Coronavírus: enterros em Manaus quadruplicam em relação ao normal e expõem abismo da subnotificação
Distante do noticiário internacional desde a onda de incêndios registrada em diversas partes da Amazônia no ano passado, Manaus voltou a ser destaque em jornais e televisões do mundo todo nesta semana graças a imagens de dezenas de caixões enterrados lado a lado em enormes valas comuns, enquanto retroescavadeiras abriam espaço para mais corpos.
Segundo a prefeitura, as valas comuns, classificadas pelo município como "trincheiras", preservam "a identidade dos corpos e os laços familiares". Mas, além do choque, as imagens expõem uma conta que não fecha e preocupa autoridades de saúde.
A capital do Amazonas registrou 120 sepultamentos ontem — o quádruplo da média diária de 30 enterros registrados antes da pandemia do novo coronavírus, segundo a Prefeitura de Manaus.
Oficialmente, segundo dados divulgados pela Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, órgão da secretaria de saúde do Estado, Manaus teve apenas 7 mortes confirmadas ligadas ao novo coronavírus na última quarta-feira.
Considerando estas 7 mortes, mais as 30 que aconteceriam diariamente por razões diversas na cidade em tempos normais, restariam mais de 80 cadáveres que fogem ao padrão registrado na cidade.
"A causa da morte não está sendo bem definida", reconheceu a prefeitura à BBC News Brasil.
O nó da subnotificação vem se agravando em Manaus e nas principais capitais do país desde o fim de março, quando as mortes pela doença se aceleraram em todo o Brasil.
'Síndromes respiratórias'
Segundo o governo do Estado, 2.286 dos 2.888 casos confirmados no Amazonas até esta quinta-feira (23) estão de Manaus (79,1% do total). Na capital, até o fechamento desta reportagem, havia o registro de "193 óbitos confirmados para o novo coronavírus".
Manaus é a cidade mais populosa da região amazônica, com uma população estimada em 2.182.763 pessoas, segundo o IBGE. A cidade é a única em todo o estado do Amazonas - o maior do Brasil - com leitos de UTI.
A combinação entre a falta de uma estrutura robusta de saúde no estado com a intensidade da pandemia no Brasil complicam ainda mais este cenário.
Apenas na última quarta-feira, mais de 70 pessoas podem ter engrossado o caldo da subnotificação somente em Manaus.
Segundo a prefeitura, dos 120 sepultamentos da quarta-feira, "apenas 7 foram notificados como Covid-19 e outros 3 como suspeita".
"Desses, outros 30 enterros tiveram a causa morte desconhecida ou indeterminada, enquanto 43 foram por síndromes ou complicações respiratórias", informou o município à reportagem.
O total de mortes que podem ter a ver com o coronavírus, mas não entram nas estatísticas seria de, portanto, é de pelo menos 73.
A tendência já aparecia na véspera (21/04).
De 136 sepultamentos, "39 tiveram como causa desconhecida, não especificada ou indeterminada", informou o município.
"Outras 47 foram por síndrome ou insuficiência respiratória."
É consenso entre médicos de todo o mundo que problemas respiratórios estão entre as complicações comuns associadas ao novo coronavírus.
Mortes em casa
À reportagem, a prefeitura de Manaus também destacou números preocupantes de pessoas morrendo em suas casas, longe de médicos ou aparato hospitalar.
Dos 120 mortos da última quarta, "23 foram de óbitos em domicílio", segundo dados oficiais.
O número equivale a aproximadamente 20% das mortes.
Na véspera, terça-feira (21), a porcentagem de óbitos domésticos foi maior: mais de 30%, de acordo com dados da prefeitura. Foram 136 sepultamentos, dos quais 42 por morte em domicílio.
"(Isso) aponta que muitas pessoas já estão indo a óbito sem atendimento médico e motivo pelo qual a causa da morte não está sendo bem definida", afirma a prefeitura em nota à BBC News Brasil.
Mesmo sem considerar a subnotificação, o Amazonas tem a pior taxa de mortalidade do país: 45 óbitos por milhão de habitantes. Em seguida vêm Pernambuco e Rio de Janeiro, com 24 mortes para cada milhão.
Manaus também ocupa o topo quando o parâmetro são mortes registradas. "Entre as capitais, Manaus, Recife, São Paulo, Fortaleza e Rio de Janeiro apresentaram os maiores coeficientes de mortalidade", diz o Ministério da Saúde.
O estado também tem a pior taxa de incidência do novo coronavírus em todo o país — 521 casos por milhão de habitantes, segundo o boletim último do Ministério da Saúde (20/04) — algo em torno de 2,7 vezes a média nacional.
Faltam testes
Segundo o Ministério da Saúde, até 16 de abril, pouco mais de 8 mil testes laboratoriais para covid-19 haviam sido enviados ao Amazonas.
O total no Brasil era de 476.272 testes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) insiste que testes em massa estão entre as principais medidas de combate contra a pandemia.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, afirmou que testar qualquer caso suspeito de covid-19, a doença causada por esse vírus, é essencial para identificar e isolar o máximo de pessoas infectadas e saber quem pode ter entrado em contato com elas para que se possa quebrar a cadeia de transmissão.
À BBC News Brasil, na semana passada, médicos de Manaus relataram a dificuldade imposta pela falta de exames.
"São pessoas com suspeita de covid-19 contaminando todo mundo. A gente não sabe quem tem, quem não tem, porque até os exames estão em falta", disse uma profissional que atua em uma emergência da capital.
Segundo o governo do Estado, além de Manaus, outros 14 municípios do Estado registraram mortes pelo coronavírus com confirmação.
No total, 41 mortes teriam ocorrido no interior até quinta-feira: 14 em Manacapuru, 5 em Iranduba, 5 em Maués, 4 em Itacoatiara, 3 em Parintins, 2 em Careiro Castanho, uma em Manicoré, uma em Tabatinga, uma em Presidente Figueiredo, uma em Tefé, uma em Novo Airão, uma em Barcelos, uma em Beruri e uma em Carauari.
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