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'É impossível achar alguém pra casar': o drama do país que mais perde população no mundo

Até o fim deste século, a população da Bulgária deve ser reduzida à metade se a taxa de natalidade não crescer - BBC
Até o fim deste século, a população da Bulgária deve ser reduzida à metade se a taxa de natalidade não crescer Imagem: BBC

Ruth Alexander - Da BBC News

23/09/2017 14h45

A Bulgária viu sua população ser reduzida em um quinto desde a década de 1990. As projeções indicam ser o país onde a população vai encolher de forma mais rápida no mundo. Mas o que isso significa para os que lá permanecem?

Na Província de Pernik, interior búlgaro, não são apenas os trajes de lã que fazem de Stoyan Evtimov um sujeito incomum. Com mais de trinta anos de idade, ele é um dos poucos que permanecem no vilarejo onde nasceu.

"Todos os amigos com quem cresci aqui foram embora há anos", diz. A maioria dos jovens mudaram de cidade à procura de trabalho.

Evtimov se considera uma pessoa de sorte por ter conseguido um emprego na vila de Peshtera, como líder de um grupo folclórico e organizador de um festival anual de música para reviver o tradicional casamento musical búlgaro. Ainda assim, para ele, a vida no vilarejo é inviável.

"É impossível encontrar alguém para se casar aqui ou nas vilas próximas, simplesmente porque não há nenhum jovem. A única chance para mim é encontrar alguém na cidade", diz.

Evtimov diz que vai ser duro deixar seu vilarejo. Mesmo com tristeza, ele sabe que vai ter de fazer isso em algum momento nos próximos anos.

Os povoados búlgaros assistem, há décadas, a uma redução de moradores. Quando o Partido Comunista assumiu o comando do país, após a Segunda Guerra Mundial, foram introduzidas técnicas de agricultura coletiva. A partir de 1989, com a dissolução da União Soviética e o fim da Guerra Fria, a agricultura comunitária parou de ter incentivos, aumentando o fluxo migratório do campo para as cidades.

Muitas pessoas foram além e mudaram de país à procura de emprego. Em 1989, cerca de 9 milhões de pessoas moravam na Bulgária. Atualmente, são menos de 7 milhões. Até 2050, as estimativas são de que o país terá menos de 5,5 milhões. No final deste século, a população será a metade da atual.

O êxodo contribuiu para outro fator também relacionado ao encolhimento da população: queda na taxa de natalidade, uma vez que jovens adultos estão deixando o país.

A última vez que um bebê nasceu na vila de Stefka, que trabalha numa mercearia, foi há dez anos. Mas nem a garota nem a mãe moram mais no povoado. Mudaram-se para o Chipre.

No alto da montanha, muitas lojas já fecharam as portas, assim como a escola local. Os ônibus deixaram de circular por ali. "Essa vila tinha cerca de 600 pessoas, agora tem 13. Muitos estão no cemitério e outros nas cidades", diz Boyan, de 70 anos, moradora de Kalotinsi.

Em Smirov Dol, outro vilarejo búlgaro que sofre com o êxodo de moradores, Stanka Petrova lembra dos tempos em que havia muita gente no povoado, enquanto espera pela chegada de uma loja itinerante, que abastece a região de tempos em tempos.

"Eu nasci aqui. Era muito bom e divertido. Jovens, velhos", diz, sentada debaixo de uma árvore, onde a estrada que leva às montanhas faz uma curva. Ela diz que esse era o lugar onde as pessoas se encontravam para dançar a tradicional música búlgara.

"Não tem ninguém no vilarejo, então, claro, nada disso pode acontecer mais", diz ela. "Nessa rua, por exemplo, tinha muita gente morando nessas casas. Agora, só eu vivo aqui", lamenta.

Questionada sobre a possível solidão, Stanka Petrova não hesita. "Claro que estou solitária. É muito difícil", diz com os olhos marejados.

As pessoas em Kalotinsi e nos vilarejos das redondezas igualmente dependem de uma loja móvel para comprar mantimentos. A mercearia funciona numa van e visita a região três vezes por semana.

Os donos do negócio são o casal de meia idade Atanas e Lili Borisov. O veículo deles está sempre abastecido com um pouco de tudo, de pão e iogurte a cigarros e cerveja, além de medicamentos. Em dez anos, eles nunca deixaram de fazer suas entregas, mesmo no inverno mais rigoroso, quando a neve toma todas as estradas.

"Como tem pouca gente, somos amigos de todos. A gente tenta ajudá-los de todas as formas", diz Lili.

Apesar da popularidade do casal entre os poucos que ainda vivem nos povoados daquela região da Bulgária, Lili admite que o número de clientes e as vendas estão despencando.

A dona da mercearia ambulante diz que se preocupa quando alguém deixa de aparecer no lugar onde normalmente o casal estaciona para vender seus produtos. "Principalmente no inverno", ressalta. Ela conta que uma vez encontraram uma pessoa morta.

Programas

O governo está implementando diferentes medidas para tentar conter a redução da população e estimular o aumento da taxa de natalidade.

Entre outras medidas, a Bulgária oferece ajuda para bancar tratamentos de fertilidade, garante assistência de saúde infantil e apoio para pagar hipoteca. Também tem encorajado búlgaros que vivem no exterior a voltarem para o país - estrangeiros não são benvindos.

"A Bulgária não precisa de refugiados sem educação", afirma o primeiro-ministro interino Valeri Simeonov, um dos líderes do United Patriots (Patriotas Unidos, em tradução livre), um grupo anti-imigrantes que faz parte da base de apoio do governo búlgaro.

Para Simeonov, a Bulgária tampouco deve aceitar estrangeiros educados e qualificados.

"Eles têm uma cultura diferente, uma religião diferente e até hábitos diários distintos", diz, comemorando o fato de o país ter conseguido impedir um novo fluxo de imigração na Europa. Ele se refere à cerca de arame farpado construída ao longo de 260 quilômetros na fronteira com a Turquia para conter a entrada de imigrantes no país.

Números da Comissão Europeia indicam que a Bulgária recebeu apenas 50 imigrantes do Norte da África e do Oriente Médio entre 2015 e julho de 2017.

Está claro que o governo búlgaro não vê a imigração como uma possível solução para conter o encolhimento populacional no país. Apesar de o governo ter vários projetos para aumentar o número de crianças, no campo, o receio é de que tudo não passe de mera promessa política.

"Estamos abandonados aqui, abandonados pelos governantes e por Deus", diz Boya, que é um dos 13 moradores de Kalotinsi, a vila que um dia teve 600 pessoas. Ele reclama que os políticos nada têm feito para auxiliar os que ficaram nos povoados, em especial os mais velhos.

"Os políticos só querem saber de seus próprios interesses, eles não se preocupam com pessoas".