Apesar de isolado por apoio a protestos, Bolsonaro não deverá enfrentar reação política imediata, segundo líderes de partidos
Ao saudar participantes de atos pró-governo no último domingo (15), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dinamitou o que restava de boa vontade para com o Palácio do Planalto no Congresso. A avaliação é de líderes partidários e políticos influentes ouvidos pela BBC News Brasil no próprio domingo e nesta segunda-feira (16).
Apesar disso, segundo os parlamentares, o Congresso não deve impor derrotas diretas a Bolsonaro tão cedo: a cautela com a disseminação do novo coronavírus resultará em baixa atividade do Legislativo nos próximos dias, com poucas votações e sem temas polêmicos. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) irá propor que as votações sejam feitas remotamente.
O temor ao vírus já provocou o cancelamento da sessão do Congresso (uma reunião conjunta de deputados e senadores) marcada para esta terça-feira (17).
A pauta do encontro era justamente a disputa em torno de R$ 16 bilhões do Orçamento. Também foi cancelado um debate de deputados e senadores com o ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a reforma tributária.
No Senado, 19 das 22 reuniões de comissões agendadas para esta semana foram canceladas. A Casa confirmou nesta segunda-feira seu segundo caso de infecção pelo novo coronavírus: uma servidora que trabalhava na biblioteca do Senado. Antes, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) já fora diagnosticado com a infecção.
Na Câmara, ao menos sete reuniões de comissões acabaram canceladas — inclusive a sessão da CPMI das Fake News, agendada para às 13h desta terça (17).
Rodrigo Maia prepara um projeto de resolução da Mesa da Câmara para permitir que os deputados votem de forma remota, sem presença física. O projeto será discutido com líderes partidários nesta terça (17), segundo o líder do Cidadania, deputado Arnaldo Jardim (SP).
Segundo o líder do PT na Câmara, deputado Enio Verri (PR), Maia disse em mensagens de texto nesta segunda-feira que estava preocupado com as condições de trabalho no Congresso diante do avanço do vírus Sars-CoV-2.
"Não dá para manter 500 pessoas naquela sala (o Plenário). Ali não tem janela, é aquele piso de feltro (um carpete) horrível. Não tem como", disse. "Ao mesmo tempo teremos problemas de quórum. Os idosos, os maiores de 65 anos são entre 90 e 100 parlamentares que não poderão vir. Fora os que têm problemas de diabetes, de coração".
"Ele vai tentar formular uma proposta para que a Casa continue funcionando, mas voltada para a pauta do coronavírus. Que é uma pauta de saúde mas também econômica", disse ele à BBC News Brasil.
Reunião sem Bolsonaro
Na tarde desta segunda-feira (16), o isolamento político do presidente ficou claro: o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, convidou o presidente da Câmara e do Senado para para debater iniciativas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus.
O Poder Executivo foi representado pelos ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e André Luiz de Almeida Mendonça (Advocacia-Geral da União). O titular da Saúde participou de parte do encontro e discutiu com Toffoli e os parlamentares as precauções que deveriam ser tomadas pelo Legislativo e pelo Judiciário em seu funcionamento diário. Depois disso, a reunião prosseguiu sem os representantes do governo.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) disse em entrevista que "se arrepende" de ter votado em Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. Mais cedo, a deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) rompeu publicamente com o presidente em um discurso na tribuna. A professora do curso de Direito da Universidade de São Paulo defendeu o afastamento de Bolsonaro, depois da participação dele nas últimas manifestações.
No começo da tarde de domingo (15), Jair Bolsonaro contrariou as recomendações do próprio Ministério da Saúde ao sair de seu isolamento para abraçar e tirar selfies com apoiadores em frente ao Palácio do Planalto. Em Brasília, em São Paulo e em outras capitais, muitos dos manifestantes pediram o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Depois de incentivar a participação de seus apoiadores no evento nos últimos dias, Bolsonaro usou uma transmissão ao vivo no Facebook e um pronunciamento em rede nacional de TV na última quinta (12) para dizer que os protestos deveriam "ser repensados".
Ao longo do dia de domingo, porém, o presidente voltou atrás e usou sua conta no Twitter para exaltar as manifestações.
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