Por que a Bolívia ainda não sabe se terá segundo turno nas eleições presidenciais
Contagem deixou de ser divulgada a partir de 83% das urnas apuradas, quando apontava-se para um segundo turno entre Evo Morales e Carlos Mesa.
A contagem de votos na eleição presidencial da Bolívia avançava normalmente até a noite de domingo (20/10), quando pouco mais de 80% das urnas usadas naquele mesmo dia já haviam sido contabilizadas.
Só que a divulgação dos resultados simplesmente parou, deixando em dúvida se haverá segundo turno no pleito e despertando clamores internacionais e protestos por parte da oposição.
A confusão começou na noite de domingo, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou que, com 83,76% da apuração concluída, o presidente Evo Morales tinha mais votos (cerca de 45%) que seu principal adversário, Carlos Mesa (38%), mas que, até aquela etapa da apuração, não tinha conquistado seu controverso quarto mandato seguido em primeiro turno.
Depois disso, pouco antes das 20h no horário local, o TSE parou de divulgar a atualização dos dados. Em reação, Mesa pediu a seus apoiadores, através de sua conta no Twitter, que ficassem em "vigília" contra a possibilidade de fraude.
Na segunda-feira, o candidato opositor falou em "manipulação dos dados". "Estão tentando bloquear a possibilidade de segundo turno. Caminhamos para uma situação inaceitável para a democracia", disse Mesa, em La Paz.
Ainda na noite de domingo, Evo não citou a possibilidade de segundo turno e disse que esperava a contagem dos votos das áreas rurais, onde tem maior apoio eleitoral.
"Vamos esperar até a apuração final. Tenho certeza de que vamos continuar garantindo esse processo de mudanças com os votos da área rural", disse o presidente.
Pressão internacional e 'recontagem'
A situação levou a Organização de Estados Americanos (OEA), que tem uma missão eleitoral no país, a dizer que "é fundamental que o TSE explique por que foi interrompida a divulgação de resultados preliminares".
Há pressão internacional também por parte dos EUA. O principal diplomata americano para a América Latina, Michael Kozak, que é secretario-assistente de Estado para o Hemisfério Ocidental, escreveu no Twitter que "as autoridades eleitorais devem imediatamente restaurar a credibilidade e a transparência ao processo (eleitoral), de forma que a vontade do povo boliviano seja respeitada".
Em Buenos Aires, o Ministério das Relações Exteriores divulgou comunicado, nesta segunda-feira, dizendo que o governo argentino espera que a apuração e divulgação dos votos "sejam concluídas rapidamente".
Representantes do governo de Evo Morales pediram que a população não saia para protestar, "para não carregar o ambiente sem necessidade e gerar nervosismo", segundo a agência Efe.
Em entrevista coletiva, os ministros Diego Pary, das Relações Exteriores, e Manuel Canelas, da Comunicação, afirmaram que "não queremos um resultado apressado (das eleições). Temos que ser responsáveis com a população e com a informação com a qual lidamos". Também pediram ao TSE que informe com mais transparência o motivo pelo qual a divulgação dos dados foi paralisada.
"Estamos convidando os embaixadores de Brasil e Argentina, o encarregado de negócios dos EUA e os países interessados que acompanhem permanentemente a contagem oficial dos dados", declarou Pary.
Regras eleitorais
Pelas regras locais, para vencer, o candidato precisa contar com 40% dos votos e manter uma diferença de 10% para o segundo colocado ? ou então conquistar os votos de 50% mais um.
No sistema de contagem rápida e provisória que o TSE divulgou na noite de domingo, com 83,76% das atas verificadas, Evo, do Movimento ao Socialismo (MAS), contava com 45,28% da votação, enquanto Mesa, da Comunidade Cidadã, tinha 38,16%.
No portal do TSE, nesta segunda-feira, era mantida a mesma apuração divulgada na noite de domingo.
Ao mesmo tempo, uma apuração oficial definitiva, que pode demorar vários dias, também teria sido iniciada, segundo setores da imprensa local.
Como observou o analista José Luis Galvez, do instituto Ciesmori, em entrevista à BBC News Brasil, o TSE indicou que poderia haver segundo turno. "Pelos primeiros dados do TSE, Evo tem 7% de vantagem sobre seu principal opositor, Mesa. Faltando cerca de 17% para a conclusão da apuração, seria difícil e precipitado constatar que haverá segundo turno. Mas o clima de segundo turno está instalado no país e o da possibilidade de fraude, entre os eleitores da oposição, também", disse Galvez.
Trata-se da eleição mais complicada para Evo desde que foi eleito pela primeira vez, em 2005, com cerca de 54% da votação. Após governar o país por quase 14 anos, com resultados econômicos positivos e queda significativa nos índices de pobreza, o presidente foi criticado pela "manobra jurídica", como chamaram seus opositores, para disputar mais um mandato.
Nos últimos dias, a nova candidatura de Evo e os incêndios registrados no departamento de Santa Cruz de la Sierra, na fronteira com o Brasil, que críticos dizem ser resultado do aval do governo à ampliação da área de queimadas para cultivos, geraram protestos em vários pontos do país.
Nos chamados "cabildos" (concentrações populares), os bolivianos tinham como lema a democracia e maior cuidado com o meio ambiente, como contaram os analistas bolivianos Javier Gómez, do Cedla, de La Paz, e Francisco Solares, de Santa Cruz de la Sierra.
Para o ministro da Economia da Bolívia, Luis Arce, que esperava a vitória de Evo no primeiro turno, a economia foi fundamental no voto daqueles que querem a continuidade de Evo. "A vida dos bolivianos melhorou. E seria um risco para suas vidas que o neoliberalismo voltasse ao país", disse à BBC News Brasil.
Morales é o presidente boliviano que está no cargo há mais tempo na história do país. Uma mudança constitucional aprovada em 2009 criou a possibilidade de reeleição presidencial para dois mandatos consecutivos de cinco anos cada, o que permitiu que ele concorresse em 2010 e 2014.
Em 2016, os partidários de Morales convocaram um referendo para modificar a Constituição novamente e permitir que concorresse a um quarto mandato. Mas a proposta foi rejeitada pela maioria dos eleitores por uma margem estreita: 51,3% votaram pelo "não". Apesar disso, o Tribunal Constitucional determinou em novembro de 2017 que o limite de dois mandatos era "uma violação dos direitos humanos" e autorizou a nova candidatura.
A decisão gerou acusações da oposição de que o governo estaria sendo favorecido pelo tribunal e gerou suspeitas entre eleitores, como observou o analista do Ceres, de que as instituições estariam sendo manipuladas por Evo.
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