Por que as comparações com nazistas seguem populares nas disputas políticas?
Com o acirramento da tensão entre a Turquia e a União Europeia, o presidente Recep Tayyip Erdogan acusou alemães e holandeses de usarem "táticas nazistas" contra os turcos.
A tensão entre os dois países tem aumentado desde que autoridades alemãs impediram ministros turcos de fazerem comícios a favor do referendo constitucional de 16 de abril, que pode dar maiores poderes a Erdogan.
A evocação ao nazismo provocou revolta entre as autoridades alemãs - a premiê Angela Merkel e o chanceler Sigmar Gabriel afirmaram que o Erdogan havia "ultrapassado os limites" com as acusações.
Embora o uso da expressão "alemão nazista" ou mesmo o nome de Hitler não sejam novidade em discussões, recentemente elas voltaram ao debate político em vários episódios internacionais.
Durante as eleições americanas, apareceram comparações similares e elas são encontradas facilmente em qualquer meio - do Twitter aos parlamentos de vários países.
Na campanha presidencial dos EUA, o anúncio das políticas propostas pelo então candidato Donald Trump provocou comparações entre ele e Adolf Hitler. O próprio Trump já usou esse recurso ao comparar as agências de inteligência americanas com a "Alemanha nazista".
E ele não foi único: o ex-prefeito de Londres Boris Johnson comparou a União Europeia com os nazistas durante a campanha pelo Brexit, um investigador da Organização das Nações Unidas usou a comparação para falar sobre as ações israelenses na Faixa de Gaza e a televisão russa usou o termo para se referir ao Ocidente em relação à crise em Aleppo, na Síria.
Mas por que a comparação é ainda tão usada?
Segundo a Liga Anti Difamação dos Estados Unidos (ADL, na sigla em inglês), organização que luta contra o antissemitismo e outras discriminações , a resposta é simples: porque a comparação é "o evento histórico que mais facilmente ilustra o certo versus o errado".
Para a ONG, quando uma discussão chega nesses fundamentos, a comparação "inevitavelmente acaba aparecendo".
O diretor nacional da ADL, Jonathan Greenblatt, alerta, no entanto, que "comparações equivocadas banalizam e tornam trivial essa tragédia única na história da humanidade, especialmente quando pessoas públicas invocam o Holocausto numa tentativa de conquistar atenção política".
Mas recorrer à comparação com Hitler para invalidar um argumento se tornou tão popular que a expressão ganhou até um "apelido" em latim: reductio ad Hitlerum - uma referência ao termo reductio ad absurdum, um reconhecido argumento lógico baseado na prova por contradição e usado geralmente para indicar a falácia de se comparar alguém a Hitler.
Até os alemães que publicaram uma imagem viral comparando Trump a Hitler durante as eleições admitiram que a comparação era "consideravelmente brutal".
Online, todo mundo vira Hitler
Naturalmente, em nenhum lugar os insultos nazistas são mais numerosos do que na internet - e sempre foi assim.
Na década de 90, quando a internet estava começando a se tornar popular, o advogado americano Mike Godwin percebeu que os debates em fóruns online sempre recorriam ao recurso de chamar o outro lado de "nazista".
Foi então que nasceu a "Lei de Godwin", ou a "Regra das Analogias Nazistas de Godwin", que se tornou uma das "regras da internet" e afirma que, se uma discussão online for longe demais, em algum momento alguém vai recorrer à comparação com Hitler.
Ele esclarece que a intenção ao cunhar o termo era demonstrar justamente como essa comparação é sempre ridícula.
"Eu queria mostrar que a maioria das pessoas que traz o nazismo para um debate não está sendo profunda ou independente, ao contrário: está agindo de forma previsível e inconsciente, como um tronco descendo uma montanha", disse ele em uma coluna para o jornal Washington Post.
Para muitas pessoas, a aplicação da Lei de Godwin - ou seja, quando alguém recorre ao nazismo em um debate na internet, - é um sinal de que determinada discussão está encerrada e de que quem usou a expressão perdeu a disputa.
Mas a recente onda de figuras importantes usando a referência ao nazismo prova que, na vida real, o recurso ainda é bastante utilizado.
Um argumento fraco
Quando o presidente turco Erdogan criticou a Alemanha pelo que chamou de "práticas nazistas adotadas por Angela Merkel", a notícia ganhou as manchetes internacionais.
Para os alemães, entretanto, ele está apenas recorrendo a uma referência antiga. A Alemanha tem leis duras contra a negação do Holocausto e a glorificação da atividade nazista.
"Eu não acredito que a maioria dos alemães se perturbe muito com esse tipo de comparação", disse o historiador e professor Christoph Mick, da Universidade de Warwick, no Reino Unido.
"Eles estão acostumados a isso, e acham apenas bizarro que o governo mais liberal e democrático da história da Alemanha seja comparado ao Terceiro Reich. Essas comparações revelam mais sobre quem as faz do que sobre os alemães e seus políticos".
Então - se uma referência nazista trivializa o Holocausto, é amplamente reconhecida como uma falácia lógica, é ridicularizada online e ignorada pelos alemães - ela deve ter algum poder persuasivo para se manter em uso por tanto tempo. Certo?
Não muito - pelo menos essa é a avaliação da English Speak Union, uma instituição de caridade britânica que promove a comunicação e o pensamento criativo.
"Adotar acusações de fascismo como insulto não ajuda a aproximar o público ou favorece seu argumento - em vez disso, você aumenta o nível de agressividade do debate, forçando uma polarização entre "bom" e "mau" numa discussão que, caso contrário, poderia ter posições mais razoáveis dos dois lados", afirma Amanda Moorghen, pesquisadora sênior da entidade.
"Na maioria das vezes, as pessoas chamam as outas de nazistas porque pensam que isso vai atrair a atenção do público. Esse é um grande erro porque o uso dessa palavra não vai atrair nenhuma atenção - só um forte argumento pode fazer isso".
E qual é então o segredo para se ter sucesso em uma discussão?
"É melhor guardar palavras mais fortes para o argumento em si, em vez de atacar as pessoas com quem você está debatendo", diz Amanda Moorghen.
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