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Governo federal busca destino para lixo radioativo estocado em São Paulo

André Borges

Brasília

03/10/2021 17h00Atualizada em 03/10/2021 17h38

O governo Jair Bolsonaro, que a todo instante repete a promessa de erguer novas usinas nucleares pelo País, corre para encontrar um destino para armazenar nada menos do que 1.179 toneladas de rejeitos radioativos — um lixão nuclear que, para surpresa de muita gente, está hoje guardado em velhos galpões localizados no bairro de Interlagos, na zona sul de São Paulo.

O material não poderá mais ficar no local, que é cercado por prédios residenciais, e terá de ser remanejado. A questão é para onde levar as centenas de tonéis de lata que guardam os rejeitos.

A estatal federal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), responsável pelo lixão radioativo e dona do terreno em Interlagos, já manifestou sua intenção ao Ministério Público Federal de São Paulo de, preferencialmente, enviar o material para a pequena cidade de Caldas, município mineiro de 15 mil habitantes. A INB tem uma base em Caldas e já guarda rejeitos por lá.

Uma segunda opção seria deslocar o lixo perigoso para a estrutura da estatal em Itu (SP).

Só falta combinar com as cidades.

O lixão nuclear da INB virou praticamente um assunto proibido nos dois municípios, que não querem saber de virar depósito de rejeito radioativo. Os prefeitos prometem uma batalha contra a empresa.

"A prefeitura da Estância Turística de Itu, mesmo sem ter sido notificada oficialmente sobre esta intenção da INB, se opõe totalmente ao recebimento do material", disse à reportagem o prefeito Guilherme Gazzola (PL). "As instalações da INB em Itu ficam em um terreno que, em 1991, foi declarado área de proteção ambiental, o que torna a possibilidade da vinda desse material para a cidade ainda mais absurda."

Gazzola diz ainda que, assim como o município mineiro, Itu é uma estância turística e tem neste setor uma de suas principais atividades econômicas.

A vinda de rejeito radioativo só causaria reflexos negativos para Itu, que vive um momento de franco desenvolvimento urbano e econômico. O poder público municipal declara que se mobilizará de maneira rígida para impedir qualquer ação neste sentido.
Guilherme Gazzola, prefeito de Itu

A resistência ao plano da estatal ganha traços ainda mais fortes quando se trata de Caldas. A cidade é o destino preferido da INB, porque já abriga uma boa quantidade do mesmo lixo nuclear em suas dependências.

"A INB nunca respeitou o município e tem uma péssima relação com a cidade. Não há nenhuma transparência sobre nada, sequer nos informam sobre a qualidade da água que tratam aqui. Agora, em vez de fazer o descomissionamento (desmonte) da base deles na cidade, que prometeram, mas não fizeram, querem fazer de Caldas um depósito de rejeito", diz o prefeito Ailton Goulart (MDB).

Para tentar impedir que o plano avance, Goulart diz que vai acionar o governo estadual, INB, Ibama e Ministério de Minas e Energia para tentar derrubar o projeto.

"A INB nunca pagou nenhum royalty pelo que faz no município, isso sem contar que temos um alto índice de câncer na região. A gente sabe que são péssimas as condições de armazenagem aqui, mas eles nem mandam relatórios para nós. Então, não vou aceitar isso de forma passiva. O que eu puder fazer para impedir esse lixo de vir para o município, vou fazer", afirma o prefeito, que é nascido e criado em Caldas.

Contagem regressiva

Sem saber qual será o destino de seu rejeito radioativo, a INB tem de iniciar o plano nos próximos meses, que inclui a preparação de uma área específica, com infraestrutura para guardar esse tipo de material. Seja qual for o destino, a estatal pretende liberar a área de Interlagos até 2025. Para isso, já começou a fazer o processo de descontaminação da área externa do terreno de 60 mil m². Quando liberar o espaço, este será entregue à prefeitura, para uso irrestrito.

Das 1.179 toneladas de rejeitos radioativos guardados nos galpões de Interlagos, 590 toneladas são do material conhecido pelo nome de "Torta II". O restante inclui resíduos e materiais diversos associados a esse produto.

A Torta II é um rejeito extraído no tratamento químico da monazita, um fosfato que combina metais pesados de terras raras, urânio e tório. Esse material pertencia à antiga empresa Nuclemon, a Usina de Santo Amaro, que funcionava em São Paulo até os anos 1980. Com o fechamento, todo seu rejeito foi transferido para a INB, que distribuiu o lixo radioativo entre Caldas e o bairro de Interlagos.

Atualmente, a unidade da INB em Caldas armazena 12.534 toneladas de Torta II, quase 11 vezes o volume guardado nos galpões de Interlagos. A cidade mineira aguarda, na realidade, o desmonte e a retirada do material de seu território, e não o aumento do lixo confinado ali.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.