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Promotoria aposta em 'provas contundentes' contra PM no caso Amarildo

20/02/2014 12h33

O Ministério Público do Rio de Janeiro aposta em um conjunto de provas "contundentes" contra os 25 policiais militares acusados de tortura seguida de morte do pedreiro Amarildo de Souza, na UPP (nidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, em julho do ano passado. Após ampla repercussão e intensas investigações, o caso começa a ser julgado na tarde desta quinta-feira (20).

Popularizado pela frase "Cadê o Amarildo?", estampada em centenas de cartazes de manifestantes pelas ruas de todo o país e nas redes sociais, o caso inclui ao menos 19 testemunhas de acusação e 20 de defesa, além dos 25 réus que serão julgados por um tribunal do júri.

Todos os policiais militares que na época atuavam na UPP da Rocinha respondem por tortura seguida de morte, mas sobre alguns membros do grupo também pesam acusações de omissão, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha armada.

As penas previstas variam entre nove anos e seis meses até 30 anos de prisão. Quatro são acusados de torturarem diretamente o pedreiro, e suas penas devem ser maiores. São eles o tenente Luiz Felipe de Medeiros, o sargento Reinaldo Gonçalves e os soldados Anderson Maia e Douglas Roberto Vital.

Comandante da UPP da Rocinha na época, o major Édson Raimundo dos Santos é acusado de ordenar a tortura e as fraudes posteriores para ocultar a cena do crime e gerar provas falsas, como uma ligação de celular em que um dos soldados se faz passar por um traficante que se responsabilizaria pela morte de Amarildo.


A BBC Brasil procurou a defesa da PM no caso Amarildo, mas não obteve resposta até o fechamento dessa reportagem.

Provas e dificuldades

A promotora de Justiça Carmen Eliza Bastos de Carvalho diz que as provas da acusação estão muito robustas e complementam os depoimentos dos soldados que trouxeram o caso à tona.

"Os depoimentos colhidos até agora se harmonizam com as gravações de câmeras, escutas telefônicas, enfim, todas as evidências que vêm sendo juntadas. Os dois lados da investigação se juntam como um quebra-cabeça de forma perfeita. Você vai montando e fica nítido como tudo aconteceu. É muito difícil que haja uma surpresa em direção contrária à da acusação", diz.

 

  • Baseado em investigações da Polícia Civil e do Gaeco, o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça na qual acusa 25 PMs de participação no desaparecimento de Amarildo e descreve o que aconteceu com ele na noite em que foi morto

"As provas são tão fortes que é difícil compreender qual será a tese da defesa. Os acusados de omissão podem dizer que não tinham como se comportar de outra maneira. Aqueles que respondem diretamente pela tortura podem negar a autoria", acrescenta a promotora.

O escritório Sahione Advogados, que representa o major Édson Raimundo dos Santos e outros réus, havia concordado em dar entrevista à BBC Brasil ainda na quarta-feira, mas alegando imprevistos acabou não dando a versão da defesa.

João Pedro Pádua, advogado criminalista e professor de Processo Penal da UFF (Universidade Federal Fluminense), diz que apesar da aparente força das evidências, a acusação terá como desafio o fato de o corpo não ter sido encontrado.

"Todo homicídio sem corpo é difícil. Vai ser um caso complicado dos dois pontos de vista. A acusação terá que se preparar para todo tipo de argumentação que a defesa pode fazer perante os jurados. Sem o cadáver há várias possibilidade de histórias para contar. Mas isso não impede a condenação. Há muitos casos de homicídios sem corpo em que houve condenação", diz.

"Já para a defesa, a principal dificuldade, sem dúvida nenhuma, é a opinião pública. Este é um caso que gerou muita pressão popular. É claramente o elemento mais forte. Os jurados, assim como qualquer pessoa, moldam suas decisões de acordo com suas percepções pessoais", argumenta o especialista.

Ele acrescenta que em casos como este, de muito clamor popular, a defesa deve tentar alongar o processo, para tentar "esfriar o caso" antes que o júri tome sua decisão.

Etapas e repercussão

Nesta quinta-feira, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro dá início à primeira etapa do julgamento, quando começa a ouvir as testemunhas de acusação. Na sequência serão ouvidas as testemunhas de defesa e os 25 réus.

A promotoria espera que isto seja concluído até o fim de março, quando se abriria a segunda etapa do julgamento, com possíveis diligências (quando são solicitadas novas provas ou novas testemunhas) e a apreciação dos argumentos da acusação e da defesa. A expectativa é de que a sentença seja proferida ainda no primeiro semestre.

CÂMERAS NÃO FUNCIONARAM

  • Alessandro Buzas/Futura Press

    A ONG Rio de Paz colocou manequins na praia de Copacabana, na zona sul, em protesto contra o desaparecimento de Amarildo

  • As câmeras da UPP da Rocinha pararam de funcionar no mesmo dia em que Amarildo foi levado para lá por policiais "para averiguação". O relatório da empresa Emive mostra que, das 80 câmeras instaladas na favela, apenas as 2 da sede da UPP apresentaram problemas. MAIS

Após a sentença, a defesa pode entrar com recurso em segunda instância, mas por se tratar de uma decisão do júri, o tribunal de instância superior não pode revertê-la. Ou seja, se o júri condenar os PMs, a segunda instância não poderá absolvê-los. Um novo julgamento, no entanto, pode ser requerido.

Para a promotora Carmen Eliza o fato de o julgamento ter início apenas sete meses depois de o pedreiro ter desaparecido, no dia 14 de julho do ano passado, mostra que algo pode estar mudando na maneira com que agentes de segurança pública são julgados por seus crimes no Brasil.

"É um sinal de que as coisas mudaram, de que a Justiça está sendo feita. O caso tem um peso muito forte, por mostrar o que estava acontecendo na Rocinha. É claro que as UPPs são salutares, ajudaram muito, mas trata-se de um caso que arranha um projeto de governo, e isso tem muita repercussão", avalia.

Já o especialista João Pedro Pádua se mostra mais cético. "A condenação de policiais por abusos de poder não é novidade no país. Veja o exemplo da chacina de Vigário Geral, do massacre do Carandiru. O caso Amarildo é emblemático, sim, mas colocado em contexto, sou um pouco mais cético quanto ao poder que pode ter sobre uma cultura contínua de tortura. Pode haver até um impacto contrário, em que esses 25 policiais serão considerados mártires de uma sociedade que não entende o que eles acreditam estar fazendo", avalia.

Os 25 PMs da UPP da Rocinha réus no caso Amarildo

Major Edson Raimundo dos SantosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual (2x)
Tenente Luiz Felipe de MedeirosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual (2x)
Soldado Marlon Campos ReisTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual
Soldado Douglas Roberto Vital MachadoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha / Fraude processual
Sargento Jairo da Conceição RibasTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Anderson Cesar Soares MaiaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Fábio Brasil da Rocha da GraçaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Jorge Luiz Gonçalves CoelhoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Victor Vinicius Pereira da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Wellington Tavares da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Sargento Reinaldo Gonçalves dos SantosTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Sargento Lourival Moreira da SilvaTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Wagner Soares do NascimentoTortura / Ocultação de cadáver / Formação de quadrilha
Soldado Rachel de Souza PeixotoTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Thaís Rodrigues GusmãoTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Felipe Maia Queiroz MouraTortura / Ocultação de cadáver
Soldado Dejan Marcos de Andrade RicardoTortura / Ocultação de cadáver
Sargento Rodrigo Molina PereiraTortura (por omissão)
Soldado Bruno dos Santos RosaTortura (por omissão)
Soldado João Magno de SouzaTortura (por omissão)
Soldado Jonatan de Oliveira MoreiraTortura (por omissão)
Soldado Márcio Fernandes de Lemos RibeiroTortura (por omissão)
Soldado Rafael Bayma MandarinoTortura (por omissão)
Soldado Sidney Fernando de Oliveira MacárioTortura (por omissão)
Soldado Vanessa Coimbra CavalcantiTortura (por omissão)