Ação militar na Venezuela e ceticismo climático: o que defendem os senadores que Bolsonaro vai encontrar nos EUA
Presidente brasileiro terá encontro com Donald Trump, empresários e políticos locais, como Rick Scott e Marco Rubio.
Dois senadores republicanos que defendem que os EUA adotem uma ação militar contra a Venezuela são céticos em relação às mudanças climáticas e críticos à presença da China na América Latina. Rick Scott e Marco Rubio são alguns dos políticos com quem o presidente brasileiro Jair Bolsonaro irá se encontrar no Estado americano da Flórida, para onde viajará neste sábado (07/03).
Apesar da confirmação de que o presidente dos EUA, Donald Trump, e Bolsonaro irão jantar na residência do americano em Mar-a-Lago, os anfitriões iniciais de Bolsonaro no país eram esses políticos locais da Flórida, além do prefeito de Miami, Francis Suarez.
Na viagem, que se estenderá de sábado, quando o presidente deve chegar a Palm Beach à tarde, até terça, Bolsonaro visitará instalações militares em Miami, participará de seminário empresarial e encontrará a comunidade brasileira e um grupo de pastores na Flórida. Também irá visitar uma fábrica da Embraer na cidade de Jacksonville. Uma comitiva ministerial vai acompanhá-lo.
Segundo o Consulado do Brasil em Miami, em 2018, viviam cerca de 370 mil brasileiros na área da jurisdição da Flórida (que inclui Flórida, Porto Rico e Ilhas Virgens Americanas).
Além disso, há um grande fluxo de turistas brasileiros que viajam às cidades de Miami e Orlando. E, por fim, as relações comerciais entre o Estado e o país também têm peso. "O Brasil é o maior importador de produtos da Flórida e o terceiro maior exportador", disse o porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, nesta quinta-feira (05/03).
O encontro com Rubio e Scott está marcado na agenda de Bolsonaro para segunda-feira. Quem são esses políticos que devem se encontrar com o presidente brasileiro e quais são seus interesses com o encontro?
Fraude
Rick Scott assumiu sua cadeira no Senado em 2019. Ele é ex-governador da Flórida, Estado que administrou durante oito anos. Scott e Bolsonaro já se encontraram em outubro do ano passado, quando o americano fez uma visita de três dias ao Brasil. Na ocasião, também se encontrou com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
Scott, 67, é um empresário que começou na área de saúde, tendo fundado no fim dos anos 1980 uma empresa administradora de diversos hospitais. Anos mais tarde, o político foi envolvido em acusações de fraude — as alegações eram de que os hospitais enviavam cobranças falsas a sistemas de saúde geridos pelo governo americano.
Scott deixou o cargo em 1997 e, em 2000, a empresa declarou-se culpada por mais de uma dezena de crimes corporativos. A companhia acabou pagando quase US$ 2 bilhões em multas.
Em 2010, Scott concorreu ao cargo de governador da Flórida como um "outsider" contra um republicano mais estabelecido usando seu próprio dinheiro, lembra Gregory Koger, professor de ciência política da Universidade de Miami.
A vitória foi apertada e, diz Koger, apesar de conseguir a reeleição em 2014, Scott foi um governador impopular pela maior parte dos mandatos. Hoje, é um aliado de Trump, "que não foi muito crítico ao presidente durante a crise do impeachment", segundo o professor.
Scott também ficou conhecido nos EUA por seu posicionamento sobre as mudanças climáticas. Chegou a afirmar que "nada havia convencido" ele de que as mudanças climáticas existem.
Depois, questionado por um jornal se acreditava que as mudanças climáticas estavam significantemente afetando temperaturas, ele respondeu: "Bom, não sou um cientista".
De tão comum entre republicanos, a resposta acabou virando meme nos Estados Unidos.
Marco Rubio, o outro senador com quem Bolsonaro vai se encontrar, também já chegou a dizer a frase quando questionado sobre a idade da Terra. Rubio também questiona a ideia de que a atividade humana contribui decisivamente para as mudanças climáticas.
Scott, que convidou Bolsonaro aos EUA, também é bastante contrário à China. Na terça-feira (03/03), em um artigo publicado no jornal The New York Times, ele diz que "não se pode confiar na China comunista" e que o país não foi honesto em relação ao coronavírus.
Ao jornal Folha de S.Paulo, em uma entrevista concedida no ano passado, quando foi ao Brasil, Scott também já havia criticado o maior parceiro comercial do país: "A China não está América Latina para ajudar, mas para controlar", afirmou.
Venezuela
A Venezuela é um tema recorrente entre os senadores que encontrarão Bolsonaro.
Filho de imigrantes cubanos nascido em Miami, Rubio concorreu com Trump em 2016 nas primárias presidenciais do Partido Republicano. Perdeu, elegeu-se senador e, apesar de ter entrado em atrito com Trump durante a campanha dentro do partido, agora é ouvido pelo presidente quando o assunto é Venezuela.
Segundo uma reportagem do New York Times, o senador agora é visto como um "arquiteto das políticas e um porta-voz" na campanha dos Estados Unidos contra a Venezuela. Ele tornou-se um "secretário virtual" dos Estados Unidos para a América Latina, definiu o jornal.
"É de conhecimento público que o Trump rejeita o establishment da política externa e desconfia dos agentes tradicionais. Isso explica por que outras pessoas têm uma grande influência nas relações exteriores americanas: é porque há um grande buraco. E é aí que o Rubio entra", diz Gregory Koger, professor de ciência política da Universidade de Miami.
"Rubio entende sobre a América Latina. Além disso, ganhar na Flórida é muito importante para os planos (de reeleição) de Trump." E o apoio de Rubio pode dar ao pesidente uma votação importante no Estado.
É aí que o Brasil entraria também. Para seus planos contra a Venezuela, Rubio quer envolver o país.
No fim de janeiro, o senador escreveu um artigo publicado no site da CNN intitulado "US should go big on Brazil" (Os EUA devem investir no Brasil). "É crucial que os Estados Unidos capitalizem nessa oportunidade histórica para aproximar as duas nações", escreveu.
"Um forte, vibrante e democrático Brasil mais alinhado aos Estados Unidos como um parceiro estratégico pode ser uma força multiplicadora para lidar com a crise em andamento na Venezuela e combater as intenções malignas de regimes autoritários como a China, a Rússia e o Irã, que tentam expandir sua presença e atividades na América Latina."
Para conseguir esse apoio político do Brasil contra a Venezuela, ele argumenta que Trump deveria fazer uma série de concessões ao país, aumentando o investimento, a cooperação no setor da energia, apoiando a entrada do Brasil na OCDE, entre outros.
Rubio, que pertence aos comitês de Inteligência e de Relações Exteriores do Senado, já disse que uma ação militar na Venezuela para derrubar o governo de Nicolás Maduro "é sempre uma opção".
Eduardo Bolsonaro chegou a afirmar o mesmo no ano passado. Ao jornal chileno La Tercera, disse que "todas as opções estavam na mesa" para resolver a crise da Venezuela; dentre essas opções, o uso da força. O presidente Bolsonaro descartou a possibilidade.
Scott também já defendeu a invasão da Venezuela. "Respeito aqueles que são cuidadosos em relação aos perigos da intervenção militar. Normalmente estou entre eles. Mas é hora de admitir que a falta de ação pode ser igualmente perigosa, se não for mais ainda", escreveu em um texto publicado no jornal The Washington Post em maio de 2019. O link para o texto foi compartilhado por Eduardo Bolsonaro no Twitter e qualificado pelo deputado como "excelente".
Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos, observa que a Flórida é um dos estados-chave nas eleições americanas deste ano e, por isso, os políticos devem fazer tudo o que "der um 'boost' em sua votação, e certamente ações anti-Maduro dão".
Ele observa que existe um vínculo ideológico entre a direita americana e ao bolsonarismo, e que a família Bolsonaro também capitalizou na questão da Venezuela. "Existe uma conexão de agenda."
"Disso para o Brasil aceitar e participar de ação militar na Venezuela tem um caminho longo,", diz, "até porque militares brasileiros se mostraram bastante céticos ou em clara oposição à intervenção militar."
Para Loureiro, o encontro entre os políticos "tem um jogo de interesses enorme envolvido".
"Trump ganha na medida em que fortalece setores que são vocálicos contra o regime chavista na Venezuela, Scott ganha na medida em que fortalece sua própria posição e Bolsonaro ganha, sobretudo se conseguir alguns ganhos materiais entre Brasil e os Estados Unidos."
Além disso, destaca ele, os brasileiros que moram ou fazem turismo na Flórida compõem uma base fundamental para o bolsonarismo. Tudo o que fizer para facilitar a vida dessas pessoas "vai cair bem para a base bolsonarista no Brasil", diz o professor.
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