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Coronavírus: governadores são principais rivais de Bolsonaro nas redes, diz levantamento

Governadores dos Estados brasileiros são os principais adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro - Reuters via BBC
Governadores dos Estados brasileiros são os principais adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reuters via BBC

André Shalders

Da BBC News Brasil, em Brasília

06/04/2020 18h27

Chefes do Executivo nos Estados são os que mais polarizaram com o presidente durante a crise do novo coronavírus, mostra levantamento do DAPP-FGV obtido pela BBC News Brasil.

Governadores dos Estados brasileiros são os principais adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a crise provocada pelo novo coronavírus.

A conclusão é de um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), obtido pela BBC News Brasil.

O estudo analisou o debate público sobre a covid-19 nas redes sociais entre os dias 12 de março e 2 de abril deste ano. Durante este período, os governadores foram mencionados nada menos que 4,5 milhões de vezes no Twitter.

O principal ponto de discussão na rede social é sobre quais medidas devem ser usadas no enfrentamento à pandemia. Enquanto uma parte dos usuários defende as medidas de isolamento social e de restrições ao comércio, outros são favoráveis a flexibilizar a quarentena para tentar evitar danos econômicos.

Fora das redes, este é o principal ponto de atrito entre Bolsonaro e os governadores.

Nos últimos dias, o presidente se manifestou várias vezes em defesa do chamado "isolamento vertical", isto é, de isolar apenas idosos ou pessoas em grupos de risco; e cobrou de governadores e prefeitos a reabertura do comércio.

Na tarde da quinta-feira, Bolsonaro disse que poderia determinar a reabertura do comércio com "uma canetada" a partir desta segunda-feira (06) caso os governadores não relaxassem as medidas de contenção.

"Eu tenho um projeto (minuta) de decreto pronto na minha frente, para ser assinado, se preciso for, considerando atividade essencial toda aquela exercida pelo homem ou pela mulher, toda aquela que seja indispensável para ele levar o pão para casa todo dia", disse Bolsonaro, na ocasião.

Enquanto isso, uma parte dos governadores defende medidas de isolamento social. As restrições mais vigorosas estão em curso nas unidades da Federação com o maior número de casos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Goiás - o comércio nestas cidades se encontra fechado, e as aulas também foram suspensas.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) decidiu nesta segunda-feira (06) estender as medidas da quarentena até o dia 22 de abril. O governador disse ainda que os prefeitos de cada cidade devem acionar a polícia para dispersar qualquer tipo de aglomeração.

Não por acaso, os governadores destes Estados estão entre os mais mencionados no Twitter, de acordo com o levantamento da DAPP-FGV. Só o governador paulista foi citado 2,8 milhões de vezes. O fluminense Wilson Witzel (PSC) vem em seguida, com 775 mil menções, no período. Em terceiro está o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com 454 mil tuítes.

Apoiador de primeira hora de Bolsonaro, o governante goiano viralizou nas redes sociais depois de romper publicamente com o ocupante do Planalto, por discordâncias sobre como enfrentar a epidemia do novo coronavírus.

Bate-boca

O levantamento do DAPP também mostra que o maior pico de menções aos governadores aconteceu entre os dias 25 e 26 de março - justamente um dos momentos de maior tensão entre o presidente e os chefes locais.

Na manhã do dia 25 de março, Doria protagonizou um bate-boca com Bolsonaro durante uma videoconferência do presidente da República com os governadores da região Sudeste.

"Inicio na condição de cidadão, de brasileiro, lamentando seu pronunciamento de ontem à noite à nação (na noite anterior, Bolsonaro chamou o coronavírus de 'gripezinha'). Nós estamos aqui, os quatro governadores do Sudeste, em respeito ao Brasil e aos brasileiros, e em respeito também ao diálogo e ao entendimento. O senhor, como presidente da República, tinha que dar o exemplo", disse Doria.

"Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque", replicou o presidente da República a Doria.

'Dinâmica de confronto'

"O que a gente tem observado nos últimos meses é uma dinâmica de confronto, envolvendo o presidente da República. Em alguns momentos, o foco desse confronto foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ); em outros, menos frequentes, foi o Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, a crise do novo coronavírus trouxe os governadores para o primeiro plano. Eles se tornaram o foco da disputa", diz à BBC News Brasil o pesquisador da Dapp-FGV Amaro Grassi.

"O que a gente observa também é uma convergência entre os governadores de várias correntes políticas neste contraponto ao presidente. Desde o João Doria, até o Ronaldo Caiado, que era um superaliado do presidente, até o Flávio Dino (governador do Maranhão, do PC do B), que nunca teve qualquer afinidade com o presidente", diz Grassi.

"Acabam, todos eles, convergindo para esta posição de repúdio ao presidente e vice-versa. A relação entre governos estaduais e federal virou o eixo da crise política que está se desenrolando em meio à crise de saúde pública", diz o pesquisador.

Ataques no Twitter e no 'Zap'

O levantamento do Dapp-FGV também mostra que os governadores têm sido alvo de críticas por parte dos apoiadores do presidente, tanto no Twitter quanto em grupos públicos de debate no WhatsApp.

No Twitter, as hashtags com maior número de menções são críticas aos governadores - especialmente ao tucano Doria.

A tag #impeachmentdodoria apareceu em nada menos que 283 mil postagens no período, ou 6,2% dos tuítes sobre o assunto. Outras tags que estão no grupo das mais citadas são #bolsonarotemrazao (158,1 mil); e #doriavaiquebrarsp (101,7 mil).

Gráfico FGV DAPP - BBC - BBC
Governadores mais atacados no WhatsApp foram o paulista João Doria; o carioca Wilson Witzel; e o goiano Ronaldo Caiado
Imagem: BBC

O Dapp-FGV também monitorou as menções aos governadores em grupos públicos de debate no WhatsApp - e as referências a eles tiveram um pico após a videoconferência de 25 de fevereiro.

Novamente, os governadores mais atacados neste período foram Doria, Witzel e Caiado, além do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e de Rui Costa (PT), da Bahia.

De acordo com o levantamento do Dapp-FGV, a maioria das mensagens era crítica a esses governadores - reforçando a ideia de que eles fariam parte de uma conspiração para derrubar o presidente da República.

"As mensagens, vídeos de YouTube e links mais compartilhados reforçam a narrativa de que haveria um golpe em curso contra o presidente e que este se daria em conluio com a China. Algumas postagens ainda citam a cumplicidade de outros atores políticos como Dias Toffoli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre", diz o relatório da Dapp.