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Universal pressiona, mas mantém pragmatismo e apoio a Bolsonaro após conflito em Angola

Igreja Universal do Reino de Deus iniciou suas operações em Angola em 1992 e tem mais de 230 templos no país - Divulgação/IURD
Igreja Universal do Reino de Deus iniciou suas operações em Angola em 1992 e tem mais de 230 templos no país Imagem: Divulgação/IURD

Gilberto Nascimento

De São Paulo para a BBC News Brasil

24/05/2021 08h13Atualizada em 25/05/2021 07h19

A IURD (Igreja Universal do Reino de Deus), liderada pelo bispo Edir Macedo, deu sinais na última semana de que poderia romper com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em protesto contra ações do Ministério das Relações Exteriores, que não teria dado apoio à instituição em um conflito com o governo de Angola e religiosos locais.

Membros da Universal fizeram críticas públicas ao comportamento do Itamaraty, mas esse gesto foi visto por parlamentares no Congresso como uma "cortina de fumaça". Seria "um jogo de pôquer", apenas uma forma de pressão, na avaliação de políticos e religiosos ouvidos pela BBC News Brasil.

Edir Macedo quis demonstrar a sua contrariedade com Bolsonaro no episódio, mas nem por isso romperia definitivamente com o presidente de uma hora para outra. Tampouco se aliaria nesse momento à candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto, em 2022, como se especulou nos últimos dias.

O teólogo protestante Fábio Py, professor do programa de pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, afirma existir conversas entre membros da Universal e do PT, mas envolvendo os escalões inferiores da igreja e do partido.

Avalia, porém que o descolamento do poder, por ora, está totalmente fora dos planos de Macedo. Até por envolver fatores importantes, como as receitas de publicidade da Record TV, a emissora do bispo. "Temos milhões de reais para o financiamento direto de campanhas de propaganda para a Record no governo Bolsonaro, via Secom (Secretaria de Comunicação). Como ela recebe por isso, não vai abdicar dessas verbas. Não vai sair de uma forma tão explícita do governo agora", aponta o teólogo.

As ameaças de um possível rompimento entre Macedo e Bolsonaro têm como pano de fundo os problemas enfrentados pela Universal em Angola desde o final de 2019, quando mais de 300 bispos e pastores locais se rebelaram contra a direção brasileira da igreja.

Esses religiosos divulgaram um manifesto com denúncias graves contra os dirigentes brasileiros da instituição, como lavagem de dinheiro, expatriação de capitais, sonegação, racismo e imposição de vasectomia aos pastores. Em junho do ano passado, os bispos e pastores tomaram o controle dos templos da Universal.

A partir daí, as decisões de autoridades angolanas foram sempre favoráveis aos religiosos locais. Macedo buscou o apoio de Bolsonaro, mas considerou que seu pedido não foi atendido de maneira adequada.

No último dia 7 de maio, o Serviço de Investigação Criminal de Angola acusou quatro líderes da IURD - entre eles o ex-homem forte da TV Record no Brasil, Honorilton Gonçalves -, por lavagem de dinheiro e associação criminosa.

As denúncias foram encaminhadas à Justiça e, em breve, os quatro representantes da igreja deverão ser julgados. A Universal no Brasil nega todas as denúncias e diz estar sendo vítima de perseguição por parte do governo e da Justiça angolana. Afirma ainda que os religiosos rebeldes do país africano seriam "ex-bispos e ex-pastores afastados por denúncias de desvios e irregularidades".

O governo de Angola também suspendeu as atividades da Record TV no país e decidiu não renovar mais os vistos de missionários brasileiros - entre eles bispos, pastores e obreiros -, que não aceitaram a nova direção da igreja.

Sem o vínculo com a denominação, esses religiosos decidiram permanecer ilegalmente no país e acabaram deportados. Até a terça-feira (19/05), 30 deles haviam retornado ao Brasil. Segundo a Universal, o total deve chegar a 100. Os primeiros pastores a voltar foram recebidos no aeroporto de Guarulhos como heróis pelo bispo Edir Macedo.

Diante de câmeras da Record TV, esses religiosos afirmaram ter passado fome e frio e nem sequer terem sido autorizados a recolher seus pertences em casa, antes de entrar no avião para a viagem.

A Record fez críticas duras ao governo Bolsonaro em seus telejornais. Disse que o Ministério das Relações Exteriores tratou o assunto com descaso. "O governo brasileiro, que deveria proteger os brasileiros em Angola, falhou nessa missão. Foi omisso e não atuou de forma ativa para evitar a deportação", prosseguiu.

Também presente na recepção aos deportados no aeroporto de Guarulhos, o bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo e hoje o número dois na hierarquia da Universal, foi além.

"O que mais nos indigna não é o que está hoje em Angola, mas a ausência de autoridades brasileiras para interceder pelos pastores brasileiros em um país estrangeiro. Até quando o governo brasileiro vai ficar calado e passivo diante dessa situação?", questionou Cardoso.

"Esse é o protesto do povo cristão, do povo evangélico, que apoiou este governo, que faz parte da base deste governo e agora recebe em troca esta omissão. É muito triste. É decepcionante para o povo cristão do Brasil", reclamou Cardoso.

A Frente Parlamentar Evangélica no Congresso endossou as reclamações da Universal em reunião no Itamaraty, no dia 17. Os deputados evangélicos exigiram do Ministério das Relações Exteriores um posicionamento formal em favor da igreja de Macedo. No dia seguinte, em um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto, pediram ao presidente um maior diálogo com os congressistas ligados às igrejas neopentecostais, que ajudaram a elegê-lo.

Bolsonaro chegou a enviar uma carta ao seu colega de Angola, João Lourenço, solicitando "proteção" aos brasileiros da Universal em Angola. O embaixador do Brasil no país africano, Rafael Vidal, passou a acompanhar o caso de perto.

O governo brasileiro tem deixado claro que não pode interferir em decisões de outro país. A avaliação nos bastidores é que Bolsonaro, estrategicamente, decidiu manter certa distância do conflito em virtude de a Procuradoria Geral de Angola ter concluído que há indícios de crimes e formalizado as denúncias contra a direção brasileira da igreja.

Edir Macedo foi um dos principais apoiadores de Bolsonaro na reta final da campanha de 2018. Colocou, inclusive, a Record à disposição do candidato. Mas até às vésperas do primeiro turno, o candidato de Macedo à presidência era o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Ao concluir que o tucano não deslancharia, migrou para a campanha do ex-capitão.

Apesar da insatisfação momentânea, a cúpula da Universal pesará na balança os prós e os contras de um rompimento com o governo. Essa aliança, afinal, além de cargos no governo e das verbas para a Record, garante benefícios em decisões do Congresso, por exemplo, sobre temas importantes como a anistia de dívidas de igrejas com a Receita Federal.

As denominações religiosas já são isentas de impostos. Mas várias igrejas conseguiram a anistia de dívidas milionárias oriundas de multas da Receita devido a artifícios utilizados, por exemplo, para o não pagamento de taxas, ao transferirem recursos para os seus dirigentes.

Em março, parlamentares se posicionaram contra um veto do próprio Bolsonaro para anular essas dívidas. O presidente havia vetado parcialmente o projeto, mas orientou os parlamentares de sua base a rejeitarem o seu próprio veto.

As chances de a Igreja Universal abandonar Bolsonaro e se aliar a Lula são vistas com ceticismo, ao menos nesse momento, nos meios políticos. No passado, a Igreja Universal demonizava o PT. Seus bispos e pastores chamavam o dirigente petista de "satanás".

Depois, a Universal mudou o discurso. Ajudou Lula, em 2002, ao viabilizar a candidatura do empresário José Alencar (já falecido), como seu vice, por meio do PL, partido que abrigava os bispos e pastores da Universal. Alencar depois foi candidato à reeleição já pelo PRB, o atual Republicanos, o partido da igreja.

"Eles (da Universal) não dão cavalo de pau. Têm muitos interesses hoje no governo", avalia o deputado paulista Paulo Teixeira, secretário-geral do PT e vice-líder do partido na Câmara

"É um fato muito recente essas críticas. Não há, por exemplo, nenhuma divergência explicitada em votações que comprove um rompimento. Seria um salto muito grande, essa mudança repentina", diz Teixeira, ligado a grupos "progressistas" da Igreja Católica.

Ele lembra também que colegas seus do Republicanos, o partido ligado à Universal, não deram qualquer sinal de possíveis mudanças em seus posicionamentos no Congresso.

O ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoíno confirmou que Lula tem conversado com evangélicos em busca de apoio, e buscado uma aproximação com grupos neopentecostais. Mas esses encontros, segundo ele, têm sido realizados com representantes das bases dessas igrejas.

"Não é com os líderes, com as cúpulas. Essa fórmula já ficou provada que não dá certo", avaliou. "Entendo que nossa experiência e relação com os evangélicos não foi boa, por ter se dado com as cúpulas. No debate sobre direitos humanos, união civil e interrupção da gravidez, ficamos na retranca, na defensiva. E tínhamos de discutir, por exemplo, o preconceito contra as comunidades LGBT."

Na visão do teólogo Fábio Py, a Universal é hoje a instituição religiosa mais pragmática do país. Para a igreja de Edir Macedo, "não importa quem vai assumir o poder, mas sim que ela esteja junto construindo alianças e as condições para se manter à frente do governo", diz Py.

O importante, acentua, "é que ela esteja junto construindo a governança". Na avaliação de Py, nada impedirá que no futuro Macedo volte a se reaproximar do PT, caso Bolsonaro desande de vez e Lula tenha chances reais de vitória. O pragmatismo extremo, assim, não deixaria Macedo, mais uma vez, longe do poder.