Em dossiê enviado à CPI, funcionários da EBC relatam censura do governo em notícias sobre a pandemia
Um dossiê encaminhado à CPI da Covid acusa a direção da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de censurar informações de interesse público sobre a pandemia de covid-19. O documento de 119 páginas, incluindo anexos, lista episódios nos quais teria ocorrido interferência ilegal no trabalho dos profissionais. Algumas vezes, essas ações ajudaram a reforçar discursos negacionistas. O material foi enviado por servidores públicos ao relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL). A iniciativa foi noticiada pelo portal Metrópoles e confirmada pelo Estadão.
"A Empresa Brasil de Comunicação está sendo usada pelo atual governo federal para disseminar e reforçar narrativas negacionistas e governistas sobre a pandemia, que certamente prejudicaram o combate ao vírus da covid-19", diz o documento, que tem por título "O uso indevido dos meios públicos de comunicação da EBC para difusão de fake news e negacionismo sobre a pandemia de covid-19". "Os veículos públicos da EBC deveriam, neste momento, cumprir sua missão de levar informação de qualidade à população, além de combater fake news, para promover a saúde e preservar vidas."
Renan vai incluir informações do dossiê no relatório final da CPI, segundo a assessoria do senador. A atuação da estatal na pandemia fará parte do capítulo que tratará da desinformação institucional - serão listadas condutas de órgãos públicos que divulgaram fake news sobre a covid-19. São citados no dossiê dados de entidades sindicais e da Frente de Defesa da EBC e da Comunicação Pública. "Fica evidente o uso do aparato público de comunicação pelo governo do presidente Jair Bolsonaro para difusão de fake news e desinformação sobre a gravíssima situação da covid-19 em nosso país", diz o texto.
Em 2020, durante algum tempo, segundo a denúncia, os profissionais de comunicação da EBC não podiam falar na "segunda onda" da pandemia. Essa ordem prevaleceu mesmo quando cientistas já alertavam que uma nova série de infecções viria. Outra determinação foi que fosse enfatizado o "Placar da Vida", criação da Secretaria de Comunicação para enfatizar o número de infectados que se recuperavam. Não deveria haver destaque para as mortes, afirmam os autores da denúncia.
"As equipes das redes sociais da EBC foram proibidas de postar qualquer assunto que tenha viés negativo sobre a pandemia, mesmo aqueles produzidos pela própria casa, como Agência Brasil", afirma o texto. A própria CPI da Covid, segundo a denúncia, foi alvo de proibições da direção da empresa. "Na CPI da Pandemia, os repórteres do radiojornalismo do turno da tarde foram proibidos de cobrir os trabalhos", diz o texto.
Os denunciantes também apontam que profissionais da empresa são proibidos de "citar a polêmica em torno da eficácia da cloroquina em reportagens". O medicamento, de acordo com pesquisas ineficaz contra o coronavírus, é defendido pelo presidente. Segundo o texto, houve censura a "estudo que atestava a ineficácia" da droga.
"Foi censurado na reportagem do radiojornalismo o posicionamento do presidente da Anvisa (Antonio Barra Torres) na CPI, que disse que se arrependeu de ter participado de aglomeração", prossegue a denúncia. "O repórter hoje está sofrendo um processo administrativo por se recusar a gravar o trecho censurado."
O dossiê também denuncia proibição de postar nas redes sociais da EBC a foto da primeira pessoa vacinada no Brasil, em São Paulo, por ter sido "iniciativa do governador João Doria" (PSDB). Segundo a denúncia, quando o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta depôs na CPI, "as reportagens da Agência Brasil e da TV Brasil não mostraram os questionamentos feitos por ele". Também não foi dado destaque à crise do oxigênio em Manaus. Houve, afirmam, censura "até das próprias declarações do presidente Jair Bolsonaro, numa lógica de proteger o presidente dele mesmo. Um exemplo foi o 'e daí?' ao se referir aos primeiros 5 mil mortos pela covid-19".
O Estadão procurou a EBC, para que a direção da empresa se pronunciasse sobre o dossiê. Até a conclusão desta edição, não houve resposta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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