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O que mudou na Venezuela 20 anos após triunfo de Hugo Chávez 

Grafite mostra o rosto de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro em Caracas - Ariana Cubillos/AP
Grafite mostra o rosto de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro em Caracas Imagem: Ariana Cubillos/AP

Guillermo D. Olmo

Correspondente da BBC News Mundo na Venezuela

08/12/2018 15h51

No dia 6 de dezembro de 1998, há 20 anos, Hugo Rafael Chávez Frías ganhava as eleições presidenciais na Venezuela pela primeira vez e inaugurava uma nova página na história do país. À época, a Venezuela era castigada por corrupção, pobreza e desigualdade. O novo presidente chegava ao poder com a promessa de uma república refundada, que regeneraria a política e entregaria a tão desejada justiça social.

Mas, 20 anos depois, muitos dos problemas daquela época pioraram. O país vizinho vive a maior recessão de sua história. São 12 trimestres seguidos de retração econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano, que atualmente é controlado pela oposição.

A inflação no país está próxima de 1.000.000% ao ano. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11 quilos no ano passado. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece.

Como Chávez venceu?

O historiador Agustín Blanco Muñoz, autor de várias obras sobre a história recente da Venezuela e a figura de Chávez, explica o contexto daquela vitória chavista: "O sistema de Ponto Fixo, que acabou com a ditadura de Marcos Pérez Jiménez em 1958, era baseado em dois partidos, AD (Ação Democrática) e Copei (Comitê de Organização Política Eleitoral Independente), que se alternavam no poder sem conseguir resolver os problemas. Cada presidente que tomava posse culpava o anterior pela herança".

Então, os venezuelanos decidiram confiar em Chávez, um jovem militar que havia ficado famoso como líder de uma tentativa de golpe de Estado em 1992, contra Carlos Andrés Pérez.

Sua mensagem televisiva ao país pouco depois do fracasso da rebelião, quando anunciou que seu movimento bolivariano não tinha alcançado seus objetivos "por ora", foi, na verdade, como escreveu na época Gabriel García Márquez, "o início de sua campanha eleitoral".

Depois de ser perdoado em 1994 pelo presidente Rafael Caldera, Chávez, de gravata e já sem uniforme militar, competiu nas urnas seis anos depois e venceu de lavada.

"A situação em 1998 era de verdadeiro desastre e ele conseguiu se apresentar como um salvador em meio a esse desastre, porque os venezuelanos já não acreditavam nos partidos políticos tradicionais", diz Blanco.

Como estava a economia em 1998?

Apesar de ter feito declarações contrárias ao FMI (Fundo Monetário Internacional) em seu mandato anterior (1974-79) e na campanha presidencial de 1989, o presidente Carlos Andrés Pérez fez ajustes acordados com o órgão em troca de crédito para que a Venezuela pudesse enfrentar sua enorme dívida externa e melhorar sua economia, afetada pela queda dos preços de petróleo nos mercados internacionais.

Na época, tal como hoje, a Venezuela dependia de suas exportações de petróleo bruto, sem refino (portanto, sem valor agregado).

Na década de 1970, principalmente no primeiro governo de Pérez, a Venezuela havia se beneficiado de um boom de petróleo que permitiu um volumoso gasto social. Foram os anos conhecidos como "Venezuela saudita", caracterizados pelo investimento público e pela criação de infraestrutura no país.

Mas na década de 1980 aquela bonança terminou. Os preços, o desemprego e a dívida pública cresceram.

Até que, em 1989, logo depois de ser eleito pela segunda vez, Pérez implementou o programa econômico conhecido popularmente como "pacotão", que incluiu cortes em serviços sociais, aumento de impostos e privatização de empresas estatais.

Como era o clima social à época?

A Venezuela de 1998 ainda vivia sob o trauma do episódio conhecido como "Caracaço". Pouco depois de Pérez iniciar as reformas, uma revolta popular com protestos e saques estourou em Caracas.

O historiador Blanco Muñoz diz que o presidente suspendeu várias garantias constitucionais e, "para salvar a si mesmo e ao seu governo, botou o Exército na rua com ordem de matar". Ele chama esse momento de "massacre da Venezuela".

"Ainda estamos contando os mortos", lamenta em conversa com a BBC Mundo Juan Barreto, que acompanhou a candidatura de Chávez desde seus primeiros passos e foi responsável pela comunicação no seu governo.

A onda de violência e a repressão à época deixaram centenas de mortos, mas o número exato ainda é motivo de debate no país.

A indignação contra a resposta do governo aos protestos fortaleceu o apoio a Chávez mais tarde.

Gustavo Márquez, ministro de Chávez em duas ocasiões, afirma que nos anos finais do chamado sistema de alternância entre os dois principais partidos, "a elite política do país tinha se distanciado da população".

Qual é a situação da Venezuela hoje?

Esse contexto político e econômico do final da década de 1990 facilitou a ascensão de Chávez, um militar que propôs romper com a política tradicional.

Mas a situação de hoje tem alguns paralelos com aquele momento.

Em 2014 e 2017, ocorreram diversas ondas de protesto contra o governo de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, que morreu em 2013. Os enfrentamentos entre forças de segurança e manifestantes também deixaram dezenas de mortos --não há consenso sobre o número exato.

Barreto diz que ultimamente "o governo Maduro vem cerceando liberdades, mas não se pode dizer que seja igual ao que se viu no Caracaço", quando, segundo ele, "obrigaram jovens a atirar contra a população".

De acordo com o Observatório Venezuelano de Conflito Social, 2018 será o ano com mais protestos na Venezuela desde 2011, quando a organização começou a coletar os dados. No entanto, parece que eles estão se tornando menos intensos.

Já não acontecem as grandes marchas de oposição como em anos anteriores, mas sim concentrações menores de pensionistas, trabalhadores da área de saúde e outros grupos que protestam contra o governo e sua gestão econômica e contra a falta de acesso a serviços básicos.

E a economia venezuelana?

A economia da Venezuela começou a sofrer uma forte deterioração em 2013, ano em que morreu Chávez.

Segundo estimativa do FMI, o país terá vivido em 2018 seu terceiro ano consecutivo com uma queda superior a 10% do PIB, uma redução dramática de sua riqueza nacional. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O FMI prevê que, neste ano, caia mais 15%; e descreve a situação como "uma das piores crises econômicas da história".

A isso se soma a hiperinflação, um aumento constante e acelerado dos preços, que o FMI estima totalizar 1.000.000% até o fim deste ano.

Ainda que em 1998 a inflação já fosse um problema, a atual supera todos os precedentes na Venezuela e quase todos no mundo.

A crise atual também teve como causa a queda do preço do petróleo. Para o chavista Barreto, "Chávez não conseguiu romper com o modelo rentista petroleiro".

Acabou a corrupção?

Todos os analistas concordam que a farra de autoridades venezuelanas com esquemas de corrupção foi outro motivo importante que deu a Chávez sucesso nas urnas.

Já na década de 1970, proliferavam escândalos que vinculavam Carlos Andrés Pérez e figuras de seu entorno a suposto uso indevido de recursos públicos.

Depois do "Caracaço" e de duas tentativas golpistas de Chávez, Pérez foi formalmente acusado de gastar indevidamente milhões de bolívares de um fundo secreto presidencial e destiná-los ao envio de uma missão policial à Nicarágua.

O processo acabou com sua destituição como presidente pelo Congresso e a Suprema Corte o condenou a dois anos e quatro meses de prisão domiciliar.

Em 1998, Pérez foi acusado de novo pelo uso indevido de recursos públicos, que teria ocultado em contas de bancos americanos. Pérez deixou a Venezuela e acabou se instalando em Miami, onde morreu sem ter atendido aos requerimentos dos tribunais venezuelanos.

O chavismo tampouco se livrou da mancha de corrupção.

Um tribunal da Flórida condenou recentemente Alejandro Andrade, que foi tesoureiro da República e guarda-costas de Chávez, a dez anos de prisão por ter cobrado propina no valor de US$ 1 bilhão.

Outras pessoas do círculo de Chávez também estão sendo acusadas em diferentes lugares do mundo. Sua enfermeira, Claudia Patricia Díaz Guillén, espera na Espanha que a Justiça decida sobre sua extradição à Venezuela sob acusação de envolvimento no esquema do tesoureiro chavista.

A lista não acaba aí. Em Andorra, se investiga um grupo de diretores da PDVSA, a empresa de petróleo estatal venezuelana, acusados de roubar centenas de milhões de dólares.

O Ministério Público da Venezuela anunciou há poucas semanas que havia descoberto um esquema de apropriação indevida de dinheiro da companhia e disse que tinha prendido os responsáveis.

Além disso, dois sobrinhos da mulher do presidente Maduro foram condenados nos Estados Unidos, em 2017, por tentar levar 800 quilos de cocaína ao Haiti.

A situação se agrava com o acirramento político. Em 2015, o chavismo perdeu o controle do Parlamento e Maduro, que acusa constantemente os oposicionistas de tentarem tirá-lo do poder por meio de um golpe, decidiu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

Na prática, foi uma estratégia para esvaziar totalmente o poder do Legislativo comandado pelos opositores e criar uma instância paralela de decisão. O chavismo também domina o Tribunal Supremo de Justiça, instância máxima do Judiciário.