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Bolsonaro vai a Davos: como o novo governo reposiciona o Brasil no xadrez internacional

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente terá vitrine para vender imagem do Brasil; mas especialistas observam contradição entre política externa defendida pelo ministro de Relações Exteriores e a agenda econômica ultraliberal de Paulo Guedes. Qual será que vai prevalecer? - Marcelo Sayao - 1º.jan.2019/EPA/BBC
No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, o presidente terá vitrine para vender imagem do Brasil; mas especialistas observam contradição entre política externa defendida pelo ministro de Relações Exteriores e a agenda econômica ultraliberal de Paulo Guedes. Qual será que vai prevalecer? Imagem: Marcelo Sayao - 1º.jan.2019/EPA/BBC

Nathalia Passarinho - Da BBC News Brasil em Londres

Da BBC News Brasil, em Londres

21/01/2019 08h00

Jair Bolsonaro fará estreia internacional no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça; especialistas observam contradição entre política externa defendida pelo ministro de Relações Exteriores e agenda econômica ultraliberal de Paulo Guedes; qual visão prevalecerá?

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia em um evento internacional. E vai ser logo no que é considerado uma das principais vitrines mundiais, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Líderes de cerca de 60 países estarão presentes e há curiosidade sobre como o novo governo deve reposicionar o Brasil no xadrez geopolítico internacional.

Até agora, mensagens conflitantes geram dúvidas sobre o futuro do Brasil nas relações internacionais.

De um lado, o próprio Bolsonaro e o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fazem críticas à China, indicam forte aproximação com Israel e Estados Unidos, e dão mostras de rejeição a mecanismos multilaterais de tomada de decisões - retiraram, por exemplo, o Brasil do Pacto sobre Migração da ONU e querem permitir que os integrantes do Mercosul negociem acordos comerciais fora do bloco.

Por outro, o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, defende fortemente a abertura do Brasil para o mercado, privatizações e a manutenção das boas relações do Brasil com seus principais parceiros comerciais - China e países árabes, certamente, estão entre eles. Militares que integram o governo também já criticaram a ideia de transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e participaram de reuniões com autoridades chinesas sobre possíveis parcerias na área de tecnologia.

Em Davos, a participação de Bolsonaro pode dar pistas sobre se o pragmatismo econômico de Guedes e dos militares vai ou não se sobrepor à política internacional de Ernesto Araújo e à retórica de Bolsonaro contra China e pró-Estados Unidos.

Essa encruzilhada na definição da estratégia brasileira em suas relações exteriores ocorre num momento que Estados Unidos, China e Rússia disputam protagonismo nas áreas de tecnologia, comércio e segurança. Ao mesmo tempo, líderes nacionalistas (da Itália e da Hungria, por exemplo) questionam a legitimidade de organismos internacionais e de acordos multilaterais.

O Brasil de Bolsonaro se alinhará aos EUA, abandonará acordos multilaterais e focará em negociações bilaterais de comércio? Ou vai abrir mercados, retirar barreiras protecionistas, tentar manter boas relações com "gregos e troianos" em prol do comércio e reforçar a participação em organismos internacionais?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que o discurso e os recentes movimentos do governo na área de política externa pendem para a primeira opção.

"Tem muita incoerência entre a agenda econômica do Brasil e essas ideias defendidas há muitos anos por Bolsonaro. Por enquanto, o discurso na área de relações internacionais está pendendo para o não ao globalismo, não ao multilateralismo, não à China, sim ao Ocidente, sim a Trump, sim ao nacionalismo e ao protecionismo", afirmou à BBC News Brasil cientista política Daniela Campello, professora de Relações Internacionais e política econômica da Fundação Getúlio Vargas.

Mas a BBC News Brasil apurou que, ao menos em Davos, Bolsonaro deve focar o seu discurso - ele vai participar da sessão de debates de chefes de Estado na próxima terça (22) - na tentativa de agradar investidores e parceiros econômicos, defendendo que o Brasil caminha para aprovar reformas que trarão equilíbrio fiscal e crescimento econômico ao país.

Nacionalismo x globalização

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, tem como princípios a defesa da globalização, do pluralismo e do multilateralismo. O próprio objetivo do encontro, que acontece anualmente, é debater uma agenda econômica global comum. O tema deste ano será "Globalização 4.0: Moldando uma arquitetura global na era da quarta revolução industrial".

Para a professora da FGV Daniela Campello, o discurso de Bolsonaro é de crítica aos pilares defendidos pelo fórum de Davos.

"É a ideia de que a globalização não é uma coisa positiva e que os países têm que colocar seus interesses individuais em primeiro lugar. É o 'America first' (América em primeiro lugar), 'Brasil first', 'Hungria first'", diz.

A retórica do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, segue essa mesma linha. No seu discurso de posse, Araújo exaltou em vários momentos a importância de valorizar o patriotismo e de colocar as necessidades da "nação" acima de demandas "globais".

"Lembrar-se da pátria não é lembrar-se da ordem liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global (...) Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global. Aqui é o Brasil. Não tenham medo de ser Brasil", afirmou.

"O Itamaraty existe para o Brasil, não para a ordem global.".

Nesse sentido, para alguns especialistas em relações internacionais, o Brasil sob o comando de Bolsonaro se insere num movimento em ascensão no mundo, principalmente em partes da Europa, como Itália, Polônia e Hungria, de retorno ao nacionalismo, rejeição da ideia de integração regional e questionamento a órgãos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio e as Nações Unidas.

"O Brasil se integra a essa tendência, ela nos alcança e nos coloca num contexto de muita volatilidade", diz o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Alcides Cunha Costa Vaz.

O ministro de Relações Exteriores já expressou claramente admiração pelos principais expoentes desse grupo: o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. O próprio presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se insere nesse contexto ao reforçar o nacionalismo, defender medidas duras contra a imigração e menosprezar organismos internacionais, como a ONU.

"Na questão ideológica, há uma corrente no mundo, compartilhada por setores do governo Bolsonaro, que entende que a globalização - a maior troca entre economias e circulação de ideias - leva à diminuição do poder dos governos nacionais. Eles acham que o chamado globalismo não é uma boa ideia, prejudica as nações e governos nacionais", diz o professor da Alberto Pfeifer, coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (USP).

Num outro espectro, estariam líderes europeus como Angela Merkle, da Alemanha, e Emmanuel Macron, da França, que defendem a integração regional e decisões compartilhadas sobre temas sensíveis como imigração.

"Admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo, por isso admiramos, por exemplo, Israel. Por isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a Hungria e a Polônia", disse Ernesto Araújo, no discurso de posse, acrescentando que, para ele, o problema do mundo "não é a xenofobia, mas sim a oikofobia".

"Oikofobia é odiar o próprio lar, o próprio povo, repudiar o próprio passado", especificou.

Para Alberto Pfeifer, as ideias do novo ministro de Relações Exteriores representam uma ruptura com a diplomacia que vinha sido adotada pelos últimos governos brasileiros. Mas, segundo ele, ainda é preciso aguardar para verificar se o discurso dessa ala do governo brasileiro vai preponderar.

"Bolsonaro apresenta uma série de propostas de ruptura da política externa recente do Brasil. Ideias antissistêmicas, antiglobalismo, são ideias novas na atuação externa brasileira. Ainda não se entende direito o conteúdo delas e as ações e consequências que vão derivar delas", afirma.

China x EUA

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, ocorre num momento de preocupação dos mercados com a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Nos últimos meses, Trump impôs uma série de tarifas a produtos chineses em retaliação ao que chamou de roubo de tecnologia e quebras de patentes por parte da China.

O país asiático respondeu também aumentando tarifas sobre produtos americanos. O pano de fundo para esse conflito vai além de interesses comerciais. China e Estados Unidos disputam protagonismo tecnológico. E a Rússia, aliada histórica da China, continua a ser uma força que antagoniza os EUA nas áreas militar e de segurança.

E onde fica o Brasil nisso tudo? A China é o principal parceiro econômico do Brasil - compra cerca de 25% do que exportamos. Os Estados Unidos, nosso segundo parceiro comercial, se preocupam com a expansão dos tentáculos chineses pelo mundo.

Nas primeiras semanas de governo, Bolsonaro tomou decisões que demonstram a intenção de uma aproximação forte com os Estados Unidos. E mesmo antes de se candidatar à Presidência, já era conhecido por fazer duras críticas à China. Em discursos na tribuna da Câmara, quando deputado federal, ele acusou reiteradamente o país asiático de querer "comprar o Brasil" e "roubar nossos recursos naturais".

A própria decisão do presidente brasileiro de seguir os passos de Trump e anunciar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi vista como um gesto de aliança ao presidente americano.

Mas se distanciar da China não é uma posição defendida pela área econômica do governo, nem pelos militares nomeados por Bolsonaro, para quem a parceria com o país asiático é essencial para a balança comercial brasileira e para viabilizar o projeto de privatização de estatais.

"Existe em alas do governo Bolsonaro uma tentativa de alinhamento com os Estados Unidos e de uma equidistância em relação à China. Os Estados Unidos têm uma preocupação crescente com a influencia em segurança, política e economia da China. Então, querem levar o Brasil a uma posição de maior distanciamento em relação à China", diz o professor da UnB, Alcides Cunha Costa Vaz.

"Mas esse distanciamento esbarra nos interesses comerciais do Brasil", adverte ele.

Daniella Campello, da FGV, também enxerga um "alinhamento automático" do Brasil com os Estados Unidos no governo Bolsonaro e a existência de uma visão negativa em relação à China por parte tanto do presidente quanto do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

"Nós sempre evitamos alinhamento automático. Mesmo nos anos em que estivemos mais próximos dos Estados Unidos, no governo Fernando Henrique Cardoso, sempre evitamos o alinhamento automático e mantivemos uma neutralidade. E isso sempre nos trouxe uma série de vantagens comerciais", afirma Campello, mencionando as trocas comerciais do Brasil com China e países árabes.

"Pode ser que a pressão do setor agrobusiness, do Paulo Guedes e do Mourão (vice-presidente da República) freie isso, mas as ideias manifestadas são de um afastamento da China e alinhamento com os Estados Unido."

Já o professor da USP Alberto Pfeifer afirma que é excessivo falar em "alinhamento" com os EUA neste momento. Seria mais preciso, segundo ele, usar o termo "aproximação". Mas Pfeifer alerta que comprar briga com a China não seria interessante para os interesses econômicos do Brasil.

"Se a China é o principal comprador do Brasil hoje, é preciso tratar bem a China. Estados Unidos são nossos principais parceiros e em termos de investimentos, tem que tratar bem também", defende.

"Tem gente dentro do governo que vai lembrar que é assim que deve se lidar. Uma coisa é falar duro e firme com a Venezuela. Outra coisa é confrontar Estados Unidos e China."

Multilateralismo x bilateralismo

O cenário internacional também é de racha entre grupos que defendem soluções multilaterais - principalmente nas áreas de clima, comércio e imigração - e aqueles que defendem soluções individuais em matéria de proteção ambiental e imigração e acordos bilaterais na área de comércio.

Nos últimos governos, o Brasil apostou na solução multilateral, levando, por exemplo, disputas comerciais com outros países à Organização Mundial do Comércio. Agora, integrantes do governo Bolsonaro - e ele próprio - dão sinais de que querem priorizar soluções que não dependam da participação de organismos internacionais ou blocos regionais.

"Do ponto de vista econômico, existe dentro de alguns setores do governo a percepção de que o multilateralismo na condução da agenda econômica externa, com a primazia da OMC por uma maior inserção comercial, não resultou positivo para o Brasil. Doha não chegou a boa resolução, não conseguimos abrir mercados agrícolas na Europa, nos Estados Unidos e no Oriente. Então vale a pena pensar noutra coisa?", explicou o professor da USP Alberto Pfeifer.

Alguns exemplos que demonstram a intenção de Bolsonaro de fugir de negociações multilaterais incluem: a retirada do Brasil do Pacto sobre Migração da ONU (acordo com diretrizes para a recepção de migrantes assinado por 164 nações em dezembro), e o início de negociações com o presidente argentino Maurício Macri para que os países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) possam realizar tratados de livre-comércio isoladamente e não obrigatoriamente em grupo.

"Em várias áreas estamos observando um movimento do governo brasileiro de se afastar de organismos internacionais e de blocos regionais, com direção a negociações bilaterais. Essas áreas incluem clima e imigração. Há um ceticismo com a globalização, manifestada por essa teoria do globalismo, que engloba um ataque ao multilateralismo", diz Daniela Campello, lembrando que Bolsonaro já defendeu a retirada do Brasil do Acordo de Paris, que prevê metas de redução de emissões de gases do efeito estufa.

O problema da opção pelo bilateralismo, apontam especialistas, é que a estratégia pode até ser positiva em negociações com países menos poderosos. Mas, em disputas com uma contraparte mais forte, a margem de negociação diminui, o que pode forçar o Brasil a se submeter a acordos desvantajosos.

"Os países se comportam conforme as conveniências. Quando você é o lado forte, é bom ir para o bilateral. A ideia do multilateral é diminuir a margem de manobra do lado forte", explica Pfeifer.

Curiosidade

Todos os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil concordam que a presença de Bolsonaro deve receber alguma atenção, porque há curiosidade em relação ao novo presidente brasileiro.

A imagem que prepondera de Bolsonaro no exterior, porém, não é positiva, segundo especialistas. E a participação em Davos pode ser uma oportunidade de mudar essa visão.

"Haverá muita curiosidade em relação a Bolsonaro. A imprensa internacional tem classificado Bolsonaro de maneira muito negativa, até certo ponto injustamente. Ele montou uma equipe boa. Mas ainda há uma percepção de que ele é destemperado e chauvinista", diz o professor da USP Alberto Pfeifer.

"Vai ser uma chance de ele mostrar moderação e previsibilidade."

Para conquistar investidores e a confiança das maiores economias do mundo, a expectativa é que Bolsonaro aposte num discurso sobre os esforços do governo em prol do equilíbrio fiscal, além de citar oportunidades de investimento que surgirão com privatizações de empresas estatais e defender abertura de mercados.

"Mais do que a política externa, Davos vai ser uma oportunidade para falar das perspectivas econômicas para o Brasil. Temer fez isso no ano passado, ao tentar comunicar os esforços para reorganização econômica do Brasil. Essa mensagem vai ser mais acentuada do que as posições de política externa", avalia Alcides Cunha Costa Vaz, professor de Relações Internacionais da UnB.

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O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.