquerda.

- Sem precedentes -

Petro clamou pela criação de um "tribunal de conclusão" para esses casos, permeados por interesses poderosos.

Em Apartadó, um município de Urabá, famílias aplaudiram o veredicto contra a Chiquita.

Meu "filho foi desaparecido" pelas AUC, "não vão devolvê-lo, mas pelo menos me sinto tranquila [...] pelo menos alguém dá uma resposta", comentou à AFP Miriam Castillo, mãe de um jovem de 20 anos vítima dos paramilitares.

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Segundo a EarthRights, a ONG que representou as vítimas em um tribunal da Flórida, "é a primeira vez que um júri americano responsabiliza uma grande corporação por sua cumplicidade em graves abusos de direitos humanos em outro país".

A Chiquita teria pago aos paramilitares "três centavos de dólar por caixa [de banana] exportada", segundo o defensor dos direitos humanos e ex-diretor da estatal Agência Nacional de Terras da Colômbia, Gerardo Vega.

- Carvão e fuzis -

No passado, outras demandas similares foram rejeitadas pela justiça americana.

Em 2009, um juiz de Miami decidiu contra o Sinaltrainal, um sindicato de trabalhadores de uma filial colombiana da Coca-Cola, que denunciou a gigante dos refrigerantes por financiar paramilitares que assassinaram três de seus integrantes.

Segundo o juiz, os demandantes não conseguiram provar os vínculos da Coca-Cola com o grupo armado e os fatos ocorreram muito longe da jurisdição dos Estados Unidos.

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Em 2020, a ONU condenou a Colômbia por não fornecer "um recurso judicial efetivo" para esclarecer os autores intelectuais do assassinato de Adolfo Munera, integrante do Sinaltrainal baleado em 2002.

A justiça dos EUA também rejeitou em 2015 uma denúncia contra a mineradora americana Drummond por possível financiamento de paramilitares, em um caso que evoluiu na justiça colombiana.

O Ministério Público já acusou dois diretores da empresa na Colômbia por terem financiado atores armados em troca de vigilância das explorações de carvão no norte do país. O juiz que conduz o processo ainda não deu um veredicto.

Após sua desmobilização em 2005, integrantes das AUC testemunharam sobre seus supostos vínculos com a Drummond e a mineradora suíça Glencore, que operou na Colômbia por meio de uma subsidiária chamada Prodeco.

- Sindicalista raptado -

Em 2002, o sindicalista colombiano Gilberto Torres foi sequestrado e torturado por 47 dias por paramilitares no departamento de Casanare (leste).

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Torres havia liderado uma greve em um campo explorado em parte pela Ocensa, uma filial colombiana da gigante petrolífera britânica BP.

Em 2015, ele denunciou a BP perante a justiça britânica por sua suposta responsabilidade no ataque. O caso teve poucos avanços e um ano depois Torres desistiu de sua causa alegando falta de recursos financeiros.

Na Colômbia, a justiça condenou um paramilitar conhecido como Solin pelo sequestro. Em sua decisão, o juiz determinou que existem "elementos de julgamento suficientes" sobre "a participação da multinacional Ocensa no rapto".

A empresa não foi levada a julgamento na Colômbia por esses fatos.

"Resta aos juízes colombianos condenarem as empresas que, como a Chiquita", financiaram paramilitares, clamou Gerardo Vega.

jss/das/dga/am

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© Agence France-Presse

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