DNA pode revelar mistério de crânios encontrados em casa de Stroessner no Paraguai
Comissão da Verdade e Justiça do Paraguai, criada em 2004, determinou que mais de 423 pessoas desapareceram durante o regime de general Alfredo Stroessner; apenas 37 corpos foram encontrados.
Peritos forenses farão testes de DNA em ossadas encontradas em um casarão usado pelo general paraguaio Alfredo Stroessner, líder do governo militar mais longevo da história da América do Sul, na fronteira do Paraguai com o Brasil.
Stroessner comandou a ditadura militar do Paraguai de 1954 para 1989. Durante seu governo, 459 pessoas foram mortas ou desapareceram, 18.722 foram torturadas e 19.862 foram presas, de acordo com a Comissão da Verdade do país.
Rogelio Goiburú, que dirige a Comissão, diz que os restos mortais foram encontrados na quarta-feira por pessoas que invadiram a casa em busca de supostos tesouros da família Stroessner que estariam escondidos no local, em Ciudad del Este.
As ossadas foram encontradas debaixo de azulejos de um banheiro e pertenceriam a quatro pessoas.
Goiburú, cujo próprio pai desapareceu durante o regime de Stroessner, diz que há muitos relatos sobre o possível uso da propriedade como um centro de tortura. Abandonado nos últimos 30 anos, a casa de campo, em um terreno de 30 hectares, passou a ser ocupada por famílias sem-teto e usuários de drogas pesadas como a heroína.
Histórias como estas renderam ao local o apelido de "casa dos horrores".
"Há relatos de que gritos e choro podiam ser ouvidos vindo daquela casa [durante a ditadura militar]. As pessoas imploravam por suas vidas. Pode haver muitos corpos enterrados lá", disse Goibirú, que visitou o local há cinco anos.
Como não tinha um mandado oficial de busca, ele só conseguiu realizar uma busca superficial na propriedade e diz não ter encontrado nada suspeito ali.
À BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, ele disse que a descoberta dos restos mortais traz esperanças àqueles que, como ele, procuram parentes desaparecidos.
"Até eu estou indo com a esperança de encontrar meu pai entre os que estão enterrados lá."
'Saiu correndo'
Um dos presentes durante a descoberta das ossadas narrou a surpresa que sentiu em entrevista a uma televisão local.
"Há rumores de que ali há ouro, mas o que encontramos foram ossos. O homem que estava escavando em busca do ouro saiu correndo", contou.
A posse da casa é motivo de controvérsia há anos no Paraguai entre pesquisadores, que se dividem em atribuí-la ao Estado ou a um neto de Stroessner.
Como quase tudo o que rodeia a vida do general, suas estadias no casarão estão entre as muitas páginas que ainda estão por ser escritas na história recente do país.
Sabe-se que a propriedade passou para as mãos de Stroessner em 1962, depois que as terras foram distribuídas entre 17 outros generais. A imprensa local se referia à quinta como "uma reserva da Câmara dos Deputados".
Desde então, tornou-se uma das muitas casas que o presidente tinha em todo o país e era descrita como uma de suas favoritas. Segunda cidade mais importante do Paraguai, Ciudad del Este chegou a ser rebatizada em homenagem ao general e se chamou Puerto Presidente Stroessner até 1989.
Para alguns especialistas, devido à sua proximidade estratégica com tríplice fronteira (Paraguai, Argentina e Brasil), a mansão seria mais que uma casa de descanso.
Terror
Segundo vizinhos, pessoas em busca "de ouro e prata" aparecem regularmente no casarão e costumam encontrar ossadas. Apesar de narrarem ter feito denúncias, o caso nunca teria sido levado a sério por autoridades.
Para o líder da Comissão da Verdade, a descoberta das ossadas na semana passada pode dar novo fôlego às investigações sobre violações de direitos humanos durante o regime militar.
"No Paraguai, além de áreas controladas pela polícia ou pelo Exército, casas particulares também eram usadas para a tortura. Uma casa em Assunção foi o local onde foi encontrado o chamado 'Arquivo do Terror', que mostra ligações da ditadura com a operação Condor", afirmou.
A operação foi uma aliança política e militar entre ditaduras da América do Sul e os Estados Unidos que teria sido organizada para reprimir e perseguir opositores e líderes de esquerda, segundo historiadores.
"Agora a grande dúvida é saber se há mais coisas escondidas nesta casa. E mesmo que não existam, o mais importante seria identificar estes restos mortais, dar-lhes nomes e trazer um pouco de paz às famílias de desaparecidos", acrescentou.
Defensores dos direitos humanos dizem que Stroessner foi líder um das ditaduras mais fechadas da América Latina.
Nas três décadas que se passaram desde o fim do seu governo, foram encontrados apenas 37 corpos de pessoas desaparecidas. Destes, apenas quatro foram identificados.
Ativistas também dizem que o atual governo do Paraguai não disponibilizou financiamento suficiente para a busca dos desaparecidos. O presidente Abdo Benítez é filho de um assessor próximo do general Stroessner e tem enfrentado críticas por defender o legado do antigo líder.
Bolsonaro e o 'estadista'
No fim de fevereiro, em visita oficial à fronteira entre Brasil e Paraguai, o presidente Jair Bolsonaro fez elogios a Stroessner e disse que a construção da usina hidrelétrica de Itaipu, compartilhada pelos dois países, só foi possível "porque do outro lado havia um homem com visão, um estadista que sabia perfeitamente que seu país, o Paraguai, só poderia continuar progredindo se tivesse energia".
"Então, aqui está minha homenagem ao nosso general Alfredo Stroessner", continuou o brasileiro.
A fala do brasileiro foi repudiada pelo Partido Liberal do Paraguai, que as classificou como "afronta e falta de respeito com milhares de compatriotas perseguidos, torturados e mortos".
Segundo o Departamento de Memória Histórica e Reparação, do Ministério da Justiça paraguaio, Stroessner também teria praticado "atos sistemáticos de pedofilia junto a outros líderes militares".
"Está documentado pelo testemunho de diversas vítimas que Stroessner era um pedófilo e que levavam a ele crianças de 9, 10, 12 anos de idade para terem relações sexuais com ele", disse à BBC o historiador paraguaio Carlos Pérez Cáceres.
"Não seria surpresa se, nesta casa, seus militares também recebessem crianças da região", afirmou Pérez Cáceres. "Há testemunhos destes abusos que agora começam a vir à tona e são fatos bastante aberrantes."
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