Eleição nos EUA: esquerda brasileira vê fim de 'onda populista' em eventual derrota de Trump; bolsonaristas evitam tema
Nos últimos dias, vários políticos brasileiros só têm pensado em uma eleição, e não é a disputa municipal de 15 de novembro.
O pleito que muita gente em Brasília não consegue tirar da cabeça é a escolha do próximo presidente dos Estados Unidos, marcada para amanhã.
Representantes da oposição brasileira dizem que uma possível derrota do atual presidente americano, o republicano Donald Trump, significaria o fim da "onda populista" que varreu o mundo nos últimos anos. E que forçaria o Brasil a rever seu comportamento no plano externo.
Enquanto isso, políticos aliados ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) evitam falar no assunto — e quando mencionam o tema em redes sociais, destacam acusações contra o candidato democrata, o ex-vice presidente Joe Biden.
Nos últimos dias, pesquisas de intenção de voto têm mostrado ampla vantagem de Biden sobre Trump.
Um levantamento realizado pela rede de TV Fox News e divulgado anteontem mostra Biden como o favorito de 51% dos eleitores americanos. Enquanto isso, Trump tem a preferência de 44% dos eleitores. Neste domingo, uma pesquisa da rede de TV NBC News e do jornal Wall Street Journal mostrou Biden como o preferido de 52%, enquanto Trump teria a preferência de 42% do eleitorado.
Assim como o Brasil, os EUA são uma república presidencialista — o que significa que o Executivo é comandado por um presidente eleito pela população, e não pelos membros do Poder Legislativo, como no parlamentarismo.
Diferentemente do Brasil, no entanto, nos EUA o voto não é direto: o presidente é eleito por um colégio eleitoral formado por delegados eleitos em cada um dos estados americanos.
Fim da onda conservadora?
"O que está acontecendo hoje, é que nós (esquerda) sofremos realmente, e você bem lembrou, nós sofremos uma derrota estratégica. Mas veja que revertemos na Argentina (com a eleição do peronista Alberto Fernández em 2019); agora no Uruguai (com a vitória da esquerda no departamento de Montevidéu em setembro), no Chile (com a revogação da Constituição pinochetista); o Equador e a Bolívia estão em insurreição (...). Então você vê que a correlação de forças (...) não é assim uma virada histórica conservadora".
A avaliação acima é do petista José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil de Lula e até hoje um dos principais formuladores do PT, numa entrevista ao ex-deputado Renato Simões, no Canal da Resistência no YouTube.
Assim como Zé Dirceu, vários políticos de esquerda veem a eleição dos EUA como parte de uma mudança geopolítica mais ampla. "O Trump está pegando de lado na pandemia (...). Pelo caminhar da carruagem, poderá ser derrotado", disse Dirceu, que foi condenado e preso no caso do "mensalão".
"Nós temos um presidente que resolveu, logo após a posse, tentar transformar o Brasil numa neocolônia dos Estados Unidos. Apoiando integralmente quaisquer decisões que viessem do presidente americano; acompanhando totalmente a política externa dele. Isso é muito ruim para o Brasil, que sempre teve uma imagem de país conciliador, de país que tinha um diálogo aberto com todos os governos do mundo, da esquerda à direita", disse o deputado André Figueiredo (PDT-CE), atual líder da oposição na Câmara.
"Muitos especulam se a derrota de Trump vai trazer prejuízos para o Brasil, já que o Bolsonaro é aliado dele. E eu pergunto: quais foram as vantagens que o Brasil teve nestes dois anos de convivência entre o presidente americano e o seu seguidor brasileiro? Nenhuma. Muito pelo contrário. O Brasil entregou para os interesses americanos a base de Alcântara (no Maranhão), e até hoje não houve um investimento americano. Só para dar um exemplo, mas há vários outros. Não trouxeram qualquer benefício para o Brasil, só para a política externa americana", diz Figueiredo, que foi ministro das Comunicações (2015-2016) no governo de Dilma Rousseff (PT).
"Vai ser muito importante se as urnas confirmarem a derrota de Trump. Primeiro porque Bolsonaro e Trump têm um alinhamento ideológico muito afinado. Representam o mesmo projeto de poder, um projeto autoritário e muito conservador", disse à BBC News Brasil a líder da bancada do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).
"E depois, porque o Bolsonaro impõe ao Brasil uma política externa completamente subordinada aos desejos da Casa Branca comandada pelo Trump. A gente cria problemas diplomáticos e comerciais com outros países por causa do que o Trump indica para Bolsonaro e para o seu ministro (das relações exteriores) Ernesto Araújo", disse ela.
"A vitória do partido MAS (Movimento ao Socialismo) na Bolívia; e as eleições na Argentina no ano passado mostram a possibilidade de uma reorientação, de uma política menos subserviente (também) no Brasil", diz Sâmia. "As consequências (para o Brasil, de uma derrota de Trump) são muito grandes, porque a gente sabe que o Trump é um grande aliado e entusiasta (de Trump) na política ambiental, na forma como lidam com a pandemia. Pode inclusive ter consequências nas eleições de 2022 no Brasil", disse Sâmia.
Randolfe e Enio Verri: 'Ernesto Araújo precisará ser demitido'
Líder da Rede Sustentabilidade no Senado, Randolfe Rodrigues (AP) discorda de André Figueiredo e diz que uma eventual vitória de Trump pode sim causar problemas adicionais para o Brasil — um governo democrata poderia ter uma certa má vontade em relação ao Brasil. Para minimizar danos, diz o senador, Bolsonaro deveria substituir os atuais ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
"É antagônico o perfil do Partido Democrata (de Biden) ao perfil do governo brasileiro. Do ponto de vista dos direitos humanos, do ponto de vista da política ambiental (...). Então, o ideal seria que o governo brasileiro se reposicionasse. Só que me parece que isso não é da natureza de Bolsonaro. Então vejo dificuldades para o Brasil", disse Randolfe à BBC News Brasil.
"Isso traz um cenário muito difícil em 2021. Se o governo brasileiro tivesse um pouco de sensatez, a primeira medida que deveria fazer após a eleição de Biden era demitir o ministro das Relações Exteriores e o ministro do Meio Ambiente, para se reposicionar. Mas eu duvido muito de o presidente fazer isso. A posição sensata seria esta. Demiti-los e colocar lá pessoas com perfil de negociadores", disse ele.
Posição parecida é defendida pelo líder do PT na Câmara, o deputado Enio Verri (PR).
"Primeiro, eu acharia muito positiva (uma eventual vitória do Biden) (...). Vai forçar o governo Bolsonaro a rever sua política de relações exteriores, e acredito que a primeira coisa a fazer seria demitir o Ernesto Araújo e colocar um ministro de verdade. Alguém que entenda de história, de geopolítica, um chanceler que faça jus ao tamanho do Brasil e ao espaço que o Brasil ocupa no mundo. O Brasil terá de fazer um choque em sua política exterior, sob pena de ficar sozinho no planeta", diz Verri.
Segundo o líder petista, a posição de Araújo se torna "insustentável", caso se confirme a vitória do democrata.
Na bancada do PT, uma posição mais otimista é a do ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (SP) — o deputado integra a comissão de Relações Exteriores da Câmara há várias legislaturas.
Segundo ele, independentemente da permanência de Ernesto Araújo no posto de chanceler, a política externa brasileira terá de mudar para se adaptar à nova realidade global.
"Eu não vejo outra hipótese que não seja a de ser bom para o Brasil (uma eventual vitória de Biden). Não porque o governo daqui vá mudar de rumo. É porque a política norte-americana vai mudar de rumo. E vai ficar difícil para o Bolsonaro sustentar essa mesma subordinação (aos EUA) com ares de coerência", diz Chinaglia.
"Na medida em que muda a política norte-americana, eles vão continuar fazendo a mesma coisa? Então abre um flanco nesse sentido", diz ele à BBC News Brasil.
"Acho que melhora as condições para nós forçarmos o governo, se é que isso é possível, a melhorar sua atitude em defesa do Brasil", diz Chinaglia.
Bolsonaristas evitam tema e destacam acusações contra Biden
Enquanto a oposição não para de falar sobre o assunto, aliados de Jair Bolsonaro não demonstram o mesmo entusiasmo com a eleição nos EUA, ao menos publicamente. As poucas manifestações públicas sobre o tema de expoentes do bolsonarismo são, em geral, ataques ao candidato democrata.
Uma das poucas a se pronunciar foi a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Questionada sobre se o governo brasileiro precisaria mudar sua política externa numa eventual vitória de Biden, ela respondeu de forma sucinta.
"O Brasil é o celeiro do mundo e precisa se comportar como tal", disse, por mensagem de texto.
Nas redes sociais, Zambelli também tem tratado pouco sobre o tema.
Neste sábado, postou um meme ironizando o suposto esvaziamento dos comícios de Biden.
Filho do ocupante do Planalto e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) postou um vídeo no Twitter em que comenta acusações envolvendo o candidato democrata, Joe Biden.
O tabloide New York Post alega ter encontrado um notebook que traria provas de tráfico de influência da parte do candidato democrata e de seu filho, Hunter Biden — o equipamento teria sido esquecido por Hunter Biden em um serviço de assistência técnica. As supostas irregularidades envolveriam uma petroleira ucraniana, a Burisma Holdings, de cujo conselho Hunter chegou a fazer parte. O democrata nega.
"Essa matéria do New York Post foi censurada. O Facebook restringiu o seu alcance e deu como desculpa a alegação de que estava estudando para ver a veracidade do conteúdo desse artigo do New York Post, para então liberar o seu alcance normal. E esse seria o procedimento comum", disse Eduardo Bolsonaro em seu vídeo.
Além de Eduardo, Carla Zambelli também postou um vídeo do apresentador da Fox News Tucker Carlson comentando as acusações contra Biden. No trecho, o comentarista diz que o tráfico de influência "sempre foi o motor econômico da família Biden".
Já o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos — que vive nos EUA desde meados de 2020 —postou neste domingo o vídeo de uma carreata pró-Trump no Estado do Arizona. Segundo o blogueiro, a fila de carros atingiu 154,5 quilômetros.
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