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'Explosão de casos em Manaus é de nova cepa', aponta epidemiologista

14 jan. 2021 - Médicos chegando ao Hospital Getulio Vargas, em Manaus, com paciente infectado pelo novo coronavírus  - BRUNO KELLY/REUTERS
14 jan. 2021 - Médicos chegando ao Hospital Getulio Vargas, em Manaus, com paciente infectado pelo novo coronavírus Imagem: BRUNO KELLY/REUTERS

Giovana Girardi

São Paulo

15/01/2021 13h00

Eram 19 horas da quarta-feira, 13 quando o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, divulgou um alerta nas redes sociais, para órgãos do governo e até para a Câmara e o Senado. Manaus, segundo ele, tinha se tornado a "capital mundial da pandemia de covid-19".

No alerta, Orellana adverte: "o caos sanitário e humanitário em que a cidade mergulhou durante a segunda onda, traduzido pelo pico explosivo de mortalidade e de internações em leitos clínicos e de UTI no início de janeiro, não deixa qualquer dúvida sobre a extensão da tragédia anunciada." Foi o 13º alerta que ele divulgou desde agosto.

Na manhã desta quinta-feira, 14, Orellana viu seus temores se concretizando. Por pelo menos cinco horas, boa parte dos hospitais da cidade ficou sem oxigênio e pacientes morreram asfixiados. "Leitos viraram câmaras de asfixia", comparou.

Em entrevista ao Estadão, o pesquisador afirmou que desde agosto havia sinais de que a situação ia piorar se não fosse interrompida a circulação do vírus. Ele criticou a divulgação de um estudo segundo o qual Manaus poderia ter atingido a imunidade de rebanho. E afirmou que uma nova cepa do coronavírus, identificada em turistas japoneses após viagem à Amazônia, é a explicação mais plausível para a explosão atual de casos.

Você vem defendendo há meses que Manaus deveria decretar um lockdown. Como anteviu tão cedo o colapso de ontem?

Começamos a visualizar os primeiros sinais da segunda onda na primeira quinzena de agosto. A curva (de óbitos) estabilizou e começou a subir. Muitos ignoraram. Em setembro a situação piorou. Estávamos em contato com Ministério Público, Defensoria Pública e Secretaria de Saúde e recomendamos o lockdown. Fomos muito criticados mas conseguimos convencer o ex-prefeito (Arthur Virgílio Neto, que propôs a medida ao governador Wilson Lima). Mas não durou 24 horas a decisão. Depois que o presidente Bolsonaro classificou a medida como absurda, o governador a descartou totalmente. E tivemos um agravante sério de má ciência quando pesquisadores publicaram que Manaus tinha atingido a imunidade de rebanho. Fizemos um comentário do artigo apontando os erros, mas ele nunca foi retratado. Isso circulou pelo meio político, nas mesas de bar. A partir dali a população relaxou e o final da história é esse.

Quanto esta cepa do coronavírus identificada em turistas japoneses pode ter colaborado com essa explosão de casos?

Acreditamos que esta nova cepa é a explicação mais plausível para um crescimento tão explosivo. Essa disseminação que estamos vendo só pode ser porque ela se propaga muito mais rapidamente que todas as 11 variantes que circularam antes. E a pior consequência é a possibilidade de se ela disseminar Brasil afora. Estamos mandando o vírus para outros Estados.

Como a notícia chegou a você?

Eu estava trabalhando normalmente quando recebi uma mensagem, depois uma ligação, vídeos, fotos. Era uma avalanche de informações que vinham das pessoas em quem confio, dentro dos hospitais. Pessoas que estavam 20 minutos seguidos em cima dos pacientes, fazendo ventilação manual… Depois de algumas horas os hospitais foram provisoriamente supridos, mas não sabemos como vai ser amanhã. Podemos ter nova avalanche de internações. É um caos absoluto.

Como ficou o clima na cidade?

O governo do estado colocou polícia na frente de hospitais. Dezenas de pessoas foram a óbito em menos de cinco horas. Literalmente os leitos se tornaram câmaras de asfixia. Isso não é uma imagem artística. Essa é uma das maiores tragédias recentes da história da saúde pública mundial.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.