Kosher e halal: como os animais devem ser sacrificados segundo os rituais judeus e muçulmanos
Vacas, ovelhas e frangos tem de ser abatidos com corte no pescoço; recentemente, região belga passou a exigir que animais fossem insensibilizados, causando protestos de comunidades religiosas.
As comunidades muçulmana e judia na Bélgica estão contrariadas com uma nova lei que entrou em vigor na região de Flandres.
No começo de janeiro, em Flandres (uma das três regiões do país), uma norma proibiu a matança de animais sem que eles tenham sido previamente insensibilizados.
A insensibilização tem o objetivo de deixar o animal inconsciente, para que ele possa ser abatido sem dor.
Mas ambas as religiões seguem preceitos em que vacas, cabras, ovelhas ou aves de curral devem ser sacrificadas com um corte na garganta e deixadas dessangrando por horas até morrer.
É dessa forma que conseguem a carne que cumpre com os ensinamentos e a lei religiosa, uma prática ancestral e generalizada entre judeus e muçulmanos.
Mas se o animal estiver consciente, como estabelece o Alcorão e a Torá, os livros sagrados do Islã e do judaísmo, respectivamente, esse rito, com pequenas diferenças, é ilegal em 11 países europeus.
Enquanto a Suécia, Noruega, Dinamarca, Eslovênia e Islândia, e agora a Bélgica, exigem que se aplique algum sistema que faça o animal perder a consciência antes de passar a faca por seu pescoço, a Suíça e Liechtenstein introduziram exceções em relação às aves de curral.
O abate ritualística de animais é permitida na França, na Alemanha, no Reino Unido, na Ucrânia e na Rússia, onde vivem a grande maioria dos judeus da Europa, embora existam exceções.
No Brasil, o maior exportador de carne halal do mundo, há centenas de funcionários de países árabes trabalhando em grandes frigoríficos para garantir que o abate siga as regras que permitem que o produto seja qualificado como halal. Os frigoríficos são monitorados por fiscais dos países importadores.
Os grandes frigoríficos brasileiros aplicam a insensibilização no abate de frangos, porque acreditam que a medida aumenta em até mais de 20% a produtividade do processo - porque evita que o animal se movimente em demasia durante o abate.
Mas o setor vinha sendo pressionado pelo maior importador de frango brasileiro, a Arábia Saudita, que passou a exigir que os animais não fossem insensibilizados antes do abate.
Discriminação religiosa
Houve reclamações de que a Bélgica estaria atentando contra a liberdade religiosa.
O partido conservador Nova Aliança Flamenca, que apoiou a lei em Flandres, questionou a ética por trás do ritual de sacrifício de animais, argumentando que a morte dessa forma é brutal porque aumenta a agonia do animal e o submete a muito estresse antes de morrer.
No entanto, ambas as religiões argumentam que o corte rápido na garganta é a forma de produzir menos sofrimento no momento de sua morte.
Mas como funciona?
Halal significa "lícito". O termo designa objetos ou ações permitidos segundo a lei islâmica, a sharia. O oposto é haram - álcool, pornografia, carne de porco e apostas são haram, ou seja, são proibidos pela sharia.
"A palavra (halal) poderia ser traduzida como 'autorizado, recomendável, saudável, ético ou não abusivo'. Os muçulmanos de hoje entendem o termo como um estilo de vida", explica em sua página o Instituto Halal, entidade encarregada de certificar os produtos e serviços aptos para consumo por muçulmanos na Espanha e no México.
No caso dos judeus, o equivalente de halal é kosher.
Para que um produto possa ter o selo kosher ou halal, precisa ter sido controlado do começo do processo de produção até o momento em que é embalado.
No caso da carne, significa que o processo de sacríficio envolve até o alimento que se dá ao animal enquanto ele cresce.
Nas duas religiões, a figura do abatedor é chave.
Para os judeus, essa pessoa se denomina "shojet". Tem que ser religioso, estar saudável e ter se preparado para exercer o trabalho.
Perda de sangue
No caso do Islã, no abate halal, o abatedor deve pronunciar o nome de Deus antes de fazer o corte com um movimento contínuo da faca afiada. O procedimento é realizado com a face do animal voltada para Meca.
O que acontece com o animal antes de seu sacrifício também é muito importante.
Não só devem ser bem tratados, como não devem ver outros animais sendo sacrificados. Tampouco podem ver a faca com a qual perderão a vida sendo afiada.
No cerne do processo de sacrifício, segundo as duas religiões, está o objetivo de levar o animal à inconsciência em segundos, para que a morte ocorra por causa de uma hipóxia cerebral (falta de oxigênio no cérebro), e não por causa da perda de sangue.
"Eles querem continuar vivendo na Idade Média e querem continuar sacrificando sem insensibilizar o animal e sem obedecer a lei. Bom, lamento: na Bélgica, a lei está por cima da religião e assim permanecerá", disse ao jornal The New York Times Ann de Greef, diretora da associação GAIA (sigla em inglês para Ação Global pelos Interesses dos Animais).
No judaísmo, muitos já buscam possíveis alternativas.
Alguns rabinos ortodoxos permitem a insensibilização posterior ao corte, uma técnica em que os pescoços dos animais são cortados quase ao mesmo tempo em que ficam inconscientes.
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