Os cuidados para não ser arrastado por uma cabeça d'água, o 'tsunami dos rios'
A morte de pelo menos três pessoas arrastadas por uma cabeça d'água em uma cachoeira no Parque Ecológico do Paredão, em Guapé, no sul de Minas, na quarta-feira, serve de alerta sobre os perigos de visitar rios e cachoeiras durante a temporada de chuvas que se inicia, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Eles afirmam, porém, que há formas de minimizar os riscos, como medir constantemente o nível das águas, evitar se banhar em vales com encostas íngremes e monitorar as nuvens nas cabeceiras dos rios.
As cabeças d'água costumam ocorrer quando chove na cabeceira (nascente) de um rio, ampliando rapidamente seu fluxo. O nível das águas pode subir vários metros em poucos segundos, como uma espécie de tsunami dos rios. As chances de ocorrência aumentam no período chuvoso, que em boa parte do país coincide com o verão.
Cabeça d'água ou tromba d'água?
Em algumas regiões do Brasil, as cabeças d'águas são mais conhecidas como trombas d'água. O ICMBio, órgão federal que administra os parques nacionais, costuma usar a expressão tromba d'água em guias e folhetos destinados a turistas que visitam essas áreas.
Mas a expressão tromba d'água se refere na meteorologia a um fenômeno climático distinto, que consiste na formação de colunas de água que lembram tornados sobre mares ou lagos.
Muitas vezes, pessoas são surpreendidas pelas correntezas ao se banhar vários quilômetros abaixo das cabeceiras, sem que haja qualquer sinal de chuva no local onde estão.
Por isso, diz o tenente Roberto Morais Ribeiro, do Corpo de Bombeiros de Passos (MG), é preciso ficar atento à presença de nuvens na parte alta dos rios.
"Se o clima está fechado lá em cima, mesmo que embaixo faça sol, já há grandes possibilidades de chegar uma tromba d'água", afirma. Nesse cenário, ele afirma que os banhistas devem sair do rio imediatamente. Às vezes, segundo o bombeiro, é possível ouvir o barulho causado pela tromba d'água instantes antes de sua chegada.
Riscos de esportes radicais
Ribeiro diz ter acompanhado dezenas de casos de cabeça d'água com "múltiplas vítimas" em seus 20 anos de profissão.
Segundo o tenente, deve-se evitar a prática de rapel ou outros esportes radicais em áreas sujeitas a cabeças d'água.
Em cabeças d'água, é comum que rochas e pedaços de árvores sejam arrastados rio abaixo, criando riscos adicionais aos banhistas.
Sinais de cabeça d'água
A presença de folhas secas ou outros materiais flutuantes no rio é outro indício de que uma cabeça d'água possa estar a caminho, diz à BBC News Brasil o biólogo Fernando Tatagiba, chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Segundo ele, normalmente é possível antever o fenômeno. Porém, como seus indícios são sutis e há pouco tempo para reagir, deve-se manter plena atenção durante a visita a esses locais.
Tatagiba recomenda que, ao entrar no rio, o banhista localize pedras que lhe permitam marcar mentalmente o nível das águas. "Se perceber que a pedrinha ou o nível de referência sumiu, acompanhado de uma possível turbidez da água, tem que sair imediatamente de perto do rio, buscando um local mais elevado."
Locais mais sujeitos a trombas d'água
Tatagiba diz que os lugares mais sujeitos a trombas d'água mortíferas são trechos do rio com encostas íngremes e afastados das nascentes, onde o nível da água tende a subir mais com o aumento da vazão.
Já locais próximos às cabeceiras tendem a ser menos perigosos.
Ele defende que gestores de parques naturais e donos de cachoeiras privadas alertem os turistas sobre os locais e épocas do ano em que há maior risco de acidentes.
"Diferentemente de clubes ou shoppings, o ambiente natural não é controlado, por isso é fundamental que o visitante esteja ciente de que há riscos inerentes a esses espaços e adote condutas que reduzam a chance de ser pego de surpresa."
No Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, segundo Tatagiba, todos os turistas têm de assinar um termo de conhecimento dos riscos, que incluem, além das cabeças d'água, animais peçonhentos e pedras escorregadias, entre outros pontos.
Segundo ele, os cuidados adotados impediram que o parque registrasse qualquer morte por cabeça d'água desde 1996, embora o fenômeno seja frequente nos rios locais. A última ocorrência no parque resultou na morte de uma jovem francesa e um guia, arrastados por uma cabeça d'água que fez o nível de um rio subir dez metros.
Segundo o tenente Roberto Morais Ribeiro, do Corpo de Bombeiros de Passos (MG), alguns donos de cachoeiras privadas da região da Serra da Canastra instalaram placas para sinalizar os locais mais sujeitos a cabeça d'água e costumam alertar os banhistas quando há possibilidade de chuva nas cabeceiras.
Outros, porém, não adotam qualquer medida de precaução, segundo ele.
Cabeças d'água nos EUA
Nos EUA, segundo o National Weather Service (órgão governamental que monitora eventos climáticos), cabeças d'água são o fenômeno climático que mais provoca mortes no país.
De acordo com o órgão, quase a metade das mortes ocorre quando cabeças d'água invadem estradas e arrastam carros com passageiros.
Um dos mais graves eventos da história do país ocorreu em 1990 em Shadyside, Ohio, quando uma cabeça d'água elevou o nível das águas em 10 metros, provocando 26 mortes pelo caminho.
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