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O cálculo de Fachin: os bastidores da decisão que pode beneficiar Lula e Moro ao mesmo tempo

Tanto Lula quanto Moro podem ser beneficiados por decisão - Presidência da República/AFP
Tanto Lula quanto Moro podem ser beneficiados por decisão Imagem: Presidência da República/AFP

Nathalia Passarinho

Da BBC News Brasil, em Londres

09/03/2021 15h48

À primeira vista, a decisão do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia parecer uma vitória do petista sobre o ex-juiz Sergio Moro. Mas, na realidade, é a ideia de preservar a Operação Lava Jato que teria pesado na decisão de Fachin, segundo apurou a BBC News Brasil.

De acordo com fontes do STF, entraram no cálculo do ministro um recado da ministra Cármen Lúcia e a intenção do ministro Gilmar Mendes de levar nesta semana a julgamento uma ação da defesa de Lula que questiona a parcialidade de Moro.

Ao anular as condenações de Lula, Fachin decidiu que outros recursos do petista não precisariam mais ser julgados, inclusive o habeas corpus que questiona a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro ao julgar seus processos. Esse recurso também é relatado pelo ministro, mas estava há mais de dois anos parado no gabinete do ministro Gilmar Mendes devido a um pedido de vista.

Após a decisão, no entanto, ministros críticos à Lava Jato reagiram e Gilmar Mendes decidiu pautar para esta terça (9/3) o julgamento do habeas corpus, ignorando a decisão de Fachin de que os recursos do petista "perderam o objeto".

Fachin tentou adiar esse julgamento, propondo que o caso fosse analisado pelo plenário da corte, mas a maioria da Segunda Turma decidiu julgar a suspeição de Moro nesta terça.

A decisão de Fachin

Na segunda (8/3), numa decisão que surpreendeu até os colegas de tribunal, Fachin, que é relator dos processos da Lava Jato, declarou a incompetência da Justiça Federal do Paraná para julgar quatro ações contra Lula e anulou todas as condenações do ex-presidente. Na prática, Lula deixa inclusive de ser réu, já que o processo volta para antes do recebimento da denúncia.

O argumento foi o de que não caberia à vara de Curitiba julgar as ações de Lula, entre elas a do triplex do Guarujá, porque elas não envolveriam crimes praticados "direta e exclusivamente" contra a Petrobras. Com isso, os processos foram enviados para a Justiça Federal do Distrito Federal e voltam praticamente à estaca zero.

Lula recupera os direitos políticos, não é mais réu e não há prazo para que qualquer decisão sobre as acusações que pesam contra ele sejam analisadas. Mas, ironicamente, "salvar" Lula nesse contexto ajuda a mitigar danos à Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro.

Segundo fontes do STF, Fachin teria explicado esse raciocínio a um ministro da corte, depois de já ter tomado a decisão. Ele não conversou com nenhum colega antes do despacho e causou surpresa entre aliados e indignação na ala do tribunal que é mais crítica à Lava Jato, principalmente o ministro Gilmar Mendes.

Isso porque, ao anular as condenações de Lula, Fachin também declarou a extinção do recurso do ex-presidente que questionava a parcialidade do juiz Sergio Moro. Esse recurso, na avaliação do relator da Lava Jato, tinha potencial de gerar mais danos à operação.

Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, Fachin avaliou que, se Moro fosse considerado parcial e a condenação de Lula fosse anulada com base nisso, seria aberta uma "avenida" para que outros condenados pedissem a anulação de seus processos com o mesmo argumento.

Além disso, declarar parcialidade de Moro nas investigações de Lula potencialmente significaria anular todas as provas colhidas contra o ex-presidente com autorização do ex-juiz da Lava Jato.

A situação da disputa eleitoral em 2022 muda completamente com as decisões da Justiça nesta semana - Marcos Correa/AFP - Marcos Correa/AFP
A situação da disputa eleitoral em 2022 muda completamente com as decisões da Justiça nesta semana
Imagem: Marcos Correa/AFP

Dos males o menor

A decisão de Fachin foi tomada diante de um cenário em que a maioria do STF parece tender por declarar a parcialidade de Moro no trato das investigações contra Lula.

Esse julgamento teve início em dezembro de 2018 e foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes quando só Fachin e a ministra Cármen Lúcia haviam votado - ambos contra o pedido da defesa de Lula.

Mas, desde então, o cenário mudou com a divulgação de mensagens entre procuradores da Lava Jato que, segundo a defesa do ex-presidente, reforçam que Moro e o Ministério Público atuavam em colaboração para encontrar indícios que comprometessem Lula.

Gilmar Mendes pretendia levar o caso para julgamento neste mês e, em entrevistas, adiantou considerar que a Lava Jato e o juiz Sergio Moro atuaram para prender Lula, apoiar a eleição de Bolsonaro e integrar o atual governo.

O processo seria julgado pela 2ª turma do STF, composta por Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kássio Nunes Marques.

Segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil, Cármen Lúcia fez chegar a Fachin que avaliava se declarar impedida no julgamento porque, entre as mensagens vazadas da Lava Jato, há uma de 2018 em que o procurador Deltan Dallagnol diz que a ministra teria orientado o então ministro da Justiça, Raul Jungmann, a não cumprir imediatamente uma ordem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para soltar Lula.

Se Cármen Lúcia se abstiver de julgar, Fachin perde o voto dela contrário a Lula. E a expectativa é que os demais integrantes da 2ª turma do STF votem a favor de declarar a parcialidade de Moro e anular as condenações do ex-presidente.

Por isso, atender a defesa de Lula ao declarar que cabe à Justiça Federal do DF julgar os casos seria "dos males, o menor", já que é uma decisão que não colocaria em xeque a imparcialidade de Moro.

Oficialmente, porém, há uma explicação técnica para Fachin só ter decidido a favor de Lula nesse pedido agora, depois de rejeitar recursos semelhantes feitos pela defesa. Nas decisões anteriores, tribunais inferiores ainda não haviam julgado habeas corpus com o mesmo teor.

Por isso, o Supremo, em tese, teria que esperar que se esgotassem os recursos nas instâncias inferiores.

Gilmar pautou o julgamento da suspeição de Moro logo após a decisão de Fachin - Felipe Sampaio/STF - Felipe Sampaio/STF
Gilmar pautou o julgamento da suspeição de Moro logo após a decisão de Fachin
Imagem: Felipe Sampaio/STF

Críticos à Lava Jato reagem

Mas a estratégia de Fachin pode acabar não dando certo. Ministros críticos à Lava Jato decidiram reagir. O ministro Gilmar Mendes decidiu pautar para a tarde desta terça (9/3) a ação que questiona a imparcialidade de Moro, apesar de a decisão de Fachin ter declarado a extinção desse pedido.

A decisão deve gerar debate na turma, e os ministros podem acabar julgando a suspeição de Moro, desconsiderando o fato de o relator da Lava Jato ter considerado que a ação "perdeu o objeto", ou seja, teria perdido a razão de ser, já que Lula conseguiu ter a condenação anulada em outra decisão.

O relator da Lava Jato ainda tem, porém, uma última estratégia possível, se for derrotado na 2ª turma do STF, pode levar a decisão para ser referendada pelo plenário do Supremo.

Toda essa discussão sobre Lava Jato ilustra, segundo integrantes do STF, um racha no tribunal entre os que querem desqualificar a Lava Jato por inteiro e os que pretendem resguardar as principais condenações.

Fachin é uma das principais vozes favoráveis ao saldo da operação. Teriam avaliação semelhante à dele os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello.

Já os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Kássio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski se revelam mais críticos à Lava Jato. E Alexandre de Moraes é considerado o "fiel da balança", por ser mais difícil prever como ele votaria.

O saldo dessa divisão pode determinar o futuro da Lava Jato e de Lula.