Uruguai quebra paradigmas com aborto, casamento gay e maconha
O Uruguai quebrou paradigmas em 2012 ao impulsionar com sucesso ímpar reformas legais tão polêmicas como a descriminalização do aborto, a legalização do casamento gay e um plano inédito para outorgar ao Estado o controle da cadeia produtiva e comercial da maconha.
A repercussão internacional dessas iniciativas progressistas coincidiu com a inusitada fama atingida pelo presidente do país, José Mujica, por viver em uma fazenda, afastado do luxo que habitualmente rodeia os governantes, e ter um patrimônio de menos de US$ 200 mil.
Das três reformas legais, a da maconha foi sem dúvida a mais chamativa e representou uma verdadeira queda de braço com o modelo internacional de luta antidrogas, mas foi também a que menos avançou.
Antes de fechar o ano, seu principal impulsor, o próprio Mujica, pediu cautela com o trâmite parlamentar do projeto de lei governista até conseguir o apoio cidadão à proposta, que é rejeitada por 64% da população, segundo uma pesquisa.
A nova estratégia contra o narcotráfico foi proposta para frear a crescente delinquência juvenil, um dor de cabeça para o Governo e uma arma para a oposição, que em abril apresentou 350 mil assinaturas para convocar um referendo que permita diminuir a idade penal aos 16 anos.
Com o argumento que os jovens devem comprar a maconha das mesmas máfias que distribuem drogas pesadas nas quais os menores terminam caindo, o governante anunciou em junho sua intenção que o Estado assuma o monopólio do negócio da cannabis, um verdadeiro marco em nível mundial.
Segundo números oficiais, 20% dos uruguaios de idades entre 15 e 65 anos consumiu maconha alguma vez e 8,3% disse havê-lo feito no último ano, embora as pesquisas indiquem também que 60% da população é contrária a descriminalizar a droga.
O plano, em suspenso no Parlamento, foi recebido com receio em países como México, Colômbia e Venezuela, mas foi apoiado por outros enfastiados do fracasso das fórmulas tradicionais de luta contra o narcotráfico.
O que o Legislativo já aprovou foi outro arriscado projeto de lei que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de gestação e que também não está isento de polêmica.
A iniciativa, impulsionada pelo bloco governista de esquerda Frente Ampla (FA), foi aprovada em outubro em meio à rejeição dos antiabortistas, mas também de alguns defensores que a criticam porque impõe controles estritos demais à mulher que pretenda interromper a gravidez.
Ao contrário do que ocorreu com uma proposta similar vetada em 2008 pelo governante Tabaré Vázquez (2005-2010), também do FA, Mujica promulgou a normativa, mas depois esclareceu que talvez vote contra ela se for realizado o referendo que a oposição pretende convocar com o recolhimento de assinaturas entre a população.
A legalização do casamento também foi controvertida, mas menos acidentada. Alcançou o beneplácito da Câmara dos Deputados em dezembro e sua aprovação será encaminhada ao Senado em 2013.
Antes disso, dois enfermeiros confessaram em março ter assassinado a sangue frio pelo menos 15 pacientes em unidades de terapia intensiva de hospitais de Montevidéu, em um caso que comoveu o país e o mundo.
Nesse mesmo mês o Estado assumiu sua responsabilidade em um episódio emblemático da ditadura (1973-1985): o desaparecimento da argentina María Claudia García em 1976 e a supressão de identidade durante 20 anos de Macarena Gelman, a filha que teve em cativeiro e nunca mais viu.
Em maio, completou cinco anos o Plano Ceibal, um dos primeiros do continente americano a distribuir um computador por criança em idade escolar.
Em meados de 2012 foi liquidada por dívidas a principal companhia aérea do país, a Pluna, o que afetou a rede de transporte no pior momento possível, quando mais turistas chegam ao Uruguai e mais uruguaios viajam ao exterior, favorecidos por vários anos de bonança econômica.
Em setembro foram presos os quatro marinheiros uruguaios da Missão de Paz das Nações Unidas no Haiti (Minustah) acusados de abusar de um jovem haitiano em 2011.
No mês seguinte os sobreviventes da Tragédia dos Andes, o acidente aéreo que em 1972 deixou uma equipe de rugby uruguaia isolada durante 72 dias no topo de uma montanha, se reuniram em Montevidéu para comemorar o 40º aniversário do fato.
Já em novembro três mil mulheres enlutadas tingiram de negro o centro da capital para denunciar que o Uruguai é proporcionalmente um dos países de região ibero-americana mais golpeados pela violência de gênero, que causa a cada ano 30 assassinatos em uma nação de apenas 3,3 milhões de habitantes.
Dias antes, uma trombose impediu Mujica de participar da Cúpula Ibero-Americana de Cádiz, mas tudo não passou de um susto.