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Delegado detalha inspeção da Receita que barrou joias de Bolsonaro em Guarulhos

Mario de Marco Rodrigues de Sousa, chefe da Receita Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos - Reprodução
Mario de Marco Rodrigues de Sousa, chefe da Receita Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos Imagem: Reprodução

Adriana Fernandes e André Borges

12/03/2023 09h30Atualizada em 12/03/2023 11h26

A decisão dos auditores da Receita Federal de parar um integrante do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ou qualquer outra pessoa em um desembarque para averiguar o que ela carrega em suas bagagens não é um ato aleatório. Por trás dessa atitude, há um sistema de inteligência e de monitoramento de dados, além do treinamento de toda a equipe de fiscalização.

Em entrevista ao Estadão, o chefe da Receita Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos, delegado Mario de Marco Rodrigues Sousa, detalhou como essa rotina funciona. Era ele quem comandava a área da alfândega no dia 26 de outubro de 2021, quando a comitiva do governo Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no Brasil com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões.

A tarefa dos auditores, explicou De Marco, passa pela utilização de um sistema de inteligência. Na tela, os auditores têm acesso ao perfil de viagem de cada passageiro, o que inclui informações como seus históricos de viagens e volume de bagagens de saída e entrada no País.

Ao todo, mais de 50 variáveis de dados são cruzadas para apresentar uma espécie de ranking daqueles passageiros que devem ser auditados. A alfândega em Guarulhos, incluindo a área administrativa, tem cerca de 200 funcionários, sendo que parte dessa equipe se reveza em quatro turnos de trabalho ininterrupto, cobrindo as 24 horas do dia, em todos os dias da semana.

MONITORAMENTO. O trabalho tem início no momento em que o passageiro embarca em outro país com destino ao Brasil. Ou seja: quando um avião aterrissa em Guarulhos, os auditores da Receita Federal já têm uma lista definida dos passageiros que devem ser fiscalizados. "Antes de o voo pousar, a Receita já sabe quem ela vai fiscalizar ou não daquele voo", disse De Marco.

Diariamente, cerca de 20 mil passageiros de destinos internacionais desembarcam nos terminais do Aeroporto de Guarulhos. Ao recolherem as suas bagagens, os passageiros têm duas opções de saída. Uma é voltada para quem tem bens a declarar que ultrapassem o valor total de US$ 1 mil. Neste caso, é cobrado um imposto equivalente a 50% do valor que será nacionalizado.

INSPEÇÃO. A segunda fila é destinada às pessoas que não têm bens a declarar. Até esse momento, trata-se de uma decisão espontânea do passageiro, de seguir para a fila que quiser. Ao optar pela fila de quem não tem bens a declarar, porém, qualquer passageiro, incluindo as autoridades públicas, está sujeito a ser selecionado pela Receita para ter sua bagagem inspecionada.

Segundo De Marco, cerca de 1,2 mil pessoas são selecionadas por dia - o equivalente a 6% do tráfego total diário em Guarulhos - para passar com suas bagagens pelo equipamento de raio X. Esses passageiros, já previamente definidos em análise, são identificados pelos auditores pela foto do passaporte.

Dos 1,2 mil, cerca de 400 geralmente são chamados para que abram suas malas para inspeção. Foi nesta seleção restrita que caiu Marcos André Soeiro, quando foi passar pelos auditores da Receita no dia 26 de outubro de 2021.

Ao desembarcar do voo 773, que tinha deixado Riade, na Arábia Saudita, e pousado no Brasil, a comitiva de Bolsonaro chefiada pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, havia despachado um volume de bagagens superior àquele que tinha registrado ao deixar o Brasil.

A intensidade de viagens de Bento Albuquerque também já tinha chamado a atenção dos fiscais. Foi após o cruzamento de uma série de dados que, naquele dia, os auditores já sabiam quem deveria ser selecionado pela fiscalização.

Pelas regras aduaneiras, a única diferença de tratamento que uma autoridade pública brasileira tem, ao chegar no Brasil, em relação aos demais passageiros, diz respeito a eventuais critérios de segurança. Quanto à declaração de bens, no entanto, o crivo da fiscalização da Receita é o mesmo para todos.

De Marco afirmou que a entrada de presentes oficiais no Brasil costuma ser feita por meio de embaixadas e que chegam ao País, geralmente, como carga desacompanhada. O processo, então, é realizado para que o item seja incorporado como um bem público. "Não é normal vir com o passageiro. Mas, se vem com o passageiro, deve ser declarado formalmente", disse.

Qual é a incidência de apreensões de joias na alfândega de Guarulhos?

É um item de apreensão comum aqui. Todo ano tem leilão de joias. As apreensões ocorrem porque joia é um item fácil de esconder, são itens de valor elevado. Então, é muito comum a gente achar joia escondida no corpo do passageiro, por exemplo.

A Receita aborda pessoas que estejam usando uma joia em vez de trazê-la numa caixa?

Antes de o voo pousar, a Receita já fez uma análise, com sistemas, de todos aqueles passageiros, e existe ainda uma equipe especial que depura todas as informações. Você vai ser abordado pela sua situação de conjunto que determina se existe um risco ou não. Fora isso, existe a parte da observação no momento, que avalia se há algo mais que chame a atenção. Mas, antes disso, já foi feito um perfil antes de você desembarcar. Mais de 50 critérios são usados para estabelecer o risco de um passageiro. É criado um histórico, conforme suas viagens. O que o sistema passa a fazer, a partir disso, é buscar inconsistências, aquilo que não faz sentido.

No caso das joias de Bolsonaro, uma caixa entrou irregularmente, em uma bagagem que não foi revistada. Existe, também, critério de aleatoriedade?

É selecionado um passageiro porque há interesse aduaneiro, por algum motivo. O que ele está portando será vistoriado. O que não foi selecionado, não será. Estamos falando de 20 mil passageiros por dia. Uma média de 2% a 6% é levada para inspeção.