Com porto destruído, Líbano vive temor de desabastecimento e fome
Mergulhado na pior crise econômica em décadas, o Líbano já passava por problemas de desabastecimento que, agora, devem se acentuar ainda mais com a megaexplosão que devastou grande parte de sua capital, Beirute.
Isso porque pelo porto de Beirute, o local da explosão, passam 60% das importações do país.
Além disso, ali ficam o maior elevador de grãos da cidade, além de importantes estruturas.
O elevador de grãos é uma torre contendo um elevador de caçamba, que recolhe o grão, se ergue, e então usa a gravidade para despejar os grãos em um silo ou outra forma de depósito.
Nas imagens após a explosão pode-se ver que a instalação foi seriamente danificada assim como estruturas menores adjacentes, praticamente reduzidas a escombros.
Os silos têm capacidade total para estocagem de 120 mil toneladas de grãos, segundo Elena Neroba, analista de mercado da Maxigrain.
Essas estruturas têm importância estratégica para o Líbano, com cerca de 85% dos cereais do país sendo armazenados nas instalações, segundo a consultoria Mena Commodities.
No entanto, acredita-se que os silos não continham grandes quantidades de grãos no momento da explosão, já que o país tentava suprir a falta de pão que surgiu recentemente devido à atual crise financeira, acrescentou a consultoria.
"O Líbano, que vive uma crise financeira, depende da importação de trigo para garantir o abastecimento alimentar, já que a produção nacional cobre apenas 10% do consumo do país. A demanda local do Líbano por trigo varia de 35 mil a 40 mil toneladas por mês", informou um relatório da agência de rating Standard & Poor's.
Embora a maioria das importações de trigo seja feita por moinhos privados, o governo libanês considerou no início deste ano importar trigo pela primeira vez em seis anos em meio a crescentes preocupações com a oferta devido à pandemia do coronavírus.
A maior parte do trigo do Líbano vem da Rússia e da Ucrânia.
O trigo é responsável por mais de 80% das importações agrícolas do Líbano, seguido por milho e cevada. A maior parte do trigo entra no país pelo terminal que foi atingido.
Sendo assim, cresceram os temores de insegurança alimentar generalizada. O futuro do próprio porto está em dúvida devido à destruição causada.
O porto de Beirute também tem significado histórico para o Brasil pois foi a porta de saída para milhares de libaneses em busca de uma melhor condição de vida.
A imigração em massa ocorreu ao fim da 1ª Guerra Mundial.
Causa
Segundo autoridades locais, 2.750 toneladas de nitrato de amônio, armazenadas de forma insegura em um armazém no porto, teriam motivado a explosão.
Pelo menos 137 pessoas morreram e outras 5 mil ficaram feridas, enquanto dezenas ainda estão desaparecidas. Um estado de emergência de duas semanas foi decretado.
Enquanto ainda se recupera da tragédia sem precedentes, a população clama por justiça.
Muitos acusaram as autoridades de corrupção, negligência e má gestão.
"Beirute está chorando, Beirute está gritando, as pessoas estão histéricas e cansadas", diz à BBC o cineasta Jude Chehab.
"Governo incompetente"
Chadia Elmeouchi Noun, moradora de Beirute atualmente hospitalizada, disse: "Sempre soube que éramos liderados por pessoas incompetentes, governo incompetente [...] Mas lhe digo uma coisa - o que eles fizeram agora é absolutamente criminoso."
Na quarta-feira (5), o governo anunciou que vários funcionários do porto de Beirute foram colocados em prisão domiciliar enquanto se investiga a explosão.
O Conselho Supremo de Defesa do país reforçou que os responsáveis enfrentariam a "punição máxima".
Enquanto isso, as ONGs Anistia Internacional e a Human Rights Watch defenderam uma investigação independente sobre a explosão.
A HRW disse que tinha "sérias preocupações sobre a capacidade do judiciário libanês de conduzir uma investigação transparente e confiável por conta própria".
Resgate
As forças de segurança isolaram uma grande área ao redor do local da explosão e os socorristas continuam a procurar corpos e sobreviventes sob os escombros, enquanto barcos vasculham o litoral.
O ministro da Saúde Pública do Líbano, Hamad Hassan, disse que o país está sem leitos e não possui o equipamento necessário para tratar os feridos e cuidar de pacientes em estado crítico.
Cerca de 300 mil pessoas ficaram desabrigadas com a explosão, disse o governador de Beirute, Marwan Aboud.
"Beirute precisa de comida, Beirute precisa de roupas, casas, materiais para reconstruir casas. Beirute precisa de um lugar para os refugiados, para seu povo", afirmou ele à BBC.
Vários países ofereceram assistência humanitária. Três aviões franceses deverão chegar com 55 equipes de resgate, equipamentos médicos e uma clínica móvel equipada para atender 500 pessoas.
Nesta quinta-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, se tornará o primeiro líder mundial a visitar o país, uma ex-colônia da França, desde a tragédia.
União Europeia, Rússia, Tunísia, Turquia, Irã e Catar estão enviando suprimentos de emergência. O Reino Unido também está pronto para enviar especialistas médicos e ajuda humanitária, disse o secretário de Relações Exteriores Dominic Raab.
Na quarta-feira (5 de agosto), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que telefonou ao embaixador do Líbano no Brasil, Joseph Sayah, e ofereceu ajuda. Bolsonaro, entretanto, não especificou o tipo de auxílio que pretende prestar ao Líbano.
'Momento delicado'
A explosão ocorre em um momento delicado para o Líbano. Com as infecções por covid-19 em alta, os hospitais já estavam sobrecarregados. Agora, têm que tratar milhares de feridos.
O país também está passando pela pior crise econômica desde a guerra civil de 1975-1990, e as tensões já eram altas com manifestações de rua contra o governo.
Libaneses precisam lidar com cortes diários de energia, falta de água potável e saúde pública limitada.
O presidente Aoun anunciou que o governo liberaria 100 bilhões de liras (R$ 350 bilhões) em fundos de emergência, mas espera-se que o impacto da explosão na economia seja duradouro.
A explosão aconteceu perto do local de um enorme atentado a bomba que matou o ex-primeiro-ministro Rafik Hariri em 2005.
Um veredicto do julgamento de quatro homens acusados de orquestrar o ataque deveria acontecer na sexta-feira em um tribunal especial na Holanda, mas acabou adiado para 18 de agosto por respeito às vítimas da explosão.
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