México tem presidente de esquerda que rejeita máscara e maior taxa de mortes do continente
Filas de pessoas em busca de cilindros de oxigênio, pacientes de covid-19 vivendo um calvário ao serem transportados de hospital em hospital, em busca de leitos vagos, e médicos desesperados pela sobrecarga no sistema de saúde.
As cenas, vistas aqui no Brasil em cidades como Manaus, também têm afligido o México neste início de ano: o país chegou a registrar um recorde de 1.803 mortes por covid-19 em 24 horas, em 21 de janeiro.
O Brasil registrou mortes nesse patamar (1.841 em 24h) em 7 de janeiro, mas vale lembrar que o país tem população quase 40% maior do que a mexicana.
Em números absolutos, o México só é hoje superado por Brasil e Estados Unidos no triste ranking de mortes por covid-19.
Até esta quinta-feira (18/2), o país acumulava 177 mil mortes por covid-19 e o Brasil, 243,4 mil.
Números relativos apontam um cenário ainda mais macabro.
Com a maior quantidade de mortos em relação a cada 100 pessoas infectadas nos 20 países mais afetados pela pandemia em todo o mundo, o México é hoje o país com a mais alta taxa de fatalidades por covid-19: essa taxa é de 8,8%, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.
Para efeitos comparativos, o Peru, cujos sistema de saúde também foi devastado pela pandemia, tem taxa de fatalidade de 3,5%, ao lado da Itália (3,4%). O Brasil aparece em 11° lugar, com taxa de 2,4%.
Esse dado tem de ser visto com cautela: como o país tem baixo índice de testagem para o coronavírus, a proporção de mortes por casos confirmados acaba ficando muito alta.
Mas outro levantamento reforça a percepção de que a taxa de mortalidade mexicana supera a de todo o continente.
Nas contas da plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, o México é hoje o país do continente americano com a maior quantidade de mortos diários por covid-19, por cada milhão de habitantes do país e levando-se em conta a média móvel da última semana.
A "liderança" desse ranking neste ano intercalava entre EUA e México desde meados de janeiro. Na última semana, porém, o México descolou - e em 11 de fevereiro chegou a registrar um pico de 11,07 mortes a cada milhão de habitantes, mais que o dobro das 4,98 mortes registradas no Brasil, por exemplo.
Além disso, o México é o sétimo país do mundo com a mais alta taxa de mortes por 100 mil habitantes.
"A situação atual é algo que eu jamais tinha visto. Não há espaço, não há oxigênio, não há medicamentos", disse, em vídeo publicado recentemente pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), a médica mexicana María de los Ángeles Bolaños.
"Quando chegam pacientes e não temos espaço (leitos), temos de mandá-los embora a outros hospitais. (...) E às vezes temos de escolher: tirar o oxigênio de um paciente menos grave para (dar a) um com mais gravidade."
Observadores veem no país uma combinação de baixa testagem, muita gente sendo tratada em casa com medo de ir aos hospitais e, não menos importante, uma enorme sobrecarga no sistema de saúde, levando os hospitais ao colapso.
Questões políticas
Ao mesmo tempo, existem questões políticas que, à semelhança do caos na saúde e do enorme número de mortos, também soarão familiares para os brasileiros.
O presidente mexicano, o esquerdista Andres Manuel Lopez Obrador, ou AMLO, chegou a fazer um vídeo, em março de 2020, pedindo que as pessoas ficassem em casa e se mantivessem distantes, para evitar o avanço da doença e a superlotação dos hospitais.
Mas, depois disso, passou meses minimizando a pandemia, evitando decretar quarentenas mais rigorosas, dizendo que o país estava prestes a vencer a batalha contra o vírus e recusando-se a endossar o uso de máscaras.
Em julho passado, um grupo de parlamentares apresentou uma denúncia judicial contra ele, na tentativa de obrigá-lo a usar máscaras.
Conhecido por seu estilo populista — e desfrutando até agora de índices elevados de popularidade —, AMLO falou que só usaria máscaras "quando não houvesse mais corrupção" no país. "Façamos esse acordo, vamos acabar com a corrupção para que eu ponha minha máscara e não fale", declarou na época.
"O regime populista do México entrou na crise de saúde da covid-19 com um sistema de saúde pública enfraquecido e uma sociedade levada a uma polarização, no antagonismo entre as pessoas comuns e a elite", destacam em artigo publicado na Revista de Administração Pública da FGV os pesquisadores Cesar Renteria e David Arellano-Gault, do Centro de Pesquisa e Docência Econômicas da Cidade do México.
Em um momento em que o combate à pandemia exigia coordenação, as divisões políticas entre o governo federal de AMLO e governadores da oposição solidificaram essa fragmentação na população, dizem os autores.
Em 24 de janeiro, AMLO anunciou que havia contraído o coronavírus e que passaria por tratamento. Ele disse que teve sintomas leves, como dores no corpo e febre, e duas semanas depois, declarou ter vencido a covid-19.
Como de costume, não usou máscara nesse pronunciamento, afirmando que já não estava mais contagioso - o que também despertou críticas, por desencorajar a população a usar máscaras.
Em ranking de como os países lideram o combate à pandemia, o instituto australiano Lowy colocou o México em penúltimo lugar no mundo - atrás apenas do Brasil, considerado o pior no enfrentamento à covid-19. O país mais bem colocado no levantamento é a Nova Zelândia.
Vacinação
Agora, como boa parte do mundo, o México está na disputa por conseguir vacinas contra a covid-19. O país começou sua imunização antes do Brasil, em 24 de dezembro, mas até esta semana havia conseguido aplicar apenas 0,90 dose a cada 100 habitantes, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.
O Brasil, onde o ritmo de vacinação também tem sido lento, e onde cidades já começam a interromper suas campanhas por terem esgotado seus imunizantes, aplicou 2,77 doses a cada 100 habitantes.
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