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Explosão em Beirute deixa dezenas de mortos e milhares de pessoas feridas

Do UOL, em São Paulo*

04/08/2020 13h08Atualizada em 04/08/2020 22h35

Resumo da notícia

  • Explosão ocorreu na área portuária que contém armazéns e foi sentida a 200 km; local recebe avisos desde 2014
  • Cúpula de segurança geral afirmou que a explosão foi causada por chamas onde material confiscado altamente explosivo estava armazenado
  • 2.750 toneladas de nitrato de amônio estavam no porto; embaixada americana pede que pessoas se previnam de gases tóxicos
  • Comitê de investigação terá cinco dias para identificar os responsáveis; equipe de bombeiros despareceu enquanto combatia incêndios
  • Sobrecarregados, hospitais pedem doação de sangue e estão recusando novos pacientes feridos; crianças com câncer foram retiradas às pressas dos leitos
  • Segundo Itamaraty, não há relatos de mortos brasileiros; esposa de adido foi ferida por estilhaços

Cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônio, substância usada na produção de explosivos e fertilizantes, podem ser a causa da grande explosão ocorrida hoje em Beirute, capital do Líbano. A substância havia sido confiscada e estava sendo armazenada sem o devido cuidado, informou hoje o presidente do Líbano, Michel Aoun.

A situação causou pânico e destruição na região portuária. Uma gigantesca coluna de fumaça pôde ser vista de toda a cidade, relataram testemunhas e a mídia local. Vitrines de lojas de diversos bairros estouraram e carros foram abandonados nas ruas sem os vidros e com o airbag acionado. Muitas casas perderam suas sacadas. O impacto foi sentido até no Chipre, a mais de 200 km da costa libanesa.

Pelo menos 78 pessoas morreram, informou o ministro da Saúde, Hamad Hassan, e cerca de 4 mil feridos estão sendo encaminhados para hospitais da cidade. O balanço, contudo, ainda é provisório e os números sofrem atualização em tempo real. Segundo a Cruz Vermelha, 60 feridos estão em situação crítica.

Segundo as autoridades, o tamanho da tragédia é maior do que o relatado até o momento. O governador da cidade de Beirute, Marwan Aboud disse, em entrevista ao canal Sky News, que uma equipe de bombeiros que estava combatendo o incêndio inicial havia "desaparecido" após a explosão.

Local da explosão em Beirute - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Em comunicado, a embaixada dos Estados Unidos na cidade pediu que as pessoas usem máscaras e fiquem em casa após "relatos de gases tóxicos" liberados.

Nitrato de amônio

"É inadmissível que um carregamento de nitrato de amônio esteja em um armazém há seis anos, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável e não podemos permanecer calados sobre esse assunto", declarou o primeiro-ministro Hassan Diab durante o reunião do Conselho de Alta Defesa, de acordo com declarações citadas por um porta-voz em entrevista coletiva.

O armazém vem recebendo avisos sobre seu perigo desde 2014. "Eu prometo a você que essa catástrofe não passará sem responsabilidade. As pessoas responsáveis pagarão o preço", afirmou.

Um comitê de investigação terá cinco dias para identificar os responsáveis pela explosão. A iniciativa foi tomada após reunião do Conselho de Alta Defesa, que contou com o primeiro-ministro e o presidente

Diab decretou um dia de luto nacional. De acordo com a Reuters, um estado de emergência deve ser declarado em Beirute nas próximas duas semanas. Um "poder militar supremo se encarregará de todas as prerrogativas de segurança". O governo terá uma reunião de urgência amanhã.

Beirute, a capital do Líbano, tem cerca de 360 mil habitantes e fica no litoral do mar Mediterrâneo. O país, por sua vez, faz fronteira com Israel (ao sul) e com a Síria (ao leste e ao norte).

"Bola de fogo"

A explosão abalou várias áreas da capital, quebrando janelas e portas e danificando veículos. De acordo com testemunhas, ela foi precedida por um outro estrondo, sensivelmente menor que a explosão.

Vi uma bola de fogo e fumaça subindo sobre Beirute. Pessoas estavam gritando e correndo, sangrando. Sacadas foram arrancadas de edifícios. O vidro dos prédios se partiu e caiu nas ruas."
Testemunha da explosão

Outra testemunha disse à agência de notícias que viu uma fumaça cinza pesada perto da área do porto e depois ouviu uma explosão e viu chamas de fogo e fumaça preta.

Todas as janelas do centro da cidade estão quebradas e há feridos andando por aí. É um caos total."
Testemunha da explosão

Em entrevista à Globonews, o contra-almirante Sergio Renato Berna Salgueirinho, responsável pela embarcação, informou que os militares perceberam a explosão enquanto faziam a patrulha nos arredores do porto da capital libanesa. "Percebemos uma onda de choque, seguida de um ruído bastante forte. Quando a gente avistou, já havia uma coluna de fumaça de cor rosada. Foi quando a gente percebeu que havia acontecido algo grave."

Nas redes sociais, vários vídeos registram a explosão em ângulos diferentes e as cenas de pavor nas ruas após o incidente. Em entrevista à BBC, Hadi Nasrallah, testemunha da explosão, disse que a cena foi "muito assustadora" e que o barulho foi "muito alto".

De repente, eu perdi minha audição. Perdi minha audição por alguns segundos. Eu sabia que algo estava errado e, de repente, vi os cacos de vidro se espalhando sobre o carro."
Hadi Nasrallah, testemunha

Uma brasileira ferida

Segundo o Itamaraty, não há relatos de brasileiros mortos ou gravemente feridos na região e os danos ao prédio da embaixada foram mínimos: apenas uma janela danificada foi reportada até o momento. Contudo, boa parte dos funcionários foram afetados, já que vive na região central da cidade.

Uma fragata brasileira não foi atingida por questão de minutos. Apesar de nenhum militar brasileiro ter ficado ferido, há informações de que a esposa do adido brasileiro estava próxima ao local e foi atingida por estilhaços, informa a colunista do UOL Carla Araújo.

Ao UOL, Zilda Naves, 64, que vive em Beirute há 30 anos, afirmou que "foi como se fosse a bomba de Hiroshima": "Parecia o fim do mundo", definiu a paulista que apresenta fortes tosses após o ocorrido.

Na noite de hoje, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou uma nota de pesar em suas redes sociais, dizendo-se "profundamente triste com as cenas" que viu.

O Brasil abriga a maior comunidade de libaneses do mundo e, deste modo, sentimos essa tragédia como se fosse em nosso território. Manifesto minha solidariedade às famílias das vítimas fatais e aos feridos", escreveu.

Atendimentos a feridos

Os jornalistas foram proibidos de acessar a zona, segundo um correspondente da AFP. Em frente ao centro médico de Clémenceau, dezenas de feridos — incluindo crianças, às vezes cobertas de sangue — esperavam para serem admitidos, segundo a agência.

Alguns prontos-socorros estavam tão sobrecarregados que chegaram a rejeitar pacientes feridos. Segundo informações do jornal New York Times, o maior hospital da cidade, o St. George, teve as janelas destruídas e está com o telhado em pedaços. Partes do teto caíram sobre pacientes.

Pessoas que estavam internadas na unidade se feriram com os estilhaços e os pais de algumas crianças com câncer tiraram os acessos de seus filhos às pressas e fugiram do local com medo.

Uma fonte da área de segurança disse que vítimas foram levadas para tratamento fora da cidade pois os hospitais de Beirute estavam lotados de feridos. Ambulâncias da Cruz Vermelha do norte e do sul do país e do vale do Beca, no leste, foram chamadas para ajudar.

O governador da cidade de Beirute, Marwan Aboud, viu a explosão como "um desastre nacional semelhante a Hiroshima", em referência à cidade japonesa bombardeada no fim da Segunda Guerra Mundial, e disse que "Beirute é uma cidade arrasada, e a escala dos danos é enorme".

Repercussão internacional

Governos de Israel, França e Estados Unidos ofereceram assistência. O presidente francês, Emmanuel Macron, telefonou para o colega libanês e anunciou o envio de ajuda. "Ele expressou seu apoio e o apoio da França ao povo libanês", informou o palácio do Eliseu, sede do Executivo francês. "Ajuda e recursos franceses estão a caminho", acrescentou a fonte, sem dar maiores detalhes.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ofereceu ajuda dos Estados Unidos. "Estamos monitorando [a situação] e estamos prontos para ajudar o povo do Líbano enquanto se recupera desta terrível tragédia", escreveu Pompeo no Twitter. Pompeo disse que os Estados Unidos esperam as conclusões das autoridades libanesas sobre as causas das explosões, que além das vítimas, arrasaram o porto da cidade.

A repórteres, contudo, o presidente norte-americano Donald Trump afirmou que generais americanos lhe disseram que as poderosas explosões em Beirute pareceram ter sido causadas por uma "bomba de algum tipo".

Segundo o ministério alemão das Relações Exteriores, as explosões teriam deixado feridos funcionários da embaixada alemã na cidade. "Não podemos no momento excluir que cidadãos alemães estejam entre os mortos e feridos", informou o ministério.

Soldados da missão da ONU no Líbano (Finul), cujo navio estava ancorado no porto, ficaram gravemente feridos, anunciou a Finul na noite desta terça. Os marinheiros feridos, "alguns dos quais gravemente", foram evacuados para "os hospitais mais próximos". Não foram dadas informações sobre a identidade e a nacionalidade das vítimas.

Agências informam que a explosão pôde ser percebida nas cidades de Nicósia, Limassol e Larnaca, no Chipre, a mais de 200 km.

Momento de crise

O Líbano atravessa sua pior crise econômica em décadas, marcada por depreciação monetária sem precedentes, hiperinflação, demissões em massa e restrições bancárias drásticas, que alimentam há vários meses o descontentamento social. A situação é ainda mais grave durante a pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

Há uma semana, após meses de relativa calma, Israel disse que frustrou um ataque "terrorista" e abriu fogo contra homens que cruzaram a "Linha Azul" entre o Líbano e Israel.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, atribuiu a infiltração ao Hezbollah, um movimento armado pró-iraniano muito influente no sul do Líbano e que o Estado judeu considera como seu inimigo. Acusado de "brincar com fogo", o Hezbollah negou qualquer envolvimento.

Em 14 de fevereiro de 2005, um atentado com uma caminhonete carregada de explosivos atingiu o comboio de Rafik Hariri, matando-o com outras 21 pessoas e ferindo mais de 200. A explosão causou chamas de vários metros de altura, quebrando as janelas dos prédios em um raio de meio quilômetro.

Na sexta-feira, o Tribunal Especial do Líbano (STL), com sede na Holanda, deve emitir seu veredicto no julgamento de quatro homens, todos suspeitos de serem membros do poderoso movimento libanês Hezbollah, acusado de participar do assassinato de Hariri. Ainda não há informações, no entanto, de eventual ligação do julgamento com a explosão de hoje.

*Com informações de AFP, Reuters e Ansa

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado no resumo da notícia, cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amônio estavam no porto, e não 2,7 toneladas. A informação foi corrigida.