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Há risco de guerra entre potências internacionais na Síria?

A ofensiva turca em Afrin coloca a Turquia diretamente contra os Estados Unidos, seu aliado na Otan - Getty Images
A ofensiva turca em Afrin coloca a Turquia diretamente contra os Estados Unidos, seu aliado na Otan Imagem: Getty Images

Sebastian Usher - Editor da BBC para assuntos árabes

Editor da BBC para assuntos árabes

24/02/2018 09h11

Como todos os conflitos que parecem não ter fim, a luta na Síria se dividiu em diversas miniguerras.

O confronto original entre o governo sírio e aqueles que tentam derrubá-lo tornou-se praticamente irrelevante, com o poder do presidente Bashar Al-Assad reduzido, ainda que ele continue firme no cargo. Enquanto isso, o próprio termo "rebelde" se tornou praticamente obsoleto no contexto do país.

Tempos atrás, isso poderia até ter criado um vazio no poder. Mas, agora, existe uma vertiginosa dispersão de forças competido pelo vasto território que não está sob controle governamental.

Os patrocinadores estrangeiros dessas forças são as principais potências internacionais e têm utilizado desde a diplomacia até a intervenção militar aberta no conflito sírio.

Isso não só aumentou a tensão na região como também faz crescer o risco de um embate entre diferentes potências com interesses distintos na região - ainda que, até agora, toda vez que que os interesses dessas nações estiveram perto de colidir houve um recuo tático nas intervenções em território sírio para evitar a escalada da violência.

Mas, desde domingo, uma onda de bombardeios perto de Damasco já deixou quase 500 mortos, entre eles mais de 100 crianças. Na sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU adiou, por falta de consenso, a votação de uma resolução que apoiava um cessar-fogo de 30 dias na Síria.

Como as potências estão envolvidas?

Rússia e Irã são os países mais envolvidos na disputa síria, tanto financeiramente como também política e militarmente.

Portanto, tiveram os maiores ganhos em termos de poder e influência, mas também foram os países que mais perderam em número de combatentes. Também arcaram com o alto custo econômico de evitar uma derrota do presidente Al-Assad.

Os Estados Unidos se aventuraram menos na região, apesar de terem chamado a atenção ao bombardear em abril do ano passado numa base militar síria. Nunca estiveram completamente comprometidos em apoiar os rebeldes, ainda que já tenham atuado em favor dos grupos que tentam destituir o presidente sírio.

O resultado foi uma queda significativa da habilidade dos EUA de conduzir a situação e a percepção de falta de clareza em seus objetivos, diante da comunidade internacional.

A Turquia é outro ator considerado chave por, originalmente, ter apoiado os rebeldes e, mais recentemente, por causa de sua determinação em evitar que os curdos sírios criem uma espécie de pequeno Estado em sua fronteira com o país.

Em janeiro, o governo turco deu início a uma vasta operação militar no norte da Síria contra a milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG, na sigla em curdo), que considera um "grupo terrorista".

Ao sul, Israel se manteve à margem da maior parte do conflito, com receio de se ver arrastado para o centro da Guerra - como durante os 16 anos de guerra civil no Líbano.

Assim, o governo israelense se limitou principalmente a atacar alvos que diz serem bases militares iranianas e pontos de transporte de armas ao grupo extremista libanês Hezbollah.

Durante grande parte da guerra síria, que se arrasta há pelo menos sete anos, os interesses destes atores externos eram opostos entre si, e o fato de que seus objetivos eram mutuamente excludentes provocou o fracasso de todas as tentativas de pôr fim ao confronto.

Nos momentos em que seus interesses estiveram mais perto de colidir, essas potências puderam lançar mão de suas forças no território sírio para resolverem essas questões.

No entanto, sempre que focos de tensão perigosos se apresentaram, todas as partes deram um passo atrás para evitar a escalada, deixando os sírios sofrendo as consequências.

Propósito compartilhado

A ascensão do grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) pode ter introduzido uma dimensão ainda mais obscura e selvagem no conflito, mas também trouxe o alívio temporário de um propósito compartilhado: o esforço de derrotar um combatente que quase todos os participantes da guerra veem como inimigo.

Americanos, russos e iranianos, turcos e curdos, até mesmo o regime de Assad, colocaram suas diferenças irreconciliáveis de lado tempo suficiente para enfrentarem o grupo jihadista - não necessariamente como aliados, mas pelo menos não como rivais no campo de batalha.

O poder das forças congregadas contra o EI demonstrou ser muito grande para os jihadistas, que perderam seu território e voltaram à insurgência.

Mas enquanto esta batalha normal ocorria, também se estavam criando ativamente novas complicações para o futuro pós-EI.

Os curdos, com o respaldo americano, expulsaram os jihadistas de grande parte do território, aumentando as preocupações da Turquia sobre seu poder crescente.

Os russos e os iranianos se entrincheiraram profundamente na Síria, enquanto o regime continuava recuperando mais território.

Após a derrota do EI, os Estados Unidos parece ter ficado sem clareza sobre sua missão na Síria, e até mesmo com menos influência.

Israel viu os combatentes do Hezbollah e do Irã cada vez mais perto de sua fronteira, o que provocou um comprometimento mais ativo - ainda que cauteloso - do governo israelense no conflito.

As zonas onde conflito acontece em menor escala cresceram em volume, mas em muitas partes da Síria ainda se ouve o som dos bombardeios aéreos.

Qual o risco de um confronto maior?

Pode parecer estranho falar da instabilidade na Síria como fosse um novo elemento na guerra.

Mas o crescente esforço internacional em distintos campos de batalha aumenta o risco real de que ele se torne um conflito em que as potências passem a se enfrentar diretamente. E isso é um sinal extremamente perigoso.

Eventos recentes mostram que a disposição dos envolvidos a dar um passo atrás para evitar um embate mais profundo pode já não ser totalmente confiável.

Um avião de combate F-16 israelense foi derrubado por um ataque antiaéreo sírio e caiu no norte de Israel, depois que as forças locais interceptaram um drone iraniano no espaço aéreo.

O episódio recente foi parte de um recrudescimento das tensões no sul da Síria, que até agora estava mais silencioso. E ocorreu em meio a relatos de que mercenários russos morreram durante bombardeios americanos, quando avançavam em direção a uma base curdo-americana.

Enquanto isso, a ofensiva da Turquia contra os curdos sírios coloca o país diretamente contra os Estados Unidos, mesmo que os dois países sejam aliados na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Tudo isso pode apenas prolongar a guerra na Síria, mas também levanta temores de que o pior - um confronto aberto entre as maiores potências militares do mundo - ainda esteja por vir.