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Apesar de isolado por apoio a protestos, Bolsonaro não deverá enfrentar reação política imediata, segundo líderes de partidos

Bolsonaro acena para manifestantes em protesto contra Legislativo e Judiciário - Sergio Lima/AFP
Bolsonaro acena para manifestantes em protesto contra Legislativo e Judiciário Imagem: Sergio Lima/AFP

André Shalders

Da BBC News Brasil em Brasília

17/03/2020 13h48

Ao saudar participantes de atos pró-governo no último domingo (15), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dinamitou o que restava de boa vontade para com o Palácio do Planalto no Congresso. A avaliação é de líderes partidários e políticos influentes ouvidos pela BBC News Brasil no próprio domingo e nesta segunda-feira (16).

Apesar disso, segundo os parlamentares, o Congresso não deve impor derrotas diretas a Bolsonaro tão cedo: a cautela com a disseminação do novo coronavírus resultará em baixa atividade do Legislativo nos próximos dias, com poucas votações e sem temas polêmicos. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) irá propor que as votações sejam feitas remotamente.

O temor ao vírus já provocou o cancelamento da sessão do Congresso (uma reunião conjunta de deputados e senadores) marcada para esta terça-feira (17).

A pauta do encontro era justamente a disputa em torno de R$ 16 bilhões do Orçamento. Também foi cancelado um debate de deputados e senadores com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a reforma tributária.

No Senado, 19 das 22 reuniões de comissões agendadas para esta semana foram canceladas. A Casa confirmou nesta segunda-feira seu segundo caso de infecção pelo novo coronavírus: uma servidora que trabalhava na biblioteca do Senado. Antes, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) já fora diagnosticado com a infecção.

Mulher máscara protesto 15.mar.2020 - Reuters - Reuters
Temor ao novo coronavírus vem alterando a rotina do Congresso e do governo
Imagem: Reuters

Na Câmara, ao menos sete reuniões de comissões acabaram canceladas — inclusive a sessão da CPMI das Fake News, agendada para às 13h desta terça (17).

Rodrigo Maia prepara um projeto de resolução da Mesa da Câmara para permitir que os deputados votem de forma remota, sem presença física. O projeto será discutido com líderes partidários nesta terça (17), segundo o líder do Cidadania, deputado Arnaldo Jardim (SP).

Segundo o líder do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR), Maia disse em mensagens de texto nesta segunda-feira que estava preocupado com as condições de trabalho no Congresso diante do avanço do vírus Sars-CoV-2.

"Não dá para manter 500 pessoas naquela sala (o Plenário). Ali não tem janela, é aquele piso de feltro (um carpete) horrível. Não tem como", disse. "Ao mesmo tempo teremos problemas de quórum. Os idosos, os maiores de 65 anos são entre 90 e 100 parlamentares que não poderão vir. Fora os que têm problemas de diabetes, de coração".

"Ele vai tentar formular uma proposta para que a Casa continue funcionando, mas voltada para a pauta do coronavírus. Que é uma pauta de saúde mas também econômica", disse ele à BBC News Brasil.

Reunião sem Bolsonaro

Na tarde desta segunda-feira (16), o isolamento político do presidente ficou claro: o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, convidou o presidente da Câmara e do Senado para para debater iniciativas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.

O Poder Executivo foi representado pelos ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e André Luiz de Almeida Mendonça (Advocacia-Geral da União). O titular da Saúde participou de parte do encontro e discutiu com Toffoli e os parlamentares as precauções que deveriam ser tomadas pelo Legislativo e pelo Judiciário em seu funcionamento diário. Depois disso, a reunião prosseguiu sem os representantes do governo.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) disse em entrevista que "se arrepende" de ter votado em Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. Mais cedo, a deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) rompeu publicamente com o presidente em um discurso na tribuna. A professora do curso de Direito da Universidade de São Paulo defendeu o afastamento de Bolsonaro, depois da participação dele nas últimas manifestações.

No começo da tarde de domingo (15), Jair Bolsonaro contrariou as recomendações do próprio Ministério da Saúde ao sair de seu isolamento para abraçar e tirar selfies com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto. Em Brasília, em São Paulo e em outras capitais, muitos dos manifestantes pediram o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

Depois de incentivar a participação de seus apoiadores no evento nos últimos dias, Bolsonaro usou uma transmissão ao vivo no Facebook e um pronunciamento em rede nacional de TV na última quinta (12) para dizer que os protestos deveriam "ser repensados".

Ao longo do dia de domingo, porém, o presidente voltou atrás e usou sua conta no Twitter para exaltar as manifestações.

'Isolamento do governo é autoimposto'

Líderes e congressistas influentes consultados pela BBC News Brasil foram unânimes: os protestos de domingo dinamitaram de vez a boa vontade que restava em relação ao governo no Congresso. Alguns deles pediram para que seus nomes fossem omitidos na reportagem.

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) disse à BBC News Brasil que as manifestações de Maia e Alcolumbre foram "insuficientes" diante das provocações de Bolsonaro —desta forma, a tendência é que estas continuem.

"A resistência do Congresso é o que resta. Paralisar o Congresso nesse momento amplia os riscos para a institucionalidade. E as manifestações dos chefes da Câmara e do Senado ficaram aquém desses movimentos (de Bolsonaro), que são diários e repetidos. É preciso impor um equilíbrio", disse Calheiros.

Manifestante Bolsonaro 15.mar.2020 - Getty Images - Getty Images
Congresso e STF foram alvo de protestos nos atos pró-Bolsonaro
Imagem: Getty Images

O emedebista já presidiu o Senado por quatro vezes, e foi o principal adversário de Davi Alcolumbre na última eleição para o comando da Casa.

"O Presidente da República não pode promover manifestação contra os poderes constituídos. Não pode. Os poderes precisam ser independentes, mas harmônicos. Não pode expor à execração pública um poder (o Legislativo). Isso precisa parar, em benefício da democracia", disse o alagoano.

Para Arnaldo Jardim (SP), líder do Cidadania, Bolsonaro recebeu inúmeros acenos do Congresso — mas os apelos foram ignorados.

"O presidente adotou medidas que, ao invés de criar convergência, nos distanciaram. Ao invés de focar o debate no enfrentamento ao coronavírus e à crise econômica que virá, vimos o presidente distante desta pauta. Sem exercer o papel de coordenação que, mais do que nunca, lhe caberia exercer", disse ele à BBC News Brasil.

"Nós vamos tentar fazer sessões da Câmara, vamos buscar priorizar as pautas relacionadas ao coronavírus e à crise econômica. Mas acho que o país precisaria de uma voz de união, e quem deveria dar era o presidente. Mas, na hora da necessidade, o que ouvimos foi um eloquente 'não'", disse ele.

"O próprio (Rodrigo) Maia disse que gostaria que o presidente assumisse o protagonismo. Se há um isolamento, é um autoisolamento. Ele (Bolsonaro) não foi isolado por ninguém, mas deixou de ter a iniciativa que lhe caberia neste momento", disse o congressista.

O líder da bancada petista, Enio Verri, disse que tem sentido o Congresso focado em dar uma resposta à crise recente — mais que em retaliar o presidente da República imediatamente. "Infelizmente, quem não vem sendo sensível à grande crise que está aí é o Presidente da República, mas o Congresso tem sido responsável", disse ele.

"Eu tenho impressão de que o Congresso deve permanecer focado em projetos para a saúde pública e a economia. Passada essa fase, aí sim daremos a resposta que o presidente merece", disse ele — que lidera a maior bancada da Câmara.

Reações de Maia e Alcolumbre

No domingo (15), tanto Rodrigo Maia quanto Davi Alcolumbre soltaram notas condenando a participação de Bolsonaro nos protestos. O deputado chegou a dizer que Bolsonaro estava "mais preocupado em assistir às manifestações que atentam contra as instituições" do que em discutir soluções para a economia.

Ao longo da segunda-feira, porém, Maia buscou amenizar o tom de suas declarações anteriores.

A uma rádio, disse que Bolsonaro é "muito bom no diálogo" cara a cara. "Vamos esquecer nossas divergências e olhar para o povo. A situação é muito complexa para a gente ficar dizendo 'olha o que você fez ontem, olha o que eu fiz hoje'", disse Maia.

O presidente da Câmara também disse em entrevista ao jornal Valor Econômico que não dará seguimento a um pedido de impeachment de Bolsonaro — uma petição deste tipo será apresentada nesta terça pelo deputado e ex-aliado de Bolsonaro Alexandre Frota (PSDB-SP).

A posição de Maia não é nova — pelo menos desde o começo de março, ele tem dito a aliados que não está disposto a aceitar um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro.