Por que o chavismo adiantou a eleição presidencial na Venezuela e que impacto isso tem sobre a oposição
"Se o mundo quer nos aplicar sanções, nós aplicaremos eleições." Com essas palavras, Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo, justificou nesta semana sua proposta de antecipar as eleições presidenciais no país de dezembro para até o dia 30 de abril.
Cabello apresentou essa iniciativa diante da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), que rege a Venezuela com poder absoluto, e a casa imediatamente aprovou um decreto ordenando o Conselho Nacional Eleitoral a fazer a convocação das eleições para o primeiro semestre.
A realização das eleições era um dos principais pontos de discussão nas negociações entre o governo do presidente Nicolás Maduro e a oposição venezuelana, que acontecem desde setembro de 2017 na República Dominicana.
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No entanto, a antecipação do pleito foi uma decisão unilateral do chavismo, fora da mesa de negociações.
Veja a seguir as respostas das principais perguntas sobre as eleições da Venezuela.
1- Por que o chavismo convoca essas eleições agora?
"O adiantamento das eleições presidenciais não é surpreendente. É o que mais convém ao governo nas atuais circunstâncias", diz à BBC Carmen Beatriz Fernández, consultora política da empresa Datastrategia e professora de Comunicação Política da Universidade de Navarra, na Espanha.
A especialista diz que essa possibilidade apareceu depois das eleições regionais de outubro de 2017, quando o chavismo elegeu 18 dos 23 governadores do país em um processo acusado de fraudulento pela coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).
Em dezembro, a MUD se absteve de participar das eleições municipais, o que permitiu ao chavismo ficar com 308 das 335 prefeituras do país.
Fernández diz que interessa ao governo aproveitar o desânimo que cresce na oposição.
"As perspectivas econômicas são muito ruins. O país entrou em um processo de deterioração forte de todos os indicadores, que, além disso, vão piorar. Quanto mais tarde houver eleições, mais difícil será para o governo", diz a especialista, referindo-se à crise de abastecimento e à hiperinflação na Venezuela.
Fernández diz que a convocação das eleições tambiém é uma reação às sanções impostas pela União Europeia contra funcionários do governo venezuelano.
2- É normal que as eleições presidenciais sejam antecipadas na Venezuela?
Desde a instauração da democracia, em 1958, as eleições presidenciais na Venezuela sempre foram realizadas em dezembro.
Mas houve três exceções: o pleito de julho de 2000 para legitimar novamente todos os poderes após a aprovação da nova Constituição; o de outubro de 2012, quando Hugo Chávez buscou sua reeleição após ter tido um câncer; e o de abril de 2013, para escolher o sucessor de Chávez após sua morte.
Realizar as eleições até abril foge da tradição, mas não é algo ilegal, já que a lei não diz ser obrigatório que elas aconteçam em dezembro.
3- Como a oposição reagiu diante dessa mudança?
As primeiras reações foram divergentes. O ex-governador do Estado de Lara, Henri Falcón, se postulou como pré-candidato e propôs que o candidato da oposição seja eleito por consenso.
Já o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, que se exilou no ano passado, disse que não foram oferecidas condições para que a oposição participe do pleito.
"Queremos eleições, mas transparentes, limpas, com monitoramento internacional, não eleições manipuladas", disse ele à Radio Caracol.
O ex-candidato presidencial Henrique Capriles Radonski publicou em seu perfil de Twitter que o governo pode perder as eleições diante de uma oposição unida.
"Se garantirem o direito que tem o nosso povo de decidir, eles vão embora", disse.
Carmen Beatriz Fernández, da Universidade de Navarra, diz que agora a oposição precisará decidir de forma consensual se vai participar ou não da disputa. "O pior que pode acontecer é alguns decidirem concorrer e outros não, o mesmo que aconteceu nas eleições para governador."
Ela adverte, no entanto, que não há garantias de que o processo eleitoral seja transparente.
"Para a oposição, a negociação na República Dominicana tinha como objetivo tentar equilibrar o sistema eleitoral venezuelano para que houvesse eleições minimamente competitivas. Com o adiantamento das eleições, sabemos que isso não acontecerá", diz.
4- Quem são os possíveis candidatos?
"O único candidato presidencial pelo SUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) será o atual chefe de Estado, Nicolás Maduro."
Com essas palavras Diosdado Cabello, o segundo homem mais importante do governo, encerrou qualquer discussão sobre quem será o representante chavista nas eleições.
Maduro manifestou sua vontade de tentar a reeleição, mas indicou que a decisão será tomada numa convenção do partido no dia 4 de fevereiro.
Até agora não há no PSUV nenhum aspirante com intenção e apoio político suficientes para disputar com o presidente a posição de candidato oficial.
Já na oposição há vários aspirantes a candidatos, incluindo o ex-presidente da Assembleia Nacional Henry Ramos Allup e o ex-governador do Estado de Bolívar Andrés Velásquez.
E vários outros líderes que poderiam tentar se candidatar, como Leopoldo López, Henrique Capriles ou Antonio Ledezma, estão impedidos legalmente.
5- Como a comunidade internacional reagiu à notícia?
O adiantamento das eleições presidenciais da Venezuela foi questionado pelo chanceler do México, Luis Videgaray. Ele afirmou que a convocação é incompatível com a negociação na República Dominicana.
"A data da eleição era uma das coisas mais importantes que estavam sendo negociadas ali, e ainda não havia nenhum acordo a respeito", disse Videgaray no Twitter.
O chamado Grupo de Lima - formado por 14 governos da América Latina e do Caribe, incluindo o Brasil - também rechaçou a antecipação das eleições.
"Esta decisão impossibilita a realização de eleições presidenciais democráticas, transparentes e com credibilidade conforme padrões internacionais e contradiz os princípios democráticos e de boa fé para o diálogo entre o governo e a oposição", disse o grupo em um comunicado.
O grupo já havia dito, no ano passado, que não reconhecia a legitimidade da Assembleia Constituinte formada pelo governo.
O governo dos Estados Unidos fez críticas semelhantes, dizendo que respalda "um sistema de eleições real, completo e justo, e não a Assembleia Constituinte ilegítima que foi feita por Maduro".
Diante dos questionamentos internacionais, Diosdado Cabello disse, ironicamente, no Twitter, que depois de haver solicitado eleições antecipadas, "os dirigentes da oposição e seus chefes imperiais" agora criticam sua convocação.
O chavismo sempre negou as acusações de supostas fraudes nas eleições venezuelanas e diz que o sistema eleitoral do país é o "mais seguro" do mundo.
Após a polêmica eleição da Assembleia Nacional Constituinte em julho de 2017 - que foi boicotada pela MUD por ser considerada fraudulenta -, a empresa Smartmatic, responsável pelo software das urnas venezuelanas, afirmou que foram contabilizados pelo menos um milhão de votos a mais do que seria esperado.
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