CPI da Covid: Como decisão do STF pode evitar depoimentos de governadores e atrapalhar Bolsonaro
A decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), não compareça à CPI da Covid abre caminho para que os outros nove governadores convocados também não deponham.
Embora a decisão da ministra tenha sido somente para o caso de Lima, ela cria precedente para que os outros governadores façam pedidos semelhantes.
No caso de Lima, Weber decidiu que o comparecimento do governador é facultativo porque ele não é testemunha, mas investigado, e portanto tem o direito de não produzir provas contra si mesmo - algo que poderia ocorrer durante um depoimento.
Além disso, há um outro fator que deve fazer com que os governadores acabem não depondo na CPI: há discussão em andamento no STF sobre se CPIs podem convocar chefes do Executivo para depor sendo que não há previsão legal para isso.
A Constituição Federal prevê apenas a convocação de titulares de órgãos subordinados ao presidente da República, portanto governadores e prefeitos não estariam inclusos.
Como explicou à BBC News Brasil o constitucionalista Wallace Corbo, professor de direito da FGV-Rio, "o poder público está limitado ao que é autorizado pela Constituição ou pelas leis".
Governadores de 18 Estados já entraram com uma ação no STF questionando a possibilidade de convocação, mas Rosa Weber não decidiu sobre o pedido - que deve ser analisado de forma mais ampla pelo STF, segundo ela.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse nesta quinta que a comissão deve recorrer da decisão do STF sobre o caso de Lima.
Como o não comparecimento de governadores afeta a estratégia de Bolsonaro?
A CPI inicialmente seria criada para investigar ações e omissões do governo federal no combate à pandemia de covid-19, mas senadores governistas conseguiram que a pauta fosse ampliada para investigar também o uso dos recursos federais enviados aos Estados e municípios.
A convocação de governadores faz parte da narrativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de dizer que a responsabilidade pela atual situação da pandemia no Brasil é dos Estados e municípios. O Brasil já teve quase 480 mil mortes por covid-19 até agora.
Segundo o cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, a decisão do STF enfraquece essa estratégia do governo de "socializar as perdas" políticas geradas pela investigação da CPI.
"O não depoimento de governadores é um resultado contrário a essa estratégia do governo", afirma Cortez. "Como não há vácuo de assunto do ponto de vista do debate, o foco da CPI e das discussões públicas continua sendo as ações do governo federal."
Para ele, embora os bolsonaristas possam incluir na narrativa a ideia de que o "STF está sendo um obstáculo" na investigação, essa é uma argumentação que só atinge o eleitorado mais fiel ao presidente.
"Serve mesmo para animar aquele eleitorado muito cativo, que dificilmente iria mudar de ideia de qualquer forma", afirma o cientista político.
Desgastes e táticas
Cortez diz que a estratégia de tentar mudar o foco da CPI para os Estados e Municípios não parece estar tendo o efeito esperado pelo presidente.
"Até porque a maioria dos governadores não são figuras concorrentes com Bolsonaro. Eles podem até enfrentar problemas locais em seus Estados, mas isso não tira o desgaste que a CPI gera para o presidente", afirma.
Dos nove governadores convocados à CPI, cinco são de partidos que compõem a base do governo no Congresso, sendo quatro do PSL, o partido que elegeu Bolsonaro e continua votando com o governo.
"O governo segue constrangido, até porque o Brasil segue com um quadro pandêmico bastante perverso", diz o cientista político.
Convocar os governadores, diz, é uma tentativa de recuperar a capacidade de pautar o debate público que sempre foi alta para Bolsonaro, mas acabou enfraquecida pela CPI.
"O bolsonarismo sempre teve a capacidade de criar fatos políticos com declarações, de tirar peso de temas mais delicados com polêmicas", explica Cortez. "Me parece que a CPI tem mostrado uma outra dimensão, uma dificuldade que o governo tem tido de definir quais temas vão ser discutidos."
Senadores governistas negam que a convocação seja uma estratégia política.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse nesta quinta-feira (10/06) que o objetivo não é político, mas "investigar o uso de recursos nos Estados".
Convocação dos governadores permite convocação do presidente?
Senadores como o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), e o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), se posicionaram contra a convocação dos governadores, que consideram inconstitucional e contrária ao regimento do Senado.
Além disso, Rodrigues argumenta que se a comissão tiver o depoimento de governadores, isso abrirá precedente para a convocação de qualquer chefe do poder Executivo, incluindo o presidente da República.
"Se nós pudermos convocar os governadores, por coerência tinha que ser convocado também o senhor presidente da República", afirmou Rodrigues . "A vedação para governador está no mesmo dispositivo da vedação para convocar o presidente da República", concluiu.
Por isso Rodrigues fez um requerimento de convocação de Bolsonaro, que ainda não foi votado pelos senadores.
"A cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI", escreveu Rodrigues no pedido.
Quem foram os governadores convocados?
Até agora, a CPI aprovou convocação de nove governadores: Wilson Lima (PSC), Amazonas; Waldez Góes (PDT), Amapá; Ibaneis Rocha (MDB), Distrito Federal; Helder Barbalho (MDB), Pará; Wellington Dias (PT), Piauí; Marcos Rocha (PSL), Rondônia; Antonio Oliveira Garcia de Almeida (PSL), Roraima; Carlos Moisés (PSL), Santa Catarina e Mauro Carlesse (PSL), Tocantins.
Todos esses Estados tiveram operações da Polícia Federal para investigar se houve desvio de recursos públicos enviados pelo governo federal para combate à pandemia.
À CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o Ministério da Saúde fez uma investigação sobre o uso de recursos no Estados, mas não encontrou nenhuma irregularidade.
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