Bairro de Londres busca respostas para fuga de estudantes para Síria
Nos últimos dias, Bethnal Green se transformou em um lugar de muitas perguntas e poucas respostas.
As três adolescentes que viajaram do Reino Unido para a Turquia em 17 de fevereiro numa tentativa aparente de se unir ao grupo extremista autodenominado "Estado Islâmico" (EI) estudavam em uma escola-modelo deste bairro de forte presença muçulmana no leste de Londres.
Bethnal Green fica em meio a uma das áreas mais nobres do país, a minutos da City londrina, o distrito financeiro, e próximo ao epicentro da cultura hipster da capital britânica.
"É estranho. Nunca pensei que pudesse ocorrer algo assim, ao menos em minha época", diz Asif, um ex-aluno da Bethnal Green Academy e morador do bairro.
"Meu irmão mais novo ainda estuda lá e conhece as meninas de vista. Não sei o que dizer. É triste."
Mas o que levou três boas alunas de 15 e 16 anos a querer se unir a extremistas que ganharam fama no mundo por decapitar seus reféns?
Autoridades, pais de estudantes, ex-alunos e membros da comunidade têm algo em comum diante desta pergunta: não conseguem encontrar uma explicação.
Surpresa
Esta escola pública secundária onde estudam alunos entre 11 e 18 anos era, até alguns anos atrás, um poço de problemas, tomada por conflitos entre gangues rivais do bairro e com resultados acadêmicos ruins, motivos pelos quais foi alvo de "medidas especiais" por parte do governo.
"Necessito disso como necessito de um agulheiro em minha cabeça". A frase do diretor Mark Keary ao assumir o cargo em 2006 não poderia descrever melhor o desafio que ele enfrentaria.
A frase hoje está estampada na parede do salão de conferências onde Neary falou à imprensa na última segunda-feira sobre o caso. Três dias depois das jovens fugirem de casa, a polícia pediu ajuda publicamente para tentar encontrá-las.
Junto a esta lembrança do período mais difícil da Bethnal Green Academy, outras palavras indicam uma história diferente: "uma escola de destaque", a qualificação dada pelo governo à instituição em 2013. A melhora foi tão grande que a escola recebeu no ano passado a visita do príncipe Harry.
A entrada do seu antigo prédio deixava claro que a escola de 1,2 mil alunos desejava enfatizar seus êxitos recentes.
Cartazes com os bons resultados dos estudantes em provas, a alta frequência dos alunos e os elogios oficiais estavam por todos os lados e nos estandartes ao redor do diretor, que não aceitou responder a perguntas e apenas leu um comunicado: "Estamos surpresos e profundamente entristecidos".
Forte presença muçulmana
Em Bethnal Green, os muçulmanos representam cerca de 50% dos habitantes - a maioria vinda de Bangladesh. Há uma grande quantidade de "residências sociais", de propriedade do governo e que podem ser alugadas por menos de US$ 1 mil por mês.
Não é um preço ruim, levando em consideração que o aluguel de uma casa em Londres custa em média US$ 1 mil por semana e que a cidade passa por uma alta constante dos valores de moradia.
Vale destacar que Amira Abase, de 15 anos, Shamima Begum, de 15 e Kadiza Sultana, de 16, não saíram dos subúrbios de Londres.
O East End - como também é conhecida a área - não é muito bem visto por muitos na capital britânica, que o consideram um distrito perigoso, marginalizado e povoado por imigrantes.
Ainda assim, alguns de seus setores passaram nos últimos anos por um processo de gentrificação, com é chamado o fenômeno de mudança no perfil dos moradores por conta da valorização imobiliária de uma área, o que afeta negativamente sua população de baixa renda.
O tradicional véu islâmico usado pelas muçulmanas é quase inevitável nesta zona da cidade, junto com cafés e lojas de ares mais modernos.
'Inteligentes'
Rodeada por residências sociais, a Bethnal Green Academy fica a dez minutos a pé de Shoreditch, epicentro da cultura hipster da capital e da Tech City, onde está, de acordo com algumas estimativas, a terceira maior concentração de pequenas empresas de tecnologia, as start-ups, atrás apenas de São Francisco e Nova York.
No ano passado, foi lançada uma campanha para estimular os estudantes do leste de Londres - e da Bethnal Academy em especial - a considerarem carreiras neste setor.
Os alunos da escola participaram de cursos na Tech City, e até seu diretor apareceu na televisão elogiando seus alunos.
"Inteligentes", "resilientes", "querem ser bem-sucedidos" foram algumas das expressões usadas por ele na época.
Meses depois, viria a público para assegurar que as três alunas não haviam se radicalizado na escola que dirige.
Eclético e moderno, Bethnal Green conseguiu se reinventar ao longo dos anos e tornar-se um polo de empreendedores, profissionais criativos e artistas.
Ninguém se surpreende quando entra em um bar e encontra no cardápio uma batida de repolho, abacaxi e pistache ou um café com leite duplo feito com grãos da Etiópia.
É um lugar com uma densidade por metro quadrado de produtos da Apple de dar inveja a Palo Alto, onde fica a sede desta empresa.
Seguindo rumo ao centro da cidade, se chega à City, coração de um dos maiores centros financeiros do planeta. O véu dá lugar ao terno e gravata.
Imponentes torres de vidro abrigam bancos, empresas financeiras, escritórios de advocacia ou multinacionais.
Estão a alguns passos da Bethnal Green Academy, mas a um mundo de distância - ainda que haja uma conexão entre eles.
Um dos motivos do sucesso da instituição foi o financiamento privado por um escritório de advocacia da City.
Vítimas
No centro comunitário Dorset Social Club, a menos de cinco minutos a pé da escola, está na hora do almoço e me convidam para uma refeição. Estou descalço: no lugar, funciona uma das mesquitas do bairro.
"Estamos consternados", diz Nasrul Islam, secretário do centro. "É uma notícia horrível para a comunidade. É injustificável. Todos estamos surpresos."
"São vítimas", afirma ele sobre as adolescentes. "É uma ideia jihadista, de radicalização. Fazem uma lavagem cerebral nestas pessoas, que são vulneráveis e frágeis."
Ele garante que a zona está bem integrada. Enquanto Islam me mostra com felicidade as fotos de como cristãos do bairro foram bem recebidos para celebrar o último Natal, cinco homens que já passam dos 50 anos de idade rezam de joelhos em direção à Meca.
Nesta mesma direção, mas a 5km de distância, está o município de Canary Wharf, o outro grande centro financeiro de Londres, que, assim como Bethnal Green, faz parte do distrito de Tower Hamlets.
É uma amostra das realidades diferentes que convivem a poucos quilômetros de distância em uma cidade considerada por alguns acadêmicos há alguns anos como "a capital da desigualdade na Europa".
Tower Hamlets é uma zona onde mais da metade dos estudantes de nível secundário é de famílias com renda tão baixa que eles têm autorização para receber comida gratuitamente nos centros de ensino.
Ali, apenas cerca de 30% dos alunos falam inglês como primeiro idioma e só um em cada dez estudante entra na categoria de "britânico branco", de acordo com dados oficiais publicados em 2012.
Não são poucos aqueles no bairro que temem que um caso como este propicie generalizações.
"É uma representação ruim do Islã. Por que colocam a culpa de tudo nos muçulmanos? Estamos cansados", diz Mohamed, um ex-aluno de 19 anos.
"Não há problema algum com a escola, que é muito boa. Estou surpreso, comovido. São muito jovens. Por que fizeram isso? Não faz sentido."
Saída sem algazarra
Acredita-se que cerca de 500 britânicos tenham viajado ao Iraque e à Síria para se juntar ao "EI" e que ao menos 500 mulheres europeias tenham seguido pelo mesmo caminho.
As três alunas eram amigas de outra estudante que abandonou a escola em dezembro para ir à Síria e foram interrogadas pela polícia, que não encontrou motivos para preocupação.
Os serviços de segurança foram criticados logo que se soube que, antes de deixar o país, uma das meninas, cuja conta no Twitter estava sendo monitorada, havia se comunicado por meio da rede social com uma mulher que há dois anos havia deixado a Escócia para se casar com um combatente do "EI".
Na porta da escola, o grupo extremista não é o tema preferido pelos pais que esperam para levar seus filhos para casa.
Um que prefere permanecer anônimo enfatiza que seu filho de 12 anos "é muito novo". Na saída da escola, explica que funcionários da instituição pediram a ele que não falasse com a imprensa.
"Meu filho joga videogame e assiste ao canal Disney. Não quero falar com você sobre o "Estado Islâmico", porque não quero meter ideias na cabeça dele", afirma.
A entrada da escola vai ficando vazia e, provavelmente, é uma saída de estudantes com menos algazarra que o habitual.
Três adolescentes estão desaparecidas, e abundam perguntas.
Elas se radicalizaram e decidiram se unir ao grupo? Foram persuadidas a fazer isso, tornando-se esposas de combatentes? Ou há outros motivos por trás de sua fuga?
Faltam respostas.
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