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Uruguai pós-Mujica trará continuidade, mas com 'ênfases diferentes'

Denise Mota

De Montevidéu para a BBC Brasil

29/11/2014 08h22Atualizada em 29/11/2014 08h48

Os uruguaios voltam às urnas neste domingo para escolher, em segundo turno, quem será o sucessor de José "Pepe" Mujica a partir de 1° de março.

À frente nas pesquisas de intenção de voto, com uma média de 54%, o oncologista Tabaré Vázquez, de 74 anos, representa a manutenção da Frente Ampla de Mujica no Executivo. O ciclo de gestões da coalizão no Uruguai foi iniciado pelo próprio Vázquez em 2005, quando se tornou o primeiro presidente de esquerda do país, depois de 174 anos de governos dos tradicionais partidos Colorado e Nacional (ou Blanco).

Em segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto, com média de 41%, aparece Luis Lacalle Pou, advogado de 41 anos do Partido Nacional que teve sua campanha pautada pela promoção de uma "revolução positiva". Seu lema é manter o que é bem avaliado no país (como os programas de redução de pobreza) e mudar o que vem sendo criticado – principalmente educação e segurança, as duas maiores preocupações dos cidadãos uruguaios atualmente, segundo pesquisas de opinião.


"Em política nada está garantido, mas todos os institutos de pesquisa indicam a vitória de Vázquez, o que nos permite considerar que teremos um terceiro governo de esquerda, e com maioria parlamentar", diz à BBC Brasil o historiador e analista político Gerardo Caetano.

Ele avalia que a aposta no Mercosul será mantida por parte do Uruguai, apesar do interesse manifestado por Danilo Astori - economista que será ministro da Fazenda em um eventual governo de Vázquez - pela Aliança do Pacífico (bloco formado por Chile, Colômbia, México e Peru). "Mujica é muito pró-integracionista, e aqui há uma diferença com Vázquez, mas a Frente Ampla continuará mantendo a integração em sua perspectiva. Vai continuar com um alinhamento forte com o que o Brasil fizer."

O analista político Alvaro Padrón, pesquisador da Universidad de la República, concorda com Caetano e enfatiza a importância da maioria parlamentar que terá a coalizão de esquerda para governar, especialmente com relação a problemas domésticos.

"Entre o governo de Mujica e o de Tabaré, o Uruguai mudará muito pouco, pois se trata da repetição de um presidente que já foi mandatário do país antes de Mujica. Estamos diante de uma certa continuidade", resume.

"Para a próxima gestão, a esquerda assumiu dois dos principais focos de debate da campanha, educação e segurança, e a partir de março tentará promover iniciativas que gerem resultados. Em educação o novo governo vai tentar mostrar uma mudança de rumo."

Maconha

De volta à seara internacional, as principais diretrizes serão mantidas, mas a diferença se dará quanto às "ênfases e perfis" representados pelos dois políticos. "Não se trata de uma área que motive especialmente Vázquez, e ele nunca vai dizer que sua prioridade não é o Mercosul. Mas deve se manter em uma posição de moderação: nem tão entusiasta e nem tão crítico da integração", considera Padrón.

Dessa ponta da equação está mais próximo Lacalle Pou, representante do "liberalismo individualista clássico, de matriz anglo-saxônica", como define Caetano.


"Com Lacalle Pou, podemos pensar em um Uruguai muito mais orientado a uma política externa próxima dos tratados de livre comércio com os Estados Unidos e com a Europa, e com a economia e o mercado como grandes distribuidores de bens e recursos, além de um papel de destaque para a iniciativa privada. A Frente Ampla tem um modelo mais estatista e integracionista."

Sobre a continuidade da implementação da Lei da Maconha, que estatiza todo o processo de produção, armazenamento e venda da droga, Caetano considera que o candidato favorito "vai cumprir a lei à risca".

"Tabaré Vázquez nunca apresentou dúvidas quanto à substância da lei. Sua preocupação é que [a lei] não gere instrumentos desencadeadores de violência, como no caso de as farmácias que vendam maconha passarem a incomodar algum narcotraficante local, o que faz com que fiquem sujeitas a represálias."

Caetano assinala um aspecto que considera essencial para entender a lógica da lei do ponto de vista tanto de José Mujica como de Tabaré Vázquez, "dois moderados", na classificação de Padrón: o fato de que para Mujica a normativa não se inscreve como a garantia de um direito, mas sim como um instrumento de luta contra o narcotráfico. "Para Mujica, trata-se de uma lei experimental com esse objetivo, e Vázquez certamente respalda essa visão."

Além do mais, afirma Padrón, "o programa de governo é um programa de partido. E a base tanto de Mujica como de Tabaré foram e serão o programa da Frente Ampla".