Caso Jacob Blake: como protestos contra violência policial estão influenciando eleição nos EUA
Enquanto ex-vice-presidente democrata Joe Biden criticou violência da polícia, Trump tem buscando reforçar imagem dos protestos como foco de saques e depredações.
Os protestos contra a violência policial que voltaram a tomar as ruas de diversas cidades americanas nos últimos dias vêm ganhando destaque na campanha presidencial, em uma semana em que o Partido Republicano realiza sua convenção nacional e oficializa a candidatura do presidente Donald Trump à reeleição.
As manifestações mais recentes foram desencadeadas no domingo, depois que Jacob Blake, um americano negro, foi baleado várias vezes nas costas, diante dos filhos pequenos, por policiais em Kenosha, no Estado de Wisconsin.
Blake está hospitalizado e, segundo sua família, ficou parcialmente paralisado por causa dos ferimentos.
Apesar de as manifestações contra o racismo e de apoio ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que desde maio ocorrem nos Estados Unidos, serem, em sua maioria, pacíficas, houve atos de violência e destruição em Kenosha.
Na noite de terça-feira (25/08), duas pessoas foram mortas a tiros e uma ficou ferida, depois que manifestantes foram confrontados por homens brancos armados descritos pela polícia local como uma "milícia". O acusado dos disparos é um adolescente de 17 anos.
Enquanto o ex-vice-presidente democrata Joe Biden, oficializado como candidato de seu partido em convenção na semana passada, reagiu aos acontecimentos dos últimos dias com críticas à violência policial, Trump e outros republicanos têm buscado reforçar a imagem dos protestos como foco de saques e depredações e em sua mensagem de "lei e ordem".
"Eles estão realmente focando nos saques, violência, vandalismo", diz à BBC News Brasil o cientista político Todd Belt, professor da George Washington University, em Washington.
"E estão tentando usar isso para focar nos aspectos de lei e ordem, para não terem de abordar as questões de direitos civis", observa.
Estratégia
Segundo Belt e outros cientistas políticos, o objetivo dessa estratégia é conquistar os eleitores dos subúrbios residenciais de maioria branca que abandonaram o Partido Republicano recentemente e que moram em Estados cruciais para uma vitória na eleição de 3 de novembro.
Uma vitória em Wisconsin, um dos chamados Estados-pêndulo (que podem pender tanto para o lado democrata quanto republicano), é considerada essencial para que Trump permaneça na Casa Branca.
Em 2016, Trump venceu no Estado com menos de 23 mil votos de vantagem sobre sua adversária democrata, Hillary Clinton. No condado de Kenosha, Trump venceu por apenas 238 votos.
Pesquisas de intenção de voto mostram Biden com 49% no Estado, cinco pontos percentuais à frente de Trump, que tem 44%. Outras pesquisas também indicam 58% dos eleitores registrados no Estado não aprovam a resposta de Trump à pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.
Os Estados Unidos são o principal epicentro da pandemia, com mais de 6 milhões de casos confirmados, mais de 183 mil mortes, uma grave crise econômica e a taxa de desemprego mais alta desde a Grande Depressão.
A pandemia também expôs as desigualdades raciais do país, com taxa de mortalidade desproporcionalmente alta entre negros e latinos.
"Trump gostaria que a mensagem da campanha fosse a de que os democratas vão trazer anarquia, protestos, loucuras, e que ele será o ponto de estabilidade. E não sobre coronavírus e pandemia e o fato de que ainda não saímos disso", diz à BBC News Brasil o cientista político Hans Noel, professor da Universidade de Georgetown, em Washington.
"E ele vai tentar virar as coisas nessa direção", ressalta Noel.
Mensagem
Essa mensagem foi repetida por diversos republicanos que participaram dos primeiros dias da convenção nacional desta semana.
Na noite segunda-feira (24/08), o filho mais velho do presidente, Donald Trump Jr., disse que as ruas do país estão sendo "inundadas por anarquistas" enquanto "prefeitos democratas estão ordenando à polícia que se retire".
Um dos destaques da noite foi o depoimento do casal Mark e Patricia McCloskey. Eles ficaram famosos em junho, depois de aparecer em um vídeo apontando suas armas contra manifestantes que passavam perto de sua casa em St. Louis.
"Não importa onde você viva, sua família não estará segura na América dos democratas radicais", disse Patricia no depoimento em vídeo.
Pelo Twitter, o presidente disse na quarta-feira (26/08) que vai enviar agentes federais e a guarda nacional para "restaurar a lei e ordem" em Kenosha.
O governo federal já enviou anteriormente agentes federais a outras cidades em que houve violência nos protestos, entre elas Portland, onde manifestações ocorreram ininterruptamente desde maio e onde a presença desses agentes foi recebida com mais protestos.
Risco
A onda de manifestações contra racismo e violência policial foi desencadeada no final de maio, quando George Floyd, um americano negro, foi morto sob custódia de um policial branco em Minneapolis.
Pesquisas de opinião indicam que a maioria dos americanos simpatiza com os manifestantes. Com isso, analistas alertam para o risco da estratégia republicana.
"Os protestos do Black Lives Matter são muito populares no país", salienta Noel, lembrando que muitas pessoas ficam chocadas e sensibilizadas ao ver vídeos de violência policial contra americanos negros em episódios recentes.
Noel lembra ainda que Trump pode até tentar culpar Biden, mas é ele o presidente no comando do país, não seu adversário democrata. Pesquisas revelam que a maioria dos eleitores considera Biden o melhor candidato para tratar do problema da injustiça racial.
"É uma questão em aberto se essa mensagem (de Trump) vai ser eficaz ou vai sair pela culatra", afirma.
"Especialmente se Biden esclarecer, nos debates, que não é a favor de violência nem de acabar com o financiamento da polícia", ressalta, referindo-se a um dos pontos defendidos por parte dos manifestantes, mas não pelo candidato democrata.
Apesar de ser considerado moderado pelo partido democrata, Biden costuma ser apresentado como "radical" por adversários republicanos.
Em seus comentários sobre o caso em Kenosha, Biden disse que Blake foi "vítima de força excessiva" e que o episódio merece uma investigação "imediata, completa e transparente". Mas o democrata também condena a violência em manifestações e diz que "destruir comunidades não é protesto, é violência desnecessária".
Washington
Noel e outros analistas afirmam que estudos sugerem que protestos violentos não ajudam a causa que defendem e acabam tendo efeito contrário. Para os analistas, Trump está apostando nessa hipótese.
Em Kenosha, as manifestações dos últimos dias começaram de forma pacífica, mas acabaram em cenas de destruição durante a noite. Manifestantes jogaram garrafas, pedras e rojões contra a polícia, que respondeu com gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Manifestantes também entraram em confronto com grupos de homens fortemente armados que, segundo testemunhas, diziam ter ido à cidade para proteger propriedades e manifestar apoio à polícia.
Também houve relatos de violência em outras cidades nos últimos dias, mas em menor escala. Em Portland, 23 pessoas foram presas.
Em Washington, manifestantes gritando "silêncio de brancos é violência" cercaram uma mulher que estava em um restaurante e se recusou a levantar o punho para demonstrar solidariedade ao protesto, em um episódio capturado em vídeo e que provocou críticas nas redes sociais.
Belt ressalta que manifestações previstas para a capital americana nesta sexta-feira, data que marca o aniversário da Marcha a Washington, comandada por Martin Luther King em 1963, podem ter grande impacto na campanha eleitoral.
"Acho que muito vai depender de quão pacífica será essa marcha. Se for pacífica, e se os defensores de direitos civis conseguirem se distanciar da violência, pode ajudar Biden. Mas se houver pessoas recorrendo a táticas mais agressivas, isso pode beneficiar Trump", afirma Belt.
O cientista político lembra que a estratégia de focar na violência de protestos já foi usada por vários políticos no passado.
"O medo de violência é um motivador muito forte quando se trata de votar", afirma.
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