Queda de avião no Irã: 3 fatores que levaram à derrubada do Boeing ucraniano por engano
Após dias negando, o Irã finalmente reconheceu o que as agências de inteligência ocidentais haviam revelado: o avião ucraniano que caiu na última quarta-feira em Teerã foi derrubado por engano por um míssil iraniano.
O governo inicialmente sugeriu que falhas técnicas teriam sido responsáveis pela queda do voo PS752 da Ukraine International Airlines, que caiu pouco depois de decolar da capital iraniana com destino a Kiev, matando as 176 pessoas que estavam a bordo.
Apenas três horas e meia antes do acidente, o Exército iraniano havia atacado duas bases americanas no Iraque em retaliação ao assassinato do general iraniano Qassim Suleimani, morto dias antes em um ataque aéreo ordenado por Washington em Bagdá.
Não é a primeira vez que um avião comercial é derrubado por engano.
Em 1988, os EUA abateram um voo de passageiros do Irã após identificá-lo como avião de combate. Em 2014, um avião da Malaysia Airlines foi atingido por um míssil de origem russa quando sobrevoava a Ucrânia em meio a um conflito entre as autoridades do país e militantes pró-Rússia.
No entanto, o reconhecimento desse último "engano" pelo Irã suscitou grandes dúvidas sobre como é possível que um voo comercial, corretamente identificado e programado, tenha sido confundido, apesar de ter decolado minutos antes do aeroporto internacional de Teerã.
"Há tantas falhas na operação que supõem um desastre completo. É um conjunto bizarro de circunstâncias. Realmente bizarro", diz Richard Aboulafia, vice-presidente do Teal Group, empresa americana de análise de mercado aeroespacial e de defesa.
A pedido da BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, diversos especialistas analisaram possíveis falhas que acreditam ser capazes de explicar o erro de identificação por parte do Irã que resultou na morte das 176 pessoas a bordo do avião ucraniano.
1. A transmissão de informações dos radares
Os analistas apontam que as salvaguardas existentes para operar mísseis terra-ar visam evitar erros de identificação. Mas, no caso do avião ucraniano, todas essas medidas falharam.
"Esse incidente sugere fortemente que a metodologia falhou e a tecnologia também", diz Steven Zaloga, analista de sistemas de mísseis do Teal Group, à Bloomberg.
A investigação deve esclarecer por que o Irã confundiu com um míssil um avião comercial que voava muito perto do aeroporto de Teerã e fazia sua rota habitual para Kiev.
Segundo Zaloga, os mísseis SA-15 Tor usados pelo Irã são muito eficazes contra ameaças de curto alcance, mas seu sistema de orientação não é projetado para distinguir aviões comerciais, aeronaves militares ou mísseis de cruzeiro com tanta facilidade.
No entanto, o avião da Ukraine International Airlines anunciou sua intenção de voar e transmitiu sua posição para radares civis o tempo todo.
E, de acordo com o especialista, esses dados deveriam estar disponíveis para os operadores responsáveis pelo sistema de mísseis, o que sugere uma falha na transmissão de informações.
"São múltiplas falhas. Você ignora a identificação do avião como um voo comercial, que está perto de um aeroporto e até mesmo as informações do seu radar, porque você vê que o alvo está subindo, e não descendo", afirmou Aboulafia à BBC News Mundo.
"Por alguma razão, os operadores do sistema de mísseis interpretaram mal o que estavam vendo no radar. Foi o que aconteceu em 1988 quando os EUA abateram um avião iraniano. E tenho quase certeza de que é isso que vai sair (da investigação)", avalia Mark Cancian, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington (CSIS, na sigla em inglês).
2. Não fechar o espaço aéreo do Irã
Por que o Irã não fechou seu espaço aéreo em um momento de tensão máxima em que esperava possíveis retaliações dos EUA após ter atacado bases militares americanas no Iraque?
Essa é uma das perguntas que não quer calar desde o incidente, uma vez que a decisão colocou em risco voos civis, como o da Ukraine International Airlines, e contribuiu para o "erro" que o Irã aponta na hora de identificar a aeronave.
Embora não exista uma explicação oficial do governo iraniano, vários analistas acreditam que, se o país permitiu operações de voo comercial, foi porque acreditava que isso reduziria a possibilidade de Washington responder com outro ataque.
"Segundo nossas fontes, o CGRI (Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica) decidiu não fechar o espaço aéreo do Irã como uma tática defensiva contra possíveis represálias por parte dos EUA", afirmou o canal de televisão Iran International.
"Assim, basicamente, todos os passageiros de cada avião civil foram usados como escudos humanos", tuitou Simon Petersen, diretor para Assuntos de Defesa Aérea e Antimíssil do grupo dinamarquês Terma, a respeito dessa teoria.
O avião foi derrubado apenas três horas e meia após o ataque iraniano às bases americanas no Iraque, mas Cancian acredita que foi "um erro claro" não ter fechado o espaço aéreo naquele curto período de tempo.
"Por um lado, você tem a indústria da aviação que deseja continuar operando e, por outro, o Exército, que não quer avisar quando vai disparar mísseis. E eles provavelmente não conversaram entre si", avalia o especialista.
Segundo ele, as pessoas gostam de acreditar que esses eventos são planejados de maneira centralizada, com uma estrutura racional.
"Mas elas esquecem que são seres humanos em meio a burocracias distintas, que operam de acordo com suas próprias regras, não conversam entre si e, portanto, colocam em risco a vida dos passageiros."
3. 'Estresse e medo' humanos
De fato, o especialista do CSIS acredita que o principal erro que levou à queda do avião se deve a falhas humanas — e não técnicas.
Para Justin Bronk, especialista em tecnologia militar do Royal United Services Institute, no Reino Unido, o "estresse e o medo" foram responsáveis pela tragédia.
Em artigo publicado no site do think tank britânico, o especialista contempla um cenário com "uma equipe encarregada do sistema de mísseis mal treinada ou inexperiente, exausta depois de ficar alerta por dias por causa do confronto entre EUA e Irã".
"São seres humanos sob muito estresse em uma situação de tensão militar. E precisavam tomar uma decisão em muito pouco tempo, porque acreditavam que o alvo era uma ameaça", destaca Cancian.
Segundo o Irã, o operador de mísseis "teve 10 segundos para decidir" se devia ou não realizar o ataque, aparentemente após seu sistema de comunicação ter sofrido "algumas interrupções".
Para Cancian, "poderiam ser 10 segundos, 20 ou 5, mas é muito pouco tempo".
"Não é suficiente para realmente se fazer muitas perguntas. Um míssil se move muito rápido, e os operadores não têm muito tempo para reagir."
Aboulafia acredita, no entanto, que agir com tanta rapidez só se aplica em um contexto de guerra e em uma zona de combate — e não a um cenário tão próximo a um aeroporto internacional.
Cancian lembra ainda o fato de que esses sistemas de defesa aérea não foram usados pelo Irã nos últimos anos e, na opinião dele, essa falta de experiência também pode ter influenciado o que aconteceu.
"Não são sistemas com os quais se pode praticar muito. E quando há um problema como esse, você pode imaginar que as pessoas não estariam muito seguras do que fazer."
Mas Aboulafa enfatiza que a falha vai muito além da atuação do operador de mísseis responsável pelo disparo.
"As pessoas cometem erros. Mas este é um erro organizacional. Não ter controle da operação de um sistema de mísseis próximo a um aeroporto comercial vai muito além de um erro. É quase impossível de acreditar em um sistema como esse", conclui.
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