Aumenta conflito entre narcotraficantes na fronteira Brasil-Paraguai
O conflito pelo controle do tráfico de drogas na fronteira entre Brasil e Paraguai atingiu seu auge nesta semana, com o assassinato por criminosos brasileiros do empresário e suposto chefe da maior quadrilha de Pedro Juan Caballero, Jorge Rafaat Toumani.
"A maioria dos suspeitos do atentado [a Rafaat] são brasileiros", disse o promotor Justiniano Cardozo à BBC Brasil. Ele é o líder de uma força-tarefa do Ministério Público do Paraguai que investiga o atentado.
A BBC Brasil apurou com autoridades do Paraguai e do Brasil que uma das principais linhas de investigação é que o atentado tenha sido cometido por membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção originária de São Paulo, mas que hoje tem ramificações em todo o Brasil. Também há suspeitas de que o grupo tenha agido em conjunto com membros da facção criminosa carioca CV (Comando Vermelho) e de um grupo de criminosos paraguaios.
Policiais brasileiros que trabalham na região e preferiram não se identificar disseram que a tensão na fronteira entre Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta Porã (Brasil) já estava crescendo nos últimos meses. "Estão acontecendo cinco ou seis mortes por semana, a maioria por causa do narcotráfico", afirmou um deles.
Mas o assassinato de Rafaat, na última quarta-feira (15), pode ter quebrado o equilíbrio de poder entre criminosos na região. Com ascendência árabe e nacionalidade brasileira, o empresário comandava há muitos anos uma rede de negócios e lojas em Pedro Juan Caballero. Segundo a imprensa do Paraguai, ele comandaria também o tráfico de drogas na região, mas não teria sido preso por falta de provas. No Brasil, Rafaat havia sido condenado a mais de 40 anos de prisão por atividades relacionadas ao tráfico de drogas.
Arma de guerra
Seu assassinato foi uma das ações armadas mais violentas dos últimos anos no Paraguai. Rafaat se deslocava pelo centro de Pedro Juan Caballero em um veículo Hummer blindado e era escoltado por dois carros repletos de seguranças armados com pistolas, submetralhadoras e fuzis. Em certo momento, sem explicação alguma, o veículo se adiantou ao comboio e acabou sendo emparelhado por criminosos brasileiros que estavam em uma caminhonete branca, do tipo SUV.
No interior desse carro havia sido montada uma metralhadora pesada Browning de calibre 0.50, uma arma de guerra de alto poder de fogo, que em operações militares normalmente é acoplada a blindados de transporte de tropas ou usada na defesa contra aeronaves.
A caminhonete então se posicionou à frente do carro de Rafaat e fez uma série de disparos a curta distância, que facilmente romperam a blindagem do veículo da vítima. O empresário morreu quase instantaneamente. Em seguida, houve uma intensa troca de tiros entre atacantes e seguranças.
Segundo o Ministério Público do Paraguai, o suposto atirador da metralhadora se feriu e foi preso. Ele é brasileiro e seria ex-militar e integrante de uma facção criminosa que opera no Brasil.
Nas horas que se seguiram ao atentado, ao menos duas lojas que pertenciam a Rafaat foram destruídas com bombas incendiárias. Além do atirador, outras oito pessoas foram presas, a maioria seguranças de Rafaat.
A técnica utilizada contra o comboio, usando uma metralhadora montada sobre uma caminhonete, já foi empregada em diversas ocasiões por membros do PCC no Brasil, especialmente no interior de São Paulo, mas para atacar veículos de transporte de valores. Picapes transportando o armamento de guerra se posicionam à frente de carros-forte em rodovias. Os criminosos então fazem perfurações a tiros nos blindados para forçar sua parada.
Luta pelo poder
O PCC está presente em cidades de fronteira em Mato Grosso do Sul e no Paraná há anos, mas não controlava o narcotráfico em Pedro Juan Caballero, segundo a pesquisadora Camila Nunes Dias, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal do ABC. Ela é autora do projeto de pesquisa "Articulações, Conexões e Dinâmicas das Redes de Comércio de Drogas Ilícitas na Fonteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai".
"É difícil captar o padrão de atuação das facções na região, mas é possível dizer que o PCC já disputava o controle do território [de Pedro Juan Cavallero] há quatro ou cinco anos", disse ela. A facção teria supostamente realizado atentados frustrados contra Rafaat no passado.
Segundo a pesquisadora, toda a região era controlada por famílias tradicionais e ricas, que administravam estabelecimentos comerciais e também lidavam com o comércio de produtos ilícitos e entorpecentes. Dias disse que o conflito pode perdurar durante mais algum tempo, pois a tendência é que forças ligadas a Rafaat tentem reagir. Enquanto os criminosos brasileiros não forem repelidos ou conseguirem se estabelecer completamente, a violência deve continuar.
Impacto no Brasil
Por enquanto, o clima de medo é realidade em Pedro Juan Caballero, e aumenta a sensação de insegurança na cidade brasileira vizinha, Ponta Porã. A elevação da tensão é confirmada pelo vice-presidente do Sindicato dos Policiais Federais de Mato Grosso do Sul, Carlos César Meireles da Silva. Ele disse que falta estrutura na delegacia de Ponta Porã, que fica a 100 metros da fronteira.
"Com os armamentos que eles [criminosos] têm, metralhadoras calibre 0.50 ou 0.30, poderiam nos atingir sem sair do Paraguai. Seria uma catástrofe se tentassem atacar a gente", afirmou.
Silva disse que há uma grande rotatividade de policiais na região, a maioria não fica mais de dois anos, porque faltariam incentivos e estrutura para que eles se fixem na fronteira.
A assessoria de imprensa da Polícia Federal foi procurada pela BBC Brasil para comentar sobre as estratégias de combate ao tráfico na região. O órgão respondeu apenas que acompanha o caso de Rafaat por meio de sua adidância (representação) em Assunção.
"A princípio trata-se de conflito entre organizações criminosas naquele país, razão pela qual não deve haver instauração de investigação no Brasil", disse a nota, confirmando também que Rafaat havia sido condenado no Brasil.
Comando Vermelho
Uma hipótese levantada por investigadores paraguaios, segundo o jornal "ABC Color", é que o brasileiro que operou a metralhadora no ataque seria integrante da facção Comando Vermelho, do Rio de Janeiro.
Segundo a pesquisadora Camila Dias, se isso se confirmar e a investigação provar que membros do PCC e do CV agiram juntos, o crime pode ser interpretado como um sinal de intensificação da parceria entre as duas facções. Nos dias atuais, afirma ela, o PCC está mais forte que o CV, que, além da repressão policial, enfrentaria muita resistência de facções rivais e de milicianos no Rio de Janeiro. Mas teria criminosos mais experientes no manejo de armas pesadas, como a metralhadora usada em Pedro Juan Caballero.
Rota das drogas
Segundo integrantes da polícia e do Ministério Público brasileiros especializados em investigações sobre facções criminosas, Pedro Juan Caballero é uma das cidades estratégicas da fronteira que estão inseridas na principal rota de tráfico de cocaína que envolve o Brasil. Essa rota consiste em grupos criminosos comprarem cocaína produzida em países produtores, como Bolívia e Peru, e a levarem para São Paulo e Rio de Janeiro.
Depois de sair da Bolívia, a rota da cocaína passa pelo Paraguai e entra no Brasil, especialmente pelos Estados de Mato Grosso do Sul e Paraná. Segue então por cidades do oeste paulista até chegar a São Paulo e Rio de Janeiro. O transporte é feito tanto em pequenos aviões como em fundos falsos em carros e em meio a cargas de caminhões.
A parte brasileira da rota é controlada majoritariamente pelo PCC. Mas a facção também tem representantes dentro do Paraguai, Bolívia e Peru que negociam a droga com intermediários e produtores.
Segundo relatório da UNODC, a agência da ONU de combate a drogas e crime, depois de chegar a São Paulo e ao Rio de Janeiro, parte dessa cocaína é vendida no Brasil.
Outra parte da droga é enviada à África e à Europa por quadrilhas internacionais. Ela é levada em pequenas quantidades com "mulas do tráfico" (pessoas contratadas para levar o entorpecente no corpo ou na bagagem, embarcando em voos comerciais) ou em grandes quantidades em meio a cargas de navios.
Autoridades paraguaias e brasileiras devem tentar esclarecer nos próximos dias mais detalhes sobre a morte de Rafaat e os responsáveis pelo crime.
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