Coronavírus: Brasil não adota critério da OMS que amplia busca por casos suspeitos
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já disse diversas vezes que o Brasil está sempre um passo à frente de outros países na resposta à epidemia do novo coronavírus, mas em um aspecto importante o país está um passo atrás.
Em 27 de fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ampliou o critério para identificar casos suspeitos de contaminação pelo novo vírus, o Sars-Cov-2. A medida pode ajudar identificar se o novo coronavírus está circulando entre a população e já foi adotada por outros países, mas não pelo Brasil.
Até aquele momento, só eram consideradas suspeitas de infecção de Sars-Cov-2, pacientes que preenchessem tanto os critérios clínicos ? ter febre e um sintoma respiratório, como tosse ou congestão nasal, por exemplo ? quanto os epidemiológicos ? ter viajado para um país onde há transmissão local ou ter entrado em contato com um caso suspeito ou confirmado, há 14 dias dias ou menos.
A OMS alterou, então, essa definição para incluir uma terceira hipótese, que dispensa os critérios epidemiológicos e leva em conta apenas os critérios clínicos.
A organização passou a recomendar que seja testado para o novo coronavírus quem tenha uma síndrome respiratória aguda grave que requer hospitalização e, após a realização de uma série de exames, não tenha sido encontrada uma explicação para essa condição.
O critério foi incluído para ampliar a sensibilidade dos sistemas de vigilância de saúde e não deixar passar despercebidos casos em que uma pessoa apresenta os sintomas, mas não viajou nem teve um contato próximo com um caso suspeito ou confirmado, explica Jarbas Barbosa, diretor-assistente da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), braço regional da OMS nas Américas.
"Muitas vezes, as pessoas pensam na questão dos viajantes, mas houve um aprendizado com o caso da Itália, onde os casos importados originais não foram captados pelos sistemas de vigilância e se tomou conhecimento da presença do vírus no país quando pessoas sem histórico de viagem para a China foram hospitalizadas", diz Barbosa.
Aplicar esse critério é uma das formas de identificar se está ocorrendo a chamada transmissão comunitária, quando o vírus passa a circular livremente entre a população. Isso é especialmente importante a partir do momento em que a transmissão local passa a ocorrer em um país, como já é o caso do Brasil.
Cadeia de transmissão do vírus
Até agora, há 25 casos confirmados, dos quais 4 são de transmissão local ? quando o paciente contraiu o vírus no Brasil, mas ainda é possível identificar com precisão a fonte de contágio.
Os primeiros dois foram identificados em São Paulo na quinta-feira (05/03), em pessoas ligadas ao primeiro paciente brasileiro, um empresário de 61 anos que viajou à Itália. Desde então, mais dois foram confirmados, na Bahia e em São Paulo.
Em todos estes quatro pacientes, foi possível identificar a cadeia de transmissão do vírus. Quando essas conexões não podem mais ser estabelecidas, é possível afirmar que a transmissão comunitária está ocorrendo.
Após o anúncio dos primeiros casos de transmissão local, o Ministério da Saúde anunciou que a chamada rede sentinela, um conjunto de unidades de saúde que coletam amostras de casos de gripe e síndrome respiratória aguda grave para identificar os vírus que circulam entre a população, será usada para identificar se há transmissão comunitária do Sars-Cov-2 no país.
"Vamos recomendar que, para todo caso de síndrome respiratória aguda grave, a partir deste momento, a gente faça uma amostragem para testar mais sistematicamente para o novo coronavírus", disse Julio Croda, diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.
"Quando pegar um caso positivo em que não há uma cadeia de transmissão (identificada), teremos provas definitivas de que há essa transmissão local comunitária."
Mas o país ainda não adota o novo critério da OMS para a definição de casos suspeitos. Procurado pela BBC News Brasil, o Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.
Como membro da organização, o Brasil tem autonomia para adotar ou não o que diz a OMS ou adaptar as medidas sugeridas de acordo com suas situações particulares.
Mas as agências de controle e prevenção de doenças dos Estados Unidos e da Europa já adotam esse critério. Outros países da América do Sul, como Chile e Argentina, também o fizeram.
Desta forma, os pacientes que chegam aos hospitais no Brasil com sintomas de síndrome respiratória aguda grave mas não cumprem os critérios epidemiológicos não chegam a ser testados para o novo coronavírus.
"Se só testarmos viajantes ou quem teve contato próximo com um caso suspeito ou confirmado, não vamos detectar a transmissão comunitária de forma oportuna", diz a médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, do serviço de epidemiologia do Instituto Emilio Ribas.
"A demora na identificação da transmissão comunitária pode fazer com que a gente perca o momento da expansão do vírus, como aconteceu na Itália", acrescenta ela.
Custo do teste
O alcance desta medida seria de certa forma limitado, já que essa definição se refere apenas aos casos mais graves, e 80% das pessoas infectadas pelo Sars-Cov-2 apresentam sintomas leves.
"O novo coronavírus dá primeiro sintomas leves. Não faz sentido começar a testar todos os casos graves de síndrome respiratória, porque isso teria um custo altíssimo sem nenhum grande benefício", diz Kleber Luz, professor do Instituto de Medicina Tropical da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O infectologista diz que um exame para o Sars-Cov-2 custa entre R$ 400 e R$ 600. "É muito dinheiro para a saúde pública. Para um teste ser viável economicamente, seu custo deve girar em torno de US$ 1 (R$ 4,75)", afirma Luz.
Por sua vez, Ribeiro diz que, mesmo que a maioria dos pacientes infectados pelo novo coronavírus desenvolva apenas sintomas leves, o novo critério da OMS é uma medida importante para detectar a transmissão comunitária.
"Para saber se esse tipo de transmissão está ocorrendo, é preciso investigar os casos graves de síndrome respiratória, porque, se idosos e portadores de doenças crônicas forem infectados, são eles que vão ser predominantemente internados", diz a médica.
Medidas de contenção do vírus
Nos países onde a transmissão comunitária já vem ocorrendo, os governos adotaram medidas drásticas para tentar conter a disseminação do novo coronavírus.
A China colocou cidades inteiras em quarentena e estima-se que cerca de 500 milhões de pessoas foram alvo de restrições de circulação e viagens.
Foi no país que o Sars-Cov-2 foi identificado em dezembro e onde estão 80,8 mil dos mais de 105 mil casos confirmados até agora.
Segundo país mais afetado, a Coreia do Sul passou a enviar alertas pelo celular à população informando onde moram e por onde circularam os pacientes confirmados.
Na Itália, país mais afetado na Europa e terceiro no mundo com o maior número de casos, 16 milhões de pessoas estão sob quarentena.
Escolas, academias, museus, boates foram fechados, e campeonatos esportivos foram suspensos por tempo indeterminado.
O Irã, quarto país com mais casos, libertou provisoriamente 54 mil detentos, na tentativa de conter a disseminação do Sars-Cov-2 em suas prisões lotadas.
No Brasil, o Ministério da Saúde disse ser difícil prever se e quando a transmissão comunitária será detectada, mas já descartou adotar medidas semelhantes.
"Não vamos trancar uma cidade inteira ou bloquear o Brasil para o mundo. Vamos analisar e ver como (o vírus) vai se comportar e nos preparar da melhor maneira possível para atender às pessoas da forma mais digna", disse Mandetta.
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