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Organizações pedem explicação de Bolsonaro sobre monitoramento de protestos

AFP
Imagem: AFP

Vinícius Passarelli

São Paulo

29/10/2019 19h25

Mais de 30 organizações da sociedade civil cobram explicações do presidente Jair Bolsonaro sobre sua declaração dada na última quarta-feira, 23, de que acionou o Ministério da Defesa para monitorar possíveis protestos no Brasil, semelhantes aos que ocorrem atualmente no Chile. Bolsonaro disse ainda que, se preciso, pode acionar as Forças Armadas.

As entidades enviaram um ofício à Procuradoria dos Direitos do Cidadão, protocolando um pedido de explicações ao Poder Executivo. De acordo com o documento, o teor da declaração de Bolsonaro pode significar uma ameaça a direitos fundamentais previstos na Constituição, como "direitos à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas, assim como as liberdades de reunião e de manifestação do pensamento".

"Ele diz que ativou o Ministério da Defesa para fazer esse monitoramento, no entanto, não explica de que maneira isso está sendo feito", afirmou Ricardo Borges Martins, coordenador-executivo do Pacto pela Democracia, uma coalizão que representa mais de 130 organizações da sociedade civil que atuam na defesa de direitos humanos e democracia no Brasil. "É difícil de se pensar que esse monitoramento aconteça sem um potencial de cerceamento de liberdades e privacidade. A gente quer a garantia de que a Constituição e nossos direitos individuais sejam cumpridas", disse.

Na semana passada, Bolsonaro afirmou que se "preparou" e que conversou sobre as manifestações no Chile com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, pedindo que seja feito um monitoramento sobre possíveis protestos no Brasil. Segundo o presidente, o ministro informou os comandantes das Forças Armadas sobre as preocupações do governo de que movimentos semelhantes ganhem força no Brasil.

"A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles (integrantes das Forças Armadas) venham a ser convocados por um dos três Poderes", disse Bolsonaro a jornalistas durante visita a Tóquio, na última quarta-feira, 23. O referido artigo dispõe sobre as atribuições das Forças Armadas e prevê que elas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Há 11 dias, o Chile vive uma onda de protestos nas principais cidades do país, que já resultaram na morte de 20 pessoas, com mais de mil feridos e cerca de 3 mil detidos. Em resposta, o presidente Sebastián Piñera, aliado de Bolsonaro, trocou oito ministros de seu gabinete e suspendeu o estado de emergência no país.

Procuradoria

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão afirmou que recebeu nesta segunda-feira, 28, o ofício e "entende como legítima a preocupação das entidades da sociedade civil signatárias". O órgão ainda disse que "acompanha a questão e indícios de ameaça ao exercício de direitos expressos no art. 5º da Constituição resultarão em pronta atuação por parte do Ministério Público Federal".

Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa não respondeu aos questionamentos.

Confira o documento enviado à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão:

Brasília, 24 de outubro de 2019.

A Sua Excelência a Senhora

DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA

Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão

Setor de Administração Federal Sul

Brasília/DF

Ref.: Possível restrição a direitos fundamentais

Excelentíssima Senhora Procuradora,

Com surpresa e extrema preocupação, as entidades e iniciativas signatárias tomaram conhecimento de que o Exmo. Sr. Presidente da República teria solicitado ao Ministério da Defesa que monitore a possibilidade da ocorrência de protestos no país, a fim de que sejam acionadas as Forças Armadas para reprimi-los.

Conforme noticiado em diversos veículos de imprensa, o Presidente proferiu ontem (23/10), durante viagem à Ásia, as seguintes declarações públicas:

"Nós nos preparamos. Conversei com o ministro da Defesa sobre a possibilidade de ter movimentos como tivemos no passado, parecidos como o que está acontecendo no Chile. A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição Federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles venham a ser convocados por um dos três Poderes".

O teor dessas declarações é profundamente inquietante, na medida em que - a depender do modo de execução das determinações presidenciais - pode-se configurar grave comprometimento de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.

Causa especial apreensão a possibilidade de violação das garantias expressas nos incisos IV, X e XVII do artigo 5º da Constituição Federal, que resguardam os direitos à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas, assim como as liberdades de reunião e de manifestação do pensamento.

Diante, portanto, do potencial gravoso para direitos fundamentais das medidas em possivelmente em curso, as entidades e iniciativas signatárias exortam esta Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão a adotar as medidas que considere mais adequadas para preservação das referidas garantias basilares de nosso Pacto Fundamental, sem prejuízo das que se orientem a solicitar dos órgãos e autoridades competentes informações sobre eventuais providências adotadas por determinação do Exmo. Sr. Presidente da República e que se relacionem com as declarações acima transcritas.

Ações governamentais de monitoramento e controle podem eventualmente ultrapassar os limites legais e comprometer aspectos relevantes da atuação de indivíduos e associações legitimamente constituídas. As organizações e iniciativas signatárias rogam, portanto, a esse órgão ministerial para que, na condição de fiscal da Lei, intervenha para afastar qualquer possibilidade de dano às referidas garantias constitucionais.

Certas do empenho de Vossa Excelência para dar concretude aos direitos e garantias fundamentais, as organizações e iniciativas signatárias apresentam sinceros protestos de elevada estima e consideração.

Respeitosamente,

1. 342 Artes

2. Artigo 19

3. Atados

4. Bancada Ativista

5. BrCidades

6. Casa Fluminense

7. Conectas Direitos Humanos

8. Congresso em Foco

9. DEFEMDE - Rede de Juristas Feministas

10. Delibera Brasil

11. Frente Favela Brasil

12. Fundação Avina

13. Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero

14. Goianas na Urna

15. Imargem

16. INESC

17. Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD

18. Instituto de Desenvolvimento Social Baiano

19. Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

20. Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial

21. Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social

22. Mapa Educação

23. Movimento Acredito

24. Movimento Voto Consciente

25. Nossas

26. Pacto - Org. Regenerativas

27. Plataforma dos Movimento Sociais pela Reforma do Sistema Político

28. Rede Justiça Criminal

29. TETO

30. Transparência Brasil

31. Transparência Capixaba

32. UneAfro Brasil

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.