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Coronavírus: por que Bolsonaro e líderes de esquerda na América Latina adotam postura parecida

Os presidentes Daniel Ortega, Nicolás Maduro e Andrés Manuel López Obrador questionaram ameaça do novo coronavírus - Getty Images
Os presidentes Daniel Ortega, Nicolás Maduro e Andrés Manuel López Obrador questionaram ameaça do novo coronavírus Imagem: Getty Images

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC Brasil

25/03/2020 21h45

Os presidentes da Venezuela, do México e da Nicarágua manifestaram dúvidas ou minimizaram a pandemia, repetindo, cada um à sua maneira, a atitude do presidente brasileiro diante dos riscos da doença covid-19.

Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, da Nicarágua, Daniel Ortega, e do México, Andrés Manuel López Obrador, manifestaram dúvidas ou minimizaram a pandemia do novo coronavírus, ecoando, cada um à sua maneira, a atitude do presidente Jair Bolsonaro diante dos riscos da covid-19, a doença provocada por esse vírus.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia afeta a mais de 160 países com mais de 370 mil casos confirmados.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), 157 países suspenderam as aulas como medida para evitar a propagação da covid-19.

Na noite de terça-feira (24), o presidente Bolsonaro criticou o fechamento das escolas contra a pandemia e tem dito que as medidas de distanciamento social, aplicadas sob a justificativa de conter o avanço do vírus, afetariam o desempenho da economia nacional.

Três outros presidentes latino-americanos, todos de esquerda, tiveram atitudes em relação à doença que foram criticadas por analistas e opositores.

Enquanto Maduro insinuou conhecer a cura para a covid-19, Ortega convocou uma marcha, contrariando as orientações de distanciamento social, e López Obrador afirmou que os mexicanos seriam resistentes a este novo mal.

Para analistas ouvidos pela BBC News Brasil, pelo menos dois fatores estariam levando a esse tipo de postura, um econômico e outro ideológico.

O mexicano López Obrador, que lidera uma das principais economias da América Latina, disse em um vídeo divulgado no fim de semana que as pessoas deveriam continuar saindo de suas casas e que não evitassem abraços, por exemplo.

"Nós estamos nos preparando (contra o coronavírus), mas não devemos ficar assustados. Nós, mexicanos, somos muito resistentes às calamidades sociais. Vamos superar isso. Não entremos em pânico. Não deixem de sair. Eu vou dizer a vocês quando não devam sair. E os que têm condições econômicas, continuem levando suas famílias para comer fora. Isso é fortalecer a economia nacional, a economia popular", disse ele.

Ele ressaltou ainda que o povo mexicano "possui culturas milenares, de grandes civilizações", sugerindo que por suas raízes teriam maior resistência.

País com cerca de 120 milhões de habitantes, o México também não planeja fechar suas fronteiras com os Estados Unidos, para combater o avanço do novo coronavírus, segundo declarou, há poucos dias, o ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard.

Vários países da região, como Argentina e Chile, fecharam suas fronteiras na tentativa de impedir que o vírus continue a se disseminar em seus territórios.

Para o analista argentino Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nova Maioria, de Buenos Aires, ao menos os casos de Ortega e Maduro têm uma "simples razão".

"A pandemia colocará em evidência, ainda maior, a crise do setor de saúde que estes países enfrentam. É mais difícil, porém, entender a política de López Obrador. A única hipótese é que esteja buscando alinhar sua política a de Trump, já que 85% das exportações mexicanas têm o mercado dos Estados Unidos como destinos."

Para ele, tanto López Obrador quanto Trump não querem que suas economias parem, apesar dos riscos do novo coronavírus.

Confinamento voluntário

Na terça-feira, o governo mexicano anunciou que as aulas deverão ser suspensas e pediu que as pessoas evitem grandes aglomerações, para não dar espaço para o vírus.

"O governo anunciou medidas que a sociedade mexicana já vinha adotando, por conta própria, há onze dias ao perceber a situação", escreveu, em tom crítico, o jornalista e economista Carlos Loret de Mola, do jornal mexicano El Universal.

Na segunda-feira, na TV América de Buenos Aires, uma jornalista mexicana contava de sua casa, no território mexicano, que tinha optado pelo "autoconfinamento" porque o governo "não tinha tomado medidas" que outros países já haviam implementado.

No dia 15 de março, quando países da região já começavam a fechar suas fronteiras contra a pandemia, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, convocou uma marcha chamada "Amor em tempos de covid-19" - o nome teria sido inspirado pelo livro de García Máquez O Amor nos Tempos do Cólera.

Na capital do país, Manágua, milhares de pessoas participaram da manifestação, segundo a imprensa local, repetindo que a covid-19 não os afetaria "graças ao nosso comandante Daniel".

Os portais de notícias do país informaram que universitários estariam pedindo que as aulas fossem suspensas por temor do novo vírus.

O jornal La Nación, de Buenos Aires, publicou que, na Nicarágua, os jogadores de futebol "são obrigados a disputar partidas", apesar do novo coronavírus, mas sem público presente.

A reportagem, com declarações de jogadores argentinos de clubes nicaraguenses, foi ilustrada com a foto de atletas com máscaras.

O sandinista Daniel Ortega governou o país entre 1985 e 1990 e voltou ao poder há 13 anos, em 2006. Ele tem sido criticado por não falar à nação nos últimos dias sobre o novo coronavírus.

Já na Venezuela, após afirmar que o país contaria com uma pílula cubana, fabricada na China, para ser usada pelos infectados pelo vírus, o presidente Maduro afirmou que seu país teria um suposto "antídoto" contra a covid-19.

Seu tuíte sobre o assunto foi apagado pelo Twitter, nesta quarta-feira, levando Maduro a dizer que foi "censurado", segundo informou o portal da CNN em espanhol.

Ao veículo de comunicação, o Twitter disse que a mensagem foi tirada do ar por contrariar as regras da companhia sobre a veracidade das informações sobre o novo coronavírus.

Ao mesmo tempo, porém, Maduro indica ter intensificado o tom de preocupação com a pandemia. Na semana passada, ele decretou quarentena para combater o novo coronavírus em toda a Venezuela, argumentando que esta é "a situação mais grave enfrentada pelo país", segundo a agência de notícias EFE.

Nesta quarta-feira, Maduro postou, em sua conta no Twitter, uma mensagem do vice-presidente setorial Jorge Rodríguez dizendo que "as Forças Armadas estavam atuando contra o coronavírus e contra qualquer conspiração contra o povo da Venezuela".

Maduro também disse que a quarentena social não significa férias e afirmou: "Fortalecer e radicalizar a quarentena social e coletiva é tarefa de todos os venezuelanos e venezuelanas. É por você, mulher, homem, avô, avó, jovem, é por nossas crianças. É pela saúde do povo da Venezuela".

'Pílula cubana'

Para ele, os casos no país foram importados da Europa e do país vizinho, a Colômbia, presidida por Iván Duque, com quem costuma ter embates políticos. "Temos que nos unir em uma só oração para enfrentar essas circunstâncias", disse Maduro.

Dias antes, o líder venezuelano afirmou, segundo informou o Canal 13, do Chile, ter uma "pílula" contra o coronavírus e que ela já estaria em seu país.

"Cuba, como sempre sai na frente. Uma pílula que teve excelentes resultados na China e que já está na Venezuela para os infectados", disse.

Não há ainda, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualquer medicamento com eficácia comprovada contra a covid-19.

Por sua vez, a vice-presidente Delcy Rodríguez anunciou, sem apresentar qualquer prova, que o novo vírus é "uma arma biológica dos Estados Unidos contra a China".

Frieza

Analistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram para o fator econômico na atitude dos líderes que tentam minimizar a crise.

"É uma aposta arriscada que mostra a frieza da preocupação com a economia em detrimento da maior preocupação com a saúde pública. Já se sabe que pessoas morrerão, mas estes líderes tentam mandar duas mensagens. Uma ideológica e outra econômica. Mas é muito arriscado", disse o professor de ciências políticas da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann.

Para o argentino Francisco de Santibañes, do Conselho Argentino de Relações Internacionais (CARI), existe um "argumento racional de não gerar pânico na população" e de impedir que isso gere impactos ainda maiores sobre a economia.

"Outra possibilidade (na atitude desses líderes) é simplesmente negar a realidade e mostrar que os países desenvolvidos, como Estados Unidos, dos quais desconfiam, não têm a ciência e a técnica que dizem", disse De Santibañes.

Ele disse, porém, que os infectologistas nos Estados Unidos também pedem quarentena, mas o presidente americano, Donald Trump, também a rejeita.