Moro precisa liderar 'resposta enérgica' à criminalidade na Amazônia, cobra Human Rights Watch
A ONG internacional Human Rights Watch (HRW) disse que "o presidente Jair Bolsonaro assumiu uma agenda contra os direitos humanos" em seu primeiro ano de mandato, ao "enfraquecer proteções ambientais" e minar os "esforços de prevenção da tortura", além de "incentivar a polícia a matar" e "perseguir a mídia".
As duras críticas estão em seu relatório mundial de 2020, documento de 652 páginas lançado nesta terça-feira (14) em Nova York. A cidade americana foi escolhida depois que o diretor-executivo da organização, Kenneth Roth, foi impedido por autoridades chinesas de entrar em Hong Kong.
Na 30ª edição de seu relatório mundial, a ONG analisou a situação dos direitos humanos em mais de 100 países. Críticas ao governo brasileiro aparecem já na abertura do documento, que dedica especial atenção a violações de direitos humanos cometidas pela China, uma das principais potências mundiais.
"Em outros lugares (além da China), populistas autocráticos assumem cargos demonizando minorias, e depois se mantêm no poder atacando os freios e contrapesos a seus governos, como jornalistas independentes, juízes e ativistas", destaca Roth, na introdução do relatório.
"Alguns líderes, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, desafiam o mesmo corpo de normas internacionais de direitos humanos do qual a China desdenha, atiçando seus públicos ao forjar um combate fantasioso com os 'globalistas' que ousam sugerir que todos os governos devem respeitar as mesmas normas", continua o diretor-executivo.
Ao divulgar o capítulo do relatório dedicado ao Brasil, a diretora do escritório brasileiro da Human Rights Watch, Maria Laura Canineu, pressionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a liderar ações para combater a criminalidade na Amazônia.
Segundo a organização, a destruição da maior floresta tropical do mundo "não é meramente uma questão ambiental, mas também um problema gravíssimo de segurança pública e justiça".
O relatório destaca que o desmatamento é impulsionado por redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira, grilagem, fraudes, lavagem de dinheiro e corrupção, que usam "homens armados para intimidar e atacar defensores da floresta, inclusive agentes federais e indígenas".
O documento lembra ainda que em novembro e dezembro três lideranças indígenas foram assassinadas no Maranhão - Paulo Paulino Guajajara, Firmino Prexede Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara.
"O Ministro Sérgio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia", disse Canineu, em um comunicado.
"O que o Brasil precisa urgentemente para enfrentar essa crise é que seu Ministro da Justiça lidere uma resposta enérgica, em coordenação com as demais autoridades federais e estaduais, para desmantelar as redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal e que intimidam e atacam os defensores da floresta", reforçou a diretora da ONG no Brasil.
A HRW tem expectativa de ser recebida nos próximos dias por Moro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para discutir ações do governo federal na Amazônia.
Cobrança sobre processos ambientais
Ao mesmo tempo em que apela à liderança de Moro, o relatório mostra pouca confiança na atuação do Ministério do Meio Ambiente.
Na avaliação da HRW, "o governo Bolsonaro enfraqueceu as agências ambientais, reduzindo orçamentos, removendo servidores experientes e restringindo a capacidade dos fiscais ambientais de atuarem no campo".
O relatório nota que, enquanto a destruição da Amazônia cresceu mais de 80% no ano passado, de acordo com dados preliminares do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a aplicação de multas por desmatamento ilegal emitidas pelo Ibama, órgão submetido à pasta de Salles, caiu 25% de janeiro a setembro de 2019.
Em resposta às críticas recorrentes a sua pasta, Salles tem dito que "o Brasil tem uma legislação bastante restritiva sob a ótica ambiental". Ele defende que é preciso desenvolver a região Norte do país para conter o desmatamento e prega a "conciliação entre a produção agropecuária e o meio ambiente".
Nessa linha, o governo Bolsonaro criou por meio de decreto "núcleos de conciliação ambiental" para discutir e negociar em audiências os processos administrativos por infrações ambientais. No entanto, segundo dados obtidos pela HRW por meio de Lei de Acesso à Informação, nenhuma audiência foi realizada ao menos até 7 de janeiro, mantendo em suspenso a aplicação de multas e o andamento dos processos.
'Abusos policiais dificultam combate à criminalidade'
O relatório da HRW também acusa o governo brasileiro de incentivar a polícia a matar, citando a declaração de Bolsonaro pela aprovação no Congresso do excludente de ilicitude - dispositivo que permitiria aos juízes inocentar policiais que cometam excesso por "medo, surpresa ou violenta emoção".
"A partir do momento em que eu entro no excludente de ilicitude, ao defender a minha vida ou a de terceiros, a minha propriedade ou a de terceiros, a violência cai assustadoramente, os caras [bandidos] vão morrer na rua igual barata. E tem que ser assim", disse o presidente em agosto.
A ONG critica a proposta e ressalta que "os abusos policiais dificultam combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes ou a cooperarem com as investigações".
O relatório destaca também o número crescente de mortes por ação de policiais no país.
Tortura no passado e no presente
O documento também destaca como retrocesso na área de direitos humanos a defesa que Bolsonaro costuma fazer de ditaduras militares implementadas no Brasil e em outros países da América do Sul na segunda metade do século passado, assim como a exaltação que o presidente faz do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador do regime militar brasileiro.
Abordando os abusos atuais, a HRW lembra a superlotação nos presídios brasileiros e nota que o governo federal "tentou exonerar os peritos que compõem o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura", um órgão estabelecido por lei que combate em especial as agressões de agentes do Estado contra detentos.
Chamando atenção para o "problema crônico" da violência de gênero no Brasil, o relatório mundial ressalta ainda que a "Secretaria de Políticas para as Mulheres tinha executado apenas cerca de 40% de seu orçamento até novembro", embora o governo Bolsonaro tenha dito "que uma de suas prioridades em direitos humanos eram as políticas voltadas para as mulheres".
"O presidente Bolsonaro também perseguiu a mídia, organizações não governamentais e tentou restringir o acesso de crianças à educação sexual integral", acrescentou a HRW.
Relatório critica leniência internacional com abusos na China
O documento dá especial destaque aos abusos cometidos pelo governo da China, uma das principais potências mundiais. Segundo o diretor-executivo da ONG, Kenneth Roth, "o governo chinês depende da repressão para permanecer no poder" e "está realizando o ataque mais intenso ao sistema global de direitos humanos em décadas".
Roth teve sua entrada em Hong Kong barrada no aeroporto pelas autoridades chinesas. Segundo a AFP, agência de notícias francesa, a China anunciou sanções há um mês contra ONGs americanas, incluindo a HRW, em retaliação à lei americana recentemente aprovada em favor do movimento pró-democracia de Hong Kong.
"Permitir ou não permitir que alguém entre na China é um direito soberano", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, em uma coletiva de imprensa.
O documento da HRW compara a repressão chinesa ao Estado ultravigilante descrito por George Orwell em seu livro 1984, publicado em 1949.
"O Partido Comunista Chinês, preocupado com o fato de que permitir a liberdade política poderia comprometer seu poder, construiu um Estado orwelliano de vigilância altamente tecnológico e um sofisticado sistema de censura na internet para monitorar e abafar as críticas", diz Roth.
O documento cita como exemplo o sistema de monitoramento aplicado em Xinjiang, região ao noroeste do país, onde vivem cerca de 13 milhões de muçulmanos - uigures, cazaques e outras minorias de origem túrquica.
"Um milhão de oficiais e quadros do partido foram mobilizados a serem 'hóspedes' não convidados, 'visitando' regularmente e permanecendo nas casas de algumas dessas famílias muçulmanas para monitorá-las. A missão desses agentes é a de examinar a vida dessas pessoas e relatar 'problemas', como pessoas que rezam ou mostram outros sinais de prática ativa da fé islâmica, ou que entram em contato com membros da família no exterior, ou que demonstram qualquer outra coisa que não fidelidade absoluta ao Partido Comunista", diz o relatório.
"Esta vigilância pessoal é apenas a ponta do iceberg, um prelúdio analógico do espetáculo digital. Sem consideração alguma pelo internacionalmente reconhecido direito à privacidade, o governo chinês implantou câmeras de vídeo em toda a região, combinou-as com tecnologia de reconhecimento facial, implantou aplicativos de telefone celular para inserir dados das observações das autoridades, bem como pontos de verificação eletrônicos, e processou as informações resultantes usando big data", reforça o documento.
A HRW diz que a tecnologia tem sido usada em outras regiões do país e está atraindo governos com fracas proteções de privacidade, como Quirguistão, Filipinas e Zimbábue. "As empresas chinesas não são as únicas vendendo esses sistemas abusivos - empresas da Alemanha, Israel e Reino Unido também vendem essa tecnologia -, mas os pacotes acessíveis da China se mostram atraentes aos governos que desejam imitar esse modo de vigilância", ressalta a abertura do relatório.
Para a organização, "as ações de Pequim tanto incentivam, quanto ganham apoio de líderes populistas autocráticos ao redor do mundo, enquanto as autoridades chinesas usam sua influência econômica para dissuadir outros governos de fazerem críticas".
"É urgente resistir a essa ofensiva (chinesa), que ameaça décadas de progresso nos direitos humanos e o nosso futuro", conclui a ONG.
Bolsonaro, que se opõe fortemente regimes de esquerda com viés autoritário na Venezuela e em Cuba, depois de eleitos abandonou as críticas ao governo chinês, comandado há décadas pelo partido Comunista. Em visita em outubro à China, o maior parceiro comercial do Brasil, afirmou que estava em "um país capitalista".
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