Como partido de esquerda abraçou bandeiras da direita para voltar ao poder na Dinamarca
Após quatro anos na oposição, um partido de esquerda voltou ao poder na Dinamarca. Mas, para tal, o vencedor das eleições parlamentares no começo de junho, o Partido Social-Democrata, encampou parcialmente bandeiras da direita - como a de restringir a entrada de imigrantes no país. E, por isso, não deve conseguir formar um governo de coalização de centro-esquerda, mas se contentar com um governo de minoria, disposto a votar com partidos de orientações distintas dependendo do tema em pauta no Parlamento.
Nos últimos anos, os social-democratas apoiaram diversas medidas controversas, entre elas a proibição de cobrir rostos em público, a suspensão das cotas das Nações Unidas para o reassentamento de refugiados na Dinamarca e o confisco de bens de solicitantes de asilo para ajudar a custear suas despesas.
Embora essas propostas destoem do perfil da esquerda europeia, Mette Frederiksen, a líder do partido, não se furta de defendê-las. Recentemente, a política de 41 anos afirmou que a abordagem era necessária "se quisermos que essa sociedade funcione" e que "você não é uma pessoa ruim só porque está preocupada com a imigração".
O posicionamento à direita neste tema, aliado a pautas tradicionais da esquerda, como maiores gastos sociais e foco em políticas climáticas, garantiu aos social-democratas 25,9% dos votos. Os liberais somaram 23,4% e o PPD despencou de 21%, em 2015, para 8,7%.
"A estratégia dos social-democratas definitivamente valeu a pena. É muito claro que ganharam votos do Partido Popular Dinamarquês (de centro-direita, que fazia parte do governo anterior). Por outro lado, também perderam eleitores [liberais para partidos mais à esquerda]. Seu apoio geral é pelo status quo", explica à BBC News Brasil Kasper M. Hansen, professor de Ciência Política na Universidade de Copenhagen.
O bloco de centro-esquerda, liderado pelos social-democratas, deve ocupar 91 das 179 cadeiras do Folketing, o Parlamento dinamarquês. Os partidos de centro-direita ficaram com apenas 75. "Os social-democratas asseguraram a maioria para a esquerda, o que é um tremendo sucesso. Do contrário, não haveria mudança no governo", diz Hansen.
Sob o comando de Frederiksen, o partido defendeu um limite para "imigrantes não ocidentais" e a realocação de refugiados em campos no norte da África. "A liderança considerou isso necessário para vencer eleições. O partido argumenta que a nova linha é a correta para defender o Estado de bem-estar-social no futuro", afirma Rune Stubager, cientista político da Universidade de Aarhus.
Para o acadêmico, contudo, a legenda não irá necessariamente introduzir novas medidas de imigração mais restritivas. Deve manter o sistema atual, que já é um dos mais anti-imigração da história do país.
"A maior parte dos principais políticos social-democratas está realmente preocupada e acha que há problemas não resolvidos com imigrantes. Não é apenas uma questão econômica (mais imigrantes estão desempregados e precisam de benefícios sociais), mas também cultural e de valores. Por estas razões, Frederiksen garantiu que manterá a política existente", argumenta Helle Ib, jornalista e analista política dinamarquesa.
Por outro lado, há quem acredite que o debate atual é resultado de uma retórica política desonesta que omite progressos na integração de estrangeiros no país. "Há problemas com a imigração, mas também muitas histórias de sucesso. Só que é quase impossível para esses partidos falarem sobre isso", destaca Tim Whyte, secretário-geral na Dinamarca da ONG ActionAid.
Segundo Whyte, apesar de as taxas de emprego entre imigrantes ainda serem baixas, elas "estão se nivelando". Além disso, muitas das mulheres jovens imigrantes possuem "nível de educação mais alto" do que jovens locais. "Então, há várias estatísticas que têm dificuldade de quebrar a barreira do diálogo político", diz.
Com quem governar?
Os social-democratas agora estão negociando a formação do novo governo. Frederiksen já manifestou interesse em uma gestão com minoria no Parlamento, buscando o apoio da esquerda para temas como gastos sociais, educação e clima, e o da direita para a imigração.
Para alcançar a governabilidade, contudo, o partido pode ser forçado a fazer concessões aos demais integrantes do bloco de centro-esquerda vencedor, em especial o Partido Social-Liberal, o Partido Popular Socialista e a Aliança Vermelha e Verde. Essas legendas, em geral, defendem plataformas de imigração menos agressivas.
"Os sociais-democratas venceram a eleição, mas criaram um grande problema para si mesmos: não concordam inteiramente com os partidos que os ajudarão a formar um governo. Essas outras legendas fizeram campanhas com políticas de imigração e refugiados diferentes", avalia Whyte.
Outros tópicos relevantes
A imigração não foi o único tema das eleições parlamentares da Dinamarca. Os social-democratas conseguiram grande apoio popular ao prometerem aumentar anualmente os gastos sociais em 0,8%. Para isso, elevarão os impostos de empresas e dos ricos.
Apesar de os dinamarqueses pagarem elevados impostos para, entre outros motivos, ter acesso gratuito à saúde e educação, muitos destes serviços passaram a ser cobrados. Segundo a Reuters, cortes nos sistemas de saúde levaram ao fechamento de um quarto dos hospitais públicos na última década, levando mais de um terço da população a contratar um seguro de saúde privado, em comparação com 4% em 2003.
Além disso, o país fechou cerca de um quinto das escolas estaduais e cortou gastos com casas de repouso e reabilitação pós-doença para idosos.
"Vemos uma nova maioria no país porque muitos eleitores sentem que outras questões [além da imigração] se tornaram mais importantes. Houve uma grande discussão sobre desigualdade e como agora, pela primeira vez em décadas, temos casos de pobreza infantil na Dinamarca", comenta Whyte.
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