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STJ: ministros que julgarão recurso pela volta de Queiroz à cadeia raramente permitem prisão domiciliar

Ministros que integram a Quinta Turma têm perfil rigoroso na aplicação de lei penal - Gustavo Lima/STJ
Ministros que integram a Quinta Turma têm perfil rigoroso na aplicação de lei penal Imagem: Gustavo Lima/STJ

Mariana Schreiber

Da BBC News Brasil em Brasília

04/08/2020 06h09

A Procuradoria-Geral da República recorreu contra o benefício da prisão domiciliar concedido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, a Fabrício Queiroz, durante o plantão da Corte.

Preso em junho, Queiroz é ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro — ambos são investigados por suposto desvio de recursos públicos do antigo gabinete de deputado estadual do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.

Com a volta do recesso do Judiciário na segunda-feira (03/08), o recurso da PGR para que Queiroz volte à prisão poderá ser julgado de forma individual pelo ministro Felix Fischer, relator do caso na Corte, ou coletivamente pela Quinta Turma do STJ. No entanto, como Fisher está se recuperando de uma cirurgia, ainda não há previsão de quando o recurso será analisado, seja por ele ou pelo colegiado.

Fisher e os demais quatro ministros que integram a Quinta Turma têm perfil bastante rigoroso na aplicação de lei penal. Levantamento da BBC News Brasil indica que os cinco costumam votar unidos e raramente concedem prisão domiciliar em casos semelhantes ao de Queiroz.

Queiroz conduzido à prisão em foto de junho; no mês seguinte, o ministro do STJ João Otávio de Noronha concedeu ao réu prisão domiciliar - EPA - EPA
Queiroz conduzido à prisão em foto de junho; no mês seguinte, o ministro do STJ João Otávio de Noronha concedeu ao réu prisão domiciliar
Imagem: EPA

O benefício foi concedido por Noronha em 9 de julho sob o argumento de que Queiroz se enquadra no grupo de risco da covid-19 por estar em tratamento contra um câncer. O benefício foi estendido a mulher dele, Márcia Aguiar, mesmo estando foragida da Justiça, com a justificativa de que ela seria responsável por auxiliar Queiroz nos cuidados de sua saúde durante a pandemia.

Essa decisão do presidente do STJ, embora tenha seguido a recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para concessão de prisão domiciliar a presos em grupo de risco, raramente é adotada na Corte, o que alimentou críticas de que ele teria agido para agradar o presidente Jair Bolsonaro, visando uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro, quando o ministro Celso de Mello se aposenta.

Quinta Turma: dura e unida

No caso da Quinta Turma, levantamento da BBC News Brasil através da ferramenta de buscas por jurisprudência do STJ indica que houve, até a última sexta-feira (31/07), 115 decisões envolvendo pedidos de liberdade, de prisão domiciliar ou de progressão de pena que citavam os riscos de contágio por covid-19 como argumento. A grande maioria desses pedidos (112 ou 97,4% do total) foi recusada, e apenas 3 foram concedidos.

As decisões foram sempre unânimes, mostrando o forte alinhamento entre os integrantes da Quinta Turma — além de Felix Fischer, os ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca, Joel Ilan Paciornik e Ribeiro Dantas.

Na maioria dos casos, os ministros recusam os pedidos de relaxamento da prisão usando dois fundamentos: um argumento processual, de que a solicitação precisa primeiro ser submetida a instâncias inferiores do Judiciário, ou destacando que o preso não demonstrou estar em grupo de risco.

No entanto, há recusas mesmo para pessoas idosas ou com estado delicado de saúde, como uma detenta de 52 anos hipertensa e portadora de HIV, presa em Santa Catarina. Nesse caso, a decisão da Turma destaca que "a penitenciária em que está internada a paciente vem tomando as precauções necessárias em relação à possível contaminação pelo coronavírus e possui recursos para proporcionar o devido tratamento das enfermidades de que sofre a interna (hipertensão e HIV)".

Os três casos em que a Quinta Turma permitiu a saída da prisão apresentam aspectos diferentes do de Queiroz e não parecem servir como precedentes para a análise do seu recurso. Dois deles foram autorização de prisão domiciliar a mulheres com filhos menores de 12 anos. Essas decisões, embora citem também o contexto de pandemia para conceder o benefício, seguem principalmente uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2018, em que ficou estabelecido que mães com filhos pequenos devem prioritariamente ficar presas em casa, perto das crianças.

A terceira decisão liberou um homem de pagar fiança de R$ 3 mil para que pudesse deixar a prisão, após ser detido por ter cometido uma contravenção penal (vias de fato) e ter resistido à ação policial. Os ministros entenderam que, devido à crise econômica causada pela pandemia, não é razoável manter uma pessoa presa apenas pelo não pagamento de fiança.

Recurso da PGR para que Queiroz volte à prisão poderá ser julgado de forma individual pelo ministro Felix Fischer (foto) ou coletivamente pela Quinta Turma do STJ - Gustavo Lima/STJ - Gustavo Lima/STJ
Recurso da PGR para que Queiroz volte à prisão poderá ser julgado de forma individual pelo ministro Felix Fischer (foto) ou coletivamente pela Quinta Turma do STJ
Imagem: Gustavo Lima/STJ

Juiz determinou prisão de Queiroz por 'atrapalhar investigação'

Queiroz, por sua vez, foi preso preventivamente em 18 de junho por decisão o juiz Flavio Itabiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. A decisão considerou que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro estava agindo para atrapalhar as investigações sobre o suposto esquema de rachadinha (desvio de parte dos salários dos funcionários do gabinete do então deputado estadual).

Ele nega as acusações e diz que recolhia parte dos salários para poder contratar mais pessoas para atuar pelo mandato de Flávio no Estado do Rio de Janeiro. Já o hoje senador afirma que não tinha conhecimento do que seu ex-assessor fazia.

Após a prisão de Queiroz, o Tribunal de Justiça do Rio negou recurso da defesa alegando que ele deveria ser solto ou colocado em prisão domiciliar por causa da pandemia, o que levou o caso ao STJ

Na PGR, há expectativa de que recurso contra a decisão de Noronha seja decidido pela Quinta Turma, e não individualmente por Fischer, para evitar um polarização entre o relator e o presidente do STJ.

No entanto, o relator é quem decide se leva ou não o caso a julgamento. Ainda não há previsão de quando isso ocorrerá porque Fischer está se recuperando de uma cirurgia de urgência feita há uma semana devido a um quadro de obstrução intestinal, ocasionada por uma hérnia interna.

Ele já havia recebido alta, mas teve que ser internado novamente neste domingo. Após exames, a equipe médica avaliou "tratar-se de uma intercorrência comum em pós-operatórios" e informou que o quadro de saúde do ministro "segue estável"

O regimento interno do STJ prevê que o relator pode ser substituído, em caso de ausência, pelo ministro "imediato em antiguidade" na Turma, "em se cogitando da adoção de medidas urgentes". No caso de Fischer, esse ministro seria Jorge Mussi. No entanto, a assessoria do STJ disse à BBC News Brasil que não é possível ainda "fazer especulação" sobre o que acontecerá, pois, "até o momento, não temos informações sobre eventual licença médica do ministro Fischer".

O ministro já havia ficado meses afastados da Corte, entre julho de 2019 e março de 2020, para tratar uma embolia pulmonar. Naquela situação, por se tratar de uma licença médica longa, o desembargador Leopoldo de Arruda Raposo, do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), foi convocado para substituí-lo.