Impeachment de Trump: as dúvidas deixadas pela abertura do 2º processo contra o presidente dos EUA
Pela segunda vez em apenas 13 meses, a Câmara dos Deputados (House of Representatives) dos Estados Unidos aprovou o impeachment do presidente Donald Trump.
Nesta quarta-feira, a maioria democrata na Câmara e dez republicanos fizeram de Trump o primeiro presidente da história do país a ter dois impeachments em seu currículo.
Eles acusam Trump de "incitar uma insurreição" depois que milhares de seus seguidores invadiram o Capitólio em 6 de janeiro, onde os legisladores estavam certificando a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro de 2020.
O presidente rejeita a acusação e garante que esse processo é uma "continuação da caça às bruxas" contra ele.
O primeiro impeachment, que acusava Trump de abuso de poder e obstrução do Congresso, não removeu o presidente, que foi inocentado pelo voto quase unânime da maioria republicana no Senado.
Desta vez, porém, as circunstâncias são outras: o presidente não conta mais com o apoio monolítico do Partido Republicano, que em breve deixará de ser maioria no Senado.
E também esse impeachment ocorre quando faltam menos de duas semanas para que Trump deixe a Casa Branca, em 20 de janeiro.
Confira abaixo algumas das principais dúvidas em torno deste novo procedimento que já fez história ao tornar Trump o único presidente dos EUAa ser alvo de impeachment em duas ocasiões.
1. Como e quando será o julgamento?
Uma vez que o impeachment, a acusação formal, é aprovado na Câmara dos Deputados, ele segue para o Senado, onde é realizado o julgamento político. A condenação exige dois terços dos votos.
Por terem o controle da Câmara dos Deputados, os democratas podem decidir quando enviar a acusação ao Senado, que teria de iniciar o julgamento imediatamente.
Nesta quarta-feira não ficou claro quando isso vai acontecer já que a direção democrata avalia o melhor momento para que o processo não ofusque ou atrapalhe os primeiros 100 dias do governo de Joe Biden.
O presidente eleito sugeriu esta semana a possibilidade de o Senado trabalhar meio período no impeachment e meio expediente nas audiências de confirmação dos altos cargos do novo governo.
De qualquer forma, mesmo que a Câmara dos Representantes decida encaminhar a denúncia imediatamente ao Senado, o processo não terminará antes da posse do novo governo, como alertou o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell.
"Dadas as regras, procedimentos e precedentes do Senado que regem os julgamentos de impeachment presidencial, simplesmente não há possibilidade de que um julgamento justo ou sério possa ser concluído antes da posse do presidente eleito Biden na próxima semana", disse ele.
O Senado está em recesso e seu calendário não prevê retomar as atividades até 19 de janeiro, um dia antes da posse de Biden.
2. Qual será o papel dos republicanos?
Ao contrário do que aconteceu com o impeachment de 2020, que foi rejeitado em bloco pelos deputados republicanos, desta vez Trump não tem apoio monolítico.
A aprovação do início deste segundo julgamento político na Câmara dos Deputados contou com o voto de dez parlamentares do Partido Republicano. Além disso, quatro se abstiveram, sugerindo rachaduras nas fileiras conservadoras.
Na verdade, durante o debate de quarta-feira (13/1) no Congresso, mesmo os legisladores republicanos que se opuseram ao impeachment o fizeram mais alegando que a medida aprofundará as divisões políticas no país, em vez de defender a inocência de Trump das acusações que pesam contra ele.
Da mesma forma, enquanto no ano passado o ex-candidato presidencial Mitt Romney foi o único senador republicano a votar a favor da condenação e destituição de Trump do cargo, desta vez há várias vozes críticas que se levantam contra o presidente.
Embora Romney ainda seja visto como o republicano com maior probabilidade de votar pela condenação, outros senadores conservadores como Lisa Murkowski e Pat Toomey disseram que Trump deveria renunciar.
Alguns meios de comunicação dos EUA também mencionam os senadores Susan Collins e Ben Sasse como possíveis votos contra o presidente.
Mas mesmo que esses cinco republicanos endossassem a acusação, não está claro se uma condenação pode ser alcançada, já que chegar a dois terços exige o voto de pelo menos 16 dos 50 senadores do partido.
Muitos analistas apontam que a chave para conseguir os votos que faltam está nas mãos de Mitch McConnell, que - ao contrário do que aconteceu em 2020, quando deixou claro desde o início que se oporia ao impeachment - desta vez deixou a porta aberta para a condenação.
"Não tomei uma decisão final sobre como irei votar e pretendo ouvir os argumentos jurídicos quando forem apresentados ao Senado", disse ele na quarta-feira em um comunicado divulgado por um porta-voz.
"Acho que se McConnell apoiar o impeachment no Senado, então os votos serão obtidos para condenar o presidente", disse um assessor republicano ao NBC.
McConnell tem sido um forte aliado de Trump, com quem compartilhou numerosos objetivos nos últimos quatro anos, mas na semana passada ele marcou uma distância clara ao rejeitar abertamente os esforços do presidente para mudar os resultados da eleição presidencial.
Mas mesmo para os líderes republicanos que condenam o ataque ao Capitólio e que atribuem alguma responsabilidade a Trump pelo que aconteceu, a decisão de condená-lo é difícil, já que o presidente continua sendo uma figura imensamente popular entre as bases do partido.
De acordo com uma pesquisa do Quinnipiac realizada após o ataque ao Capitólio, 71% dos republicanos aprovam a administração de Trump e 73% acreditam que ele está protegendo a democracia, em vez de miná-la.
Esta popularidade confere ao presidente grande influência entre os eleitores, o que em ocasiões anteriores lhe permitiu inviabilizar as candidaturas a cargos eleitos pelo povo de dirigentes conservadores que não lhe eram leais.
3. O que os democratas ganham com o impeachment?
Um presidente condenado em julgamento político no Senado, algo que nunca aconteceu, é punido com destituição do cargo.
Mas o processo só deve terminar depois que Trump já terá deixado a Casa Branca. É por isso que surge a questão sobre que sentido faz realizar todo este processo.
O Artigo II, seção 4 da Constituição diz:
"A Constituição dá ao Congresso a autoridade de impugnar e remover do poder o presidente, o vice-presidente e todos os cargos civis do governo federal dos EUA por traição, suborno ou outros crimes e delitos graves."
Como nada aparece explícito sobre os limites de datas para a realização do julgamento político, os juristas variam na sua interpretação dos artigos constitucionais.
Greg Woods, professor de Estudos Judiciais da San José State University, na Califórnia, considera que nessas circunstâncias a sentença perde sentido.
"Dado que o presidente em exercício foi afastado do cargo por meio de uma eleição legal e com pouco mais de uma semana restante, a condenação política do impeachment é irrelevante, não é mais necessária", disse Woods em conversa com a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Outros especialistas acreditam que, como a Câmara dos Deputados aprovou formalmente o impeachment do presidente enquanto ele ainda está no poder, o Senado pode julgá-lo mesmo que ele já tenha deixado o cargo.
Antes que as acusações contra Trump fossem aprovadas nesta quarta-feira, algumas vozes foram levantadas pedindo que uma espécie de voto de não confiança fosse passado contra o presidente.
No entanto, a presidente da Câmara dos Deputados, democrata Nancy Pelosi, recusou-se a optar por essa opção, por considerá-la insuficiente.
Os parlamentares que defendem o impeachment apontam que o objetivo vai além de tirar Trump da Presidência.
Se você for condenado, o Senado também pode decidir proibi-lo de ocupar qualquer cargo público no futuro.
Ele também perderia os benefícios concedidos a seus antecessores pelo Ex-Presidents Act (1958), que incluem pensão, seguro saúde, orçamento para viagens de até US$ 1 milhão e uma série de medidas de segurança, todas pagas pelos contribuintes.
Essa sanção de longo alcance acabaria com a possibilidade legal de Trump tentar concorrer à presidência novamente em 2024 - como ele sugeriu em várias ocasiões - mas também poderia permitir que seus oponentes dentro do Partido Republicano tentassem retomar o controle do partido.
Trump começou a dominar o partido em 2016 contra a vontade de grande parte de seus líderes, muitos dos quais optaram por se curvar aos seus desígnios mais por uma estratégia de sobrevivência do que por qualquer outra coisa.
Assim, mesmo depois de 20 de janeiro, uma condenação de Trump poderia favorecer não só o Partido Democrata, mas também setores do Partido Republicano.
Embora isso, é claro, também dependa da popularidade que o presidente conseguir manter entre os eleitores, já que com os atuais níveis de apoio ele continuará sendo uma figura de referência na política americana, mesmo que não possa ser candidato.
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